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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A gastronomia religiosa é um bem cultural a ser preservado

Europa introduziu a cultura de Papai Noel e dos presentes
Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com  @oliveirafatima_


 FOTO: DUKE


"E conta-me histórias, caso eu acorde,/Para eu tornar a adormecer./E dá-me sonhos teus para eu brincar/Até que nasça qualquer dia/ Que tu sabes qual é" (Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, in "Poema do Menino Jesus"). São versos de beleza ecumênica única na voz de Maria Bethânia em "O Doce Mistério da Vida".


Menino Jesus


O Menino Jesus, nos Natais atuais, fugiu das casas, como fugiu do céu no poema de Pessoa. O aniversariante nem sequer é lembrado no frenesi consumista do espírito natalino e nas orgias gastronômicas, que remontam "ao antigo costume europeu de deixar as portas das casas abertas no dia de Natal para receber viajantes e peregrinos".


 Em "O espírito dos Natais passados: Natal ou Dia do Nascimento?", escrevi: "Lá na Palestina, hoje Graça Aranha (MA), não dizíamos dia de Natal, mas Dia do Nascimento. Após ler ‘Um Cântico de Natal’ (1843), de Charles Dickens (1812-1870), entendi que a data era a mesma... 
Em casa, nos empanturrávamos de café com leite e bolos; e mal deitávamos, rompendo a madrugada, ouvíamos o batuque do ‘reisado’ glorificando o Menino Jesus: ‘Ô de casa, ô de fora/Que hora tão excelente/É o glorioso santo Reis/Que vem do Oriente... Eu me pelava de medo dos ‘caretas’ dos ‘santos reis’, mas amava ‘cantigas de reis’. Nada de Missa do Galo (não havia padre, já disse!) e ceia de Natal. Nem presentes. Só no Ano Novo havia o ‘pagamento de alvíssaras’ - prenda que se dá a quem traz boas-novas. O almoço do Dia do Nascimento era leitoa e peru, cuja carcaça era degustada no dia seguinte, numa ‘quiabada’ - ossada de peru com quiabo, prato dos mais deliciosos. Mantenho a tradição: faço ‘quiabada’ do peru de Natal" (O TEMPO, 23.12.2008). 





Peru de Natal: fartura da ceia é sinônimo de abundância e de agradecimento pelas conquistas do ano. Foto: Dreamstime/Terra
Peru de Natal: fartura da ceia é sinônimo de abundância e de agradecimento pelas conquistas do ano - Foto: Dreamstime/Terra


Peru caipira é uma memória olfativa tão forte e perene que consigo fazer de conta que é caipira o peru industrializado que vai pra nossas mesas desde 1974, quando surgiu o "Peru temperado Sadia", que, desde a década de 1960, criava "peru de granja". Pero, não há o que pague degustar um peru caipira nos moldes antigos: abatido na véspera, após o ritual de embebedá-lo com cachaça, não mais que 100 ml para um peru cevado, em média com 5 kg, é o suficiente para relaxar os músculos e amolecer a carne...





Voltei ao assunto em "Os rituais gastronômicos do Natal celebram o Menino Jesus?", no qual digo que "O centro da comemoração era o Menino Jesus, daí a imperiosa presença dos presépios e da ‘tiração de reis’ - apresentação de reisados, iniciados na véspera do Dia do Nascimento, indo até ao Dia de Reis, 6 de janeiro. Os reisados são autos natalinos de uma beleza indescritível... Não havia a cultura de Papai Noel nem de presentes. Isso era lá no sertaozão bravo, porque na capital, São Luís do Maranhão, o Natal já era infestado de Papai Noel, ceia de Natal e quetais, embora até hoje os presépios sejam venerados.



Maior presépio do Maranhão, de autoria do artista plástico João Ewerton, está instalado na área verde da Praça Maria Aragão, em São Luís (MA)

Depois que tive a minha própria casa, a cultura gastronômica natalina europeia passou a existir, pois Natal, para o meu marido, era cultura europeia. Honestamente, continuo gostando muito mais do almoço de Natal do que da ceia natalina. Resolvemos o possível problema criando a nossa prole nas duas tradições gastronômicas" (O TEMPO, 22.12.2009).
Não tenho religião, mas sou "religiosíssima" nas comidas de "dias santos", tradição cultural herdada de minha família, a exemplo da Semana Santa e do Natal, cujos rituais culinários são de dar água na boca e bens culturais a preservar. No que depender de mim, minha descendência não os esquecerá, em deferência aos nossos antepassados.


Duke FOTO: DUKE

Publicado no Jornal OTEMPO em 27.12.2011

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A fala de final de ano de Dilma Rousseff

O blog interrompe o seu curtíssimo recesso de Natal para reproduzir o pronunciamento de final de ano, feito na noite de sexta-feira, da presidenta Dilma Rousseff.
Embora os jornais desta manhã vão dar destaque a sua correta afirmação de que “malfeitos e desvios” seguirão sendo combatidos, como devem ser, o mais importante foi a garantia de que 2012 vai ser um ano de maior incentivo à produção, ao emprego e ao consumo dos brasileiros.
“2011 foi um ano de grande prova, e 2012 será mais um marco de consolidação do modelo brasileiro. Abriremos o ano com forte aumento do salário mínimo, com redução de impostos, com retomada do crescimento e aumento de investimento, mantendo a estabilidade fiscal.”
Essa é a chave do crescimento que, todos esperamos, seja reativado neste 2012, a começar pela injeção, nada desprezível, de quasee oitenta reais a mais na renda – e no consumo – de perto de 50 millhões de brasileiros que recebem o salário-minimo.
Foi este fator, no início de 2009, que nos fez sair do buraco da crise internacional para, no segundo semestre de 2009 e no primeiro de 2011, alcançar as maiorers taxas de crescimento nacional nas últimas décadas.
Que 2012 possa repetir este tempo.
 FONTE: Tijolaço

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Um governo jogando na retranca e a gota d´água, no oceano

 (PandiniGP)

O grande feito do primeiro ano, não saberia dizer
Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


Mais um ano se passou... A impressão que tenho ultimamente é que o tempo passa rápido. Demais. A gente nem vê direito. De repente, lá se foi 2011. E lá se foi um ano de governo Dilma do qual, em termos palpáveis, sou incapaz de dizer qual o grande marco, embora não seja um governo micho, sem élan - conta com 56% de avaliação positiva e a presidente, com 71% e 68% de confiabilidade.

Dilma recebe homenagens e comemora aniversário com almoço em família na Capital Ronaldo Bernardi/ [(Porto Alegre: Dilma recebeu flores e um cartão das crianças que estudam na creche ao lado de seu prédio no dia do seu aniversário 14.12) Foto: Ronaldo Bernardi]

Desassossego há, até demais. A valsa de despedida de ministros - no momento são sete fora, um dentro e outro no pensamento - virou uma rotina sem fim, sem graça, e torra a paciência como cantiga de grilo. Há sempre um ministro na mira da expurgação, que consome o governo na apuração das trepeças denunciadas, um gasto de energia descomunal, que poderia ser empregada em outras coisas... Penso que a tática de "emprenhar o governo pelo ouvido" tem sido a linha de raciocínio vitoriosa da oposição e da mídia que a apoia.
Desvia o governo de efetivamente governar, no sentido de "fazer coisas", ao pautá-lo a jogar na retranca e, assim, nas cordas, diminui o ritmo e até paralisa obras do PAC. Cada novo ministro, além do medo, vai lidar com o desconhecido, montar suas equipes de confiança e, até tomar pé da situação, o tempo perdido é irrecuperável... O dinheiro disponível não é empenhado, nem gasto... Há dinheiro sobrando no paiol esperando cupim.


 [Brasil, de Naza Mcfarren [piauiense radicada há 30 anos em Santa Cruz, Califórnia, EUA. (Tela que a presidenta Dilma Rousseff ganhou do presidente Barack Obama)]


O pior é o ouvido de
mercador do governo.
Há exemplos em várias
áreas, mas nos direitos
reprodutivos ele preferiu demonstrarfidelidade à Santa Sé.


 DUKE


Não tenho dúvidas do propósito: o governo Dilma tem a trilha popular e democrática como definição de caminho, mas não consegue explicitar em ações e materializar em gestos que reforcem os laços com os movimentos sociais. Não sei dizer exatamente qual é a agenda governista em nenhuma área... Nem naquela à qual dediquei parte substancial da minha vida: a saúde, notadamente saúde da mulher.
Levei muito tempo analisando para escrever sobre o assunto. É surreal. A um ponto que eu, relativamente antenada com a vida política do país, se perguntada sobre o grande feito do primeiro ano do governo Dilma, não saberia dizer. Há um feijão com arroz de bom tempero. Por outro lado, não consigo distinguir com nitidez os rumos na manutenção da consigna de um governo popular e democrático. E fico triste.


  (Navegando pelos pensamentos)



O pior é o ouvido de mercador do governo. Há exemplos crassos em várias áreas, mas relembrarei aqui um aparentemente sem importância, sobretudo pela dificuldade de entendimento, da sociedade e do governo, mas é a gota d’água no oceano que pode fazê-lo transbordar. Refiro-me à descomunal derrota política que pesquisadores e ativistas da atenção integral da saúde da mulher, inclusos os aportes dos direitos reprodutivos, tiveram no atual governo, que preferiu demonstrar fidelidade à Santa Sé, como se o Vaticano tivesse pedido um voto sequer para Dilma Rousseff. E não adianta espernear e vociferar que o governo segue impávido, dando as costas a quem suou e sangrou nas eleições. Só não atino o porquê.

 Eis aí por que o sociólogo Boaventura de Sousa Santos está com a razão quando discorre sobre a indisponibilidade das esquerdas para a reflexão: "Quando estão no poder, as esquerdas não têm tempo para refletir sobre as transformações que ocorrem nas sociedades e, quando o fazem, é sempre por reação a qualquer acontecimento que perturbe o exercício do poder. A resposta é sempre defensiva. Quando não estão no poder, dividem-se internamente para definir quem vai ser o líder nas próximas eleições, e as reflexões e análises ficam vinculadas a esse objetivo".
Ai, que canseira foi 2011!

Publicado no Jornal
OTEMPO em 20.12.2011

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

ENTREVISTA: “Se você tinha um cavalo, você valia um cavalo quando adoecia”

 Gustavo Andrade/O Tempo /  (Gustavo Andrade/O Tempo)

Fátima Oliveira, coordenadora do plantão do Hospital de Clínicas da UFMG
 Themys Cabral

Ela desistiu de pintar os cabelos e resolveu deixar os fios brancos em paz. O povo anda criticando, mas ela não está nem aí. Sabe que as madeixas brancas têm história para contar. Uma história, aliás, que ela mesma tem orgulho de contar. Pudera. É a história de uma mulher, negra, que ajudou a construir o SUS, o Sistema Único de Saúde no Brasil. E ela não tem falsa modéstia em relação a isso. “Eu conheço cada palmo deste chão. Quando eu digo que vi o SUS nascer, é porque eu realmente vi o SUS nascer”. Fátima Oliveira é assim.
Já correu atrás de assinatura para emenda popular constitucional em 1988, lutou pelo acesso universal à saúde, militou (e milita) nos movimentos feministas e negro e resolveu, como médica, há dez anos, que fincaria o pé apenas no pronto-socorro. Esqueceu o ambulatório. Com 58 anos de idade e 35 de profissão, ela diz que gosta mesmo é da rotina de plantões na emergência: resolver o que pode ser resolvido, sem frustrações para o amanhã com pacientes que não melhoraram porque não conseguem comprar remédio para o tratamento prescrito.

Fátima, uma das 50 mulheres brasileiras indicadas para o Nobel da Paz, em 2005, dá plantão três vezes por semana no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Nas horas restantes, é escritora. Tem uma coluna semanal num jornal mineiro, um blog e quase uma dezena de livros publicados. E como não bastasse tudo isso, resolveu abraçar outra função há anos: análise de mídia. Ela foi a organizadora do livro “Olhar sobre a mídia”, que analisa a cobertura na área de saúde. Em entrevista à Gazeta do Povo, Fátima critica a cobertura que a imprensa faz do SUS. “A mídia é retardatária”, afirma. Veja os principais trechos da entrevista.

 (Comissão de Cidadania e Reprodução/CCR)


O SUS é um sistema bastante criticado. Como a sra. o avalia?
Eu não troco um dia de SUS de hoje, por pior que ele seja, por um da era pré-SUS. E eu tenho motivos para isso. Meu avô costumava dizer que antes do SUS eram os nossos bichos que nos salvavam na doença. Quanto eu tinha 12 anos, tive febre tifóide. Não tinha médico na cidade em que eu morava, no interior do Maranhão. Quem atendia era um farmacêutico chamado dr. Osano. Eu me lembro até hoje do dia que eu escutei ele falando que eu ia morrer. Mas depois eu fiquei boa. Eu lembro de a vovó dizer assim: “abaixo de Deus o dr. Osano, que salvou a vida da minha neta”. E do meu avô responder: “E as minhas seis vacas que eu usei para pagar ele.”

Pagava-se o atendimento com os bichos que se tinha...
Meu avô dizia que se você tinha um cavalo, você valia um cavalo quando adoecia, porque era o que você tinha para vender para se tratar. Quantas vezes a gente ouvia assim: “A fulana vendeu umas galinhas para levar as filhas dela ao médico, vendeu os porcos”. Era assim, porque era longe e sempre particular. Se não tinha como pagar, morria-se absolutamente à míngua.


Como funcionava o sistema de saúde na época?
No período pré-SUS, tinha o Inamps. Todo trabalhador com carteira assinada tinha direito a uma carteira do Inamps. Quem não tinha carteira profissional assinada era indigente.

Sem carteira do Inamps, se não pudesse pagar atendimento particular, ficava sem?
Ficava. Nas capitais você até tinha pronto-socorros municipais/estaduais para os indigentes ou hospitais filantrópicos que os atendiam. Muitas mães, com o filho muito doente, levavam a carteirinha de outra criança, pegavam emprestado de uma vizinha, uma amiga. Se o fiscal do Inamps descobrisse, entretanto, que uma carteirinha era falsa, punia o hospital e não pagava aquela conta. E o hospital punia aquela mãe, querendo obrigá-la a pagar. Dava alta para a criança e a mandava embora. Não importava se tivesse em risco.

Como aconteceu a universalização da saúde?
Quando eu digo que vi o SUS nascer, é porque eu vi. Eu conheço cada palmo desse chão mesmo. Em 88, havia uma mobilização grande para que a Constituição da República incorporasse o ideário do SUS. Era para isso que os militantes da reforma sanitária batalhavam. E essa luta pela saúde e pela reforma sanitária foi muito importante na redemocratização do país. Nós conseguimos escrever na Constituição Brasileira: “Saúde é direito de todos e dever do Estado”. Eu acho que foi uma das maiores vitórias do movimento social de toda a história do Brasil.

Na sua opinião, quais os principais problemas do SUS?
O SUS é uma coisa em construção. Uma conquista que precisa ser concretizada cotidianamente. Temos problemas de gerenciamento, de incompreensão política dos governos, incompreensão dos usuários que usam o pronto-socorro até para o espirro.
Outro problema: dá uma enorme irritação imaginar que às 5 horas todo lugar que faz consulta na rede pública neste país está fechado. Eu sou uma defensora intransigente do terceiro turno no setor de saúde, tanto em postos, como em ambulatórios. Se eles funcionassem à noite, as pessoas não precisariam faltar ao trabalho para fazer uma consulta. Você ampliaria o número de consultas e geraria empregos.


O dinheiro para saúde não é pouco?
Eu acho que ele é pouco para fazer tudo o que a gente quer, como se o SUS fosse um sistema pronto e acabado. Dinheiro para saúde no Brasil é muito. O problema é que ele não chega à ponta, onde tem de chegar. Outro problema é que a maioria dos governos estaduais e municipais quer fazer SUS só com dinheiro do governo federal. Está na Constituição que os “caras” devem aportar dinheiro e que o SUS é tripartite, com recurso de três esferas. Agora, foi votada a Emenda 29: 12% dos estados, 15% dos municípios e o governo federal não chega a 10% do PIB [Produto Interno Bruto], por causa daquela conta maldita lá. Mas eu acho que é melhor do que nada. Está resolvido. Vencemos esta batalha, vamos para outras.

Como a sra. avalia a cobertura da mídia em relação ao SUS?
Que a mídia sataniza o SUS. Como estudiosa de mídia, eu tenho elementos para dizer. No geral, a mídia é sempre retardatária. Ela corre atrás da notícia. O falar mal do SUS é muito patente. A mídia está sempre do lado contra quando tem uma votação para ir mais dinheiro para o SUS. Ela não quer que o SUS tenha mais dinheiro. Foi assim com CPMF, ou com qualquer projeto. A mídia teve também um papel decisivo na ampliação dos planos de saúde no Brasil, dourando a pílula. Os planos de saúde venderam uma coisa que eles não tinham. Venderam tanto que agora deu “crap”. Mas uma cobertura magnífica foi na época da pílula de farinha [em 1998]. Ali foi o grande momento da mídia brasileira, que investigou, foi atrás.




A sra. já falou que não troca a rotina do pronto-socorro...
Eu amo trabalhar em urgência. Eu nunca larguei de trabalhar em pronto-socorro nestes 35 anos que eu sou médica. E nos últimos dez eu só trabalhei em pronto-socorro.


Por quê?
Eu comecei a ficar cansada do ambulatório, daquela coisa de atender diabético, asmático, hipertenso. Aí eles voltam e não compraram o remédio. Meu carro era o tempo todo cheio de amostra grátis. Aquele negócio foi me cansando. As pessoas não melhoram porque não tomam remédio, porque têm uma vida desgraçada. No pronto-socorro, eu trabalho 12 horas, mas, quando eu chego em casa, eu durmo, porque tudo o que eu podia fazer por aquela pessoa que foi atendida na urgência, eu fiz. E saio com a consciência absolutamente tranquila. Eu resolvi não me culpar mais por aquilo que não era culpa minha: as pessoas não terem condições de fazer seus tratamentos.


A sra. foi uma das brasileiras indicadas ao Nobel da Paz. Como foi isso?
Em 2005, houve uma mobilização mundial para a indicação de mil mulheres ao Nobel da Paz. Cada país tinha uma cota de mulheres para serem indicadas e a cota do Brasil era 50. E eu fui uma das 50. Acho que foi uma indicação que considerou a minha história de vida, de militância feminista, no movimento negro, na luta pelo SUS.


Themys Cabral

Editora do Núcleo de Saúde
GRPCOM – Grupo Paranaense de Comunicação
41 3321.5316
www.gazetadopovo.com.br
Publicado em 19.12.2011 FONTE: Gazeta do Povo, Curitiba- Paraná

LEIA TAMBÉM:
Filosofando sobre "Mídia e saúde: quando o SUS vira notícia" 14ª CNS: Comunicadores da Saúde debatem o SUS + Ti-ti-ti no twitter sobre a Oficina Diálogos Saúde e Mídia

sábado, 17 de dezembro de 2011

“Carnaval é ópera de rua”. Joãosinho Trinta

 

João Clemente Jorge Trinta, o Joãosinho Trinta, nasceu em São Luís-MA, em 23 de novembro de 1933 e lá faleceu em 17 de dezembro de 2011

Joãosinho Trinta e seu amor pela Ilha da Assombração
Ver imagem em tamanho grande
[“O povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. Joãosinho Trinta]



Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com   @oliveirafatima_


Não é propriamente um artigo, apenas uma bricolagem para fazer Joãosinho Trinta presente nos 394 anos de São Luís.
No começo da década de 1990, não recordo o ano, passei uma manhã no grande auditório da PUC-Minas, que estava lotadíssimo, ouvindo Joãosinho Trinta.
O meu marido ficou espantado quando na noite anterior comentei que não iria trabalhar na manhã seguinte porque iria à PUC ver e ouvir Joãosinho Trinta.
Com olhar incrédulo e passando as mãos na cabeça, ele balbuciou rindo, algo mais ou menos como: “Amor, o que poderia interessar a você numa palestra de Joãosinho Trinta, embora eu saiba que você ama ver os desfiles de Escolas de Samba na TV? Você me espanta sempre e todos os dias. Eu não consigo acompanhá-la, por mais que tente entendê-la, em todas as dimensões de suas excentricidades, que são muitas e se renovam!”
Fui. Não sei nem mesmo a exata razão de porque fui. Mas quando li, muitos dias antes, que ele faria uma palestra na PUC-Minas, tive vontade de vê-lo, ouvi-lo e abraçá-lo. Brotou. Do nada. Era um desejo assim muito fraterno e carinhoso de dizer: Bravo, cara! E foi o que fiz. E foi docemente gratificante porque Joãosinho Trinta ficou sensivelmente emocionado com a minha presença e queria prolongar a celebração do nosso encontro num almoço.
Mas eu não podia, pois à tarde no ambulatório do Hospital da Baleia estavam à minha espera 20 pessoas. É, 20 consultas.
Era uma palestra de “variedades”, pela qual ele cobrava a preço de quilate de ouro, para as obras sociais da Beija-Flor, segundo todas as boas e más línguas da mídia, na qual aquele maranhense pequenino e atarracado, de bela voz, olhos muito brilhantes e de imaginação fértil e pensamentos a mil por hora relatava a sua vida de bailarino e de carnavalesco. Foi pura emoção!
E Joãosinho Trinta tripudiou o que pode com boas e hilárias tiradas filosóficas, bem naquele estilo fashion dele: “O povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. Um escândalo filosófico atrás do outro e eu vibrava!
Ele prende a nossa atenção por tudo o que diz, mas o que mais me impactou foi a sua menção amorosa e quase lacrimejante sobre o enredo do Salgueiro de 1974: O Rei de França na Ilha da Assombração (Incredo incriuz).
Outro susto, foi quando ele afirmou que, por uma concepção naturista de vida, não usa sabão em sua pele, jamais. Isto é, havia anos não usava qualquer tipo de sabão no banho para não “estragar” e não agredir a oleosidade natural de sua pele. Só água. Achei estranho.
Mais estranho ainda foi ele dizer que não sabia qual era o seu salário na Beija-Flor. Nunca definiu. Apenas disse que tudo o que ele precisava a Beija-Flor supria. Casa, comida, roupa e viagens.
E destacou que era um homem que precisava de muito pouco para viver, que levava uma vida quase franciscana. Mas que poderia acordar um belo dia e desejar ir para qualquer lugar do mundo, a qualquer hora. O seu desejo se realizava num passe de mágica. E que gostava de viver assim.
Ao término da palestra fui falar com ele e me apresentei como sua conterrânea. Ele ficou encantado com a minha presença e pelo fato de que eu sendo médica estivesse ali num gesto carinhoso apenas para prestigiá-lo.
Como meu marido de então, ele se disse espantado de uma médica, mesmo sendo sua conterrânea, achar que poderia aprender algo com ele. Quanta subestimação! E como não é um aprendizado ouvir as histórias de vida das pessoas e ainda mais de alguém cuja vida é pura garra, doação aos outros e determinação?
E disse-me algo como: “Não há nada que pague uma conterrânea como você, que é médica, morando noutro Estado, e sendo uma pessoa muito ocupada, num dia de semana, se organizar para poder estar aqui me ouvindo e me prestigiando.”
Nunca mais nos vimos. Mas eu guardo um carinho singular pelo jeito de ser de Joãosinho Trinta. Sei que Joãosinho Trinta está muito doente, praticamente sofrendo quase à míngua. É uma notícia velha de mais de dois meses. Não sei mais nada sobre ele.
Hoje, sem condições físicas e mentais e sem tempo para escrever, chegando em casa depois de 24 horas de plantão, achei que seria uma absurda omissão nas comemorações dos 394 anos de São Luís não se falar nada sobre Joãosinho Trinta e o seu amor por São Luís: a sua Ilha da Assombração.
Então, decidi dar uma “sapeada” rápida pela internet e ver o que havia de mais significativo sobre Joãoosinho Trinta e o carnaval de 1974. Não é propriamente um artigo, apenas uma bricolagem para fazer Joãosinho Trinta presente nos 394 anos de São Luís.


Belo Horizonte, 10.09.2006, às 11:10
   "A vitória é de todo mundo, mas, quando a escola perde, a culpa é do carnavalesco". Joãosinho Trinta


Que assim se recordem de mim"
  "Que assim se recordem de mim"




 
Entrevista exclusiva com Joãosinho Trinta em maio deste ano
FOTOS:
CARNAVAIS DE ANTIGAMENTE

 Joãosinho Trinta e Marisa Letícia, 2007







AS VITÓRIAS DE JOÃOSINHO TRINTA NO CARNAVAL

O Rei de França na Ilha da Assombração, 1974, Salgueiro.
As Minas do Rei Salomão, 1975, bicampeonato no Salgueiro.
Sonhar com Rei Dá Leão, 1976, tricampeonato conquistado na Beija-Flor.

Vovó e o Rei da Saturnália na Corte Egipciana, 1977. Segunda vitória na Beija-Flor e a quarta consecutiva.
Criação do Mundo Segundo a Tradição Nagô, 1978, tricampeonato da Beija-Flor.
O Sol da Meia-Noite, uma Viagem ao País das Maravilhas, 1980, vitória dividida com Imperatriz Leopoldinense e Portela.
A Grande Constelação de Estrelas Negras, 1983, Beija-Flor.
Trevas, Luz! A Explosão do Universo (ou Big-Bang), 1997, Viradouro.


Joãosinho Trinta assume a frente da escola como carnavalesco, o enredo escolhido para 1974 foi O Rei de França na Ilha da Assombração, um tema que trouxe o imaginário para a avenida, o que contribuiu para modificar definitivamente a tônica dos enredos das escolas de samba.
Para 1974, o enredo escolhido foi O Rei de França na Ilha da Assombração, um tema que trouxe o imaginário como uma nova contribuição para o carnaval e modificou de uma vez a tônica para os enredos das escolas de samba. Apesar das dificuldades financeiras, no barracão, Joãosinho Trinta e sua equipe iam transformando em realidade o sonho do menino Luís XIII, que, vendo os preparativos de uma esquadra para invadir terras indígenas, imaginou um Reino de França no Maranhão. Quando a escola entrou na avenida, alguma coisa mudou no carnaval carioca. Todos os detalhes estavam cuidados. O luxo, feito de isopor, papel alumínio, feltro e madeira, mostrava com minúcias, mas sem excessos, o sonho de menino e as lendas do Maranhão. Dias depois, na abertura dos envelopes, o favoritismo da avenida foi confirmado: Salgueiro campeão mais uma vez!

FONTE: http://vagalume.uol.com.br/salgueiro/biografia/



E TUDO ACABOU EM SAMBA
Joãosinho e a imaginação do príncipe



O desfile mais marcante inspirado na presença francesa no Maranhão não se baseou nos livros, e sim em histórias de fantasma contadas pelas lavadeiras de São Luís. Mérito do menino que sentava-se à beira do rio para ouvi-las: o maranhense Joãosinho Trinta, autor de "O Rei de França na Ilha da Assombração", enredo campeão do Salgueiro em 1974.
A trama é original: criança, o rei Luís XIII ouvia falar que a França, sob o reinado de sua mãe, Maria de Médicis, dominava o Maranhão, e imaginava como seria aquela terra exótica. O carnavalesco então juntou as referências visuais familiares ao príncipe com o cenário do Maranhão.
Os dados históricos foram detalhe. Joãosinho registrou sobretudo traços da presença dos franceses na imaginação maranhense e aproveitou para contar outras lendas. Uma das alegorias foi o touro negro coroado, que, contava-se, aparecia em noite de lua cheia na Praia dos Lençóis e se transformava em d. Sebastião, o mítico rei português que morreu jovem.
Hoje o desfile nada teria de excepcional. Joãosinho jamais se baseia apenas nos livros. Mas naquela época foi uma surpresa a primeira vitória individual do carnavalesco, que seria bicampeão no Salgueiro em 1975 ("O segredo das minas do rei Salomão").

FONTE: Tribuna do Norte



1974Enredo: O REI DE FRANÇA NA ILHA DA ASSOMBRAÇÃO
(INCREDO INCRIUZ)
Zé Di  e Malandro


 
In credo in cruz, ê ê, Vige Maria
As preta véia se benze, me arrepia

 Ô ô ô Xangô
As preta véia não mente, não sinhô (bis)

Não cantaram em vão
O poeta e o sabiá
Na fonte do Ribeirão
Lenda e assombração
Contam que o rei criança
Viu o reino de França no Maranhão
Das matas fez o salão dos espelhos
Em candelabros palmeiras
Da gente índia a corte real
De ouro e prata um mundo irreal

Na imaginação do rei mimado
A Rainha era deusa (bis)

No reino encantado
Na Praia dos Lençóis
Areia, assombração
O touro negro coroado
É Dom Sebastião
É meia-noite, Nhá Jança vem
Desce do além na carruagem
Do fogo vivo, luz da nobreza
Saem azulejos, sua riqueza
E a escrava, que maravilha
É a serpente de prata
Que rodeia a ilha


In credo in cruz, ê ê, Vige Maria
As preta véia se benze, me arrepia...


 (Vídeo aqui)

 (Fonte do Ribeirão, São Luís-MA)
 [Nha Jança (Ana Jansen)]


GÊNIO DO CARNAVAL - Edney Silvestre
"Sábado que vem, o Rio estará mergulhado no espírito de carnaval, uma festa que veio do povo para a alegria do povo. Mas das origens até hoje, a festa mudou muito. Daqueles desfiles simples de antigamente, em que as pessoas usavam as roupas feitas em casa mesmo, o carnaval virou o maior espetáculo da Terra.
E um dos transformadores dessa festa veio de longe, veio do Nordeste e ralou muito no Rio antes de se tornar o mito que é: Joãosinho Trinta


Américo VermelhoAg. o GloboEd Viggiani GENTE FORA DE SÉRIE. Joãosinho Trinta - Luís Edmundo Araújo"Quando só tinha restos de arroz, achava tão gostoso que não sentia a tragédia"  Joasinho Trinta


 Joãosinho Trinta é velado no Museu Histórico e Artístico do Maranhão
Corpo do carnavalesco será levado em cortejo ao Teatro Arthur Azevedo neste domingo; enterro acontece na segunda-feira, no Cemitério do Gavião.
 

 (Teatro Arthur Azevedo) 

1974: O SALGUEIRO DESFILA O SONHO E O LUXO, com o enredo: O Rei de França na Ilha da Assombração (Incredo incriuz)

 Matéria publicada no Site Lima Coelho em 2007: 
Enredo: O Rei de França na Ilha da Assombração (Incredo incriuz) - Zé Di e Malandro
(22.08.2007) 

Joãosinho Trinta e seu amor pela Ilha da Assombração - Fátima Oliveira (23.08.2007)