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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A nossa boca é fundamental contra os fundamentalismos!

12  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica- fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


“Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio. Uma só pra mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo, e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele de Cardéque. Mas quando posso vou no Mindubim, onde um Matias é crente metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta e suspende” (Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”).

Meninas sequestradas Considero todas as religiões bélicas, perpetuadoras do patriarcado e contra o “faça amor, não faça guerra!” Porém, respeito todas as religiões, por entender que é um direito humano ter uma religião ou não. Recorri ao trecho de Guimarães Rosa como uma iluminação para escrever “As sequestradas nigerianas abandonadas pelo mundo”, quando o grupo islâmico Boko Haram – que em língua hausa significa “a educação ocidental é proibida”– sequestrou “entre 230 e 270 estudantes de um internato feminino na cidade de Chibok, no Estado de Borno, na Nigéria” (O TEMPO, 13.5.2014).

 O Boko Haram tem cometido crimes em série desde sua criação, em 2002; e, em 2014, matou 10 mil pessoas – em nome de implantar um Estado islâmico no Nordeste da Nigéria! Entre 3 e 8 de janeiro em curso, conforme a Anistia Internacional, em Baga, no Estado de Borno, poucas semanas antes das eleições presidenciais, em diferentes povoados, o Boko Haram assassinou mais de 2.000 pessoas. O Exército da Nigéria diz que foram “apenas” 150! Todavia, o arcebispo da cidade de Jos, Ignatius Kaigama, afirmou: “É uma tragédia monumental. Deixou a todos na Nigéria muito tristes. Mas parece que estamos desamparados. Porque, se fôssemos capazes de deter o Boko Haram, já o teríamos feito. Eles continuam a atacar, matar e a tomar territórios impunemente”.

AFP

O mundo não adotou nenhuma postura de indignação contra o fundamentalismo religioso que matava aos montes na Nigéria, até que islâmicos radicais, na França, bradando “Alá é grande”, no dia 7 último, quinto dia do massacre na Nigéria, promoveram um atentado à sede do semanário “Charlie Hebdo”, uma revista satírica que se pauta pelo secularismo – logo, mira todas as religiões –, no qual morreram 17 pessoas e várias ficaram feridas. Pontuo que, em 2014, a “Charlie Hebdo” já havia sido atacada por ter publicado uma charge sobre o profeta Maomé – os dois atentados foram, inequivocamente, contra a liberdade de expressão.

  O Ocidente caiu! Até o presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, que não abriu a boca sobre o que estava acontecendo em Baga, prestou contritas condolências às vítimas de Paris! No mesmo dia, “em seu perfil no Facebook, Jonathan postou fotos do luxuoso casamento de uma sobrinha, sem ter feito comentários de qualquer natureza sobre os ataques em seu país!”

  O arcebispo Kaigama foi cirúrgico em entrevista à BBC: “A mobilização internacional contra o extremismo não pode ocorrer somente quando há um ataque na Europa... Precisamos que esse espírito se multiplique, não apenas quando isso ocorre na Europa, mas também na Nigéria, no Níger ou em Camarões”. Perfeito!


Na prática, as lutas pela liberdade de expressão, pela liberdade religiosa e contra o fundamentalismo religioso são muito íntimas, e a nossa boca é fundamental contra os fundamentalismos! O mundo seria mais acolhedor sem as guerras religiosas, sem tanta mortandade em nome de Deus/Alá, se o sincretismo de Riobaldo fosse a tônica: “Bebo água de todo rio”.

Riobaldo e Diadorim, como são representados na minissérie (1985).

 PUBLICADO EM 27.01.15
FONTE: OTEMPO 

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O belo espetáculo do banho de piscina dos bem-te-vis


Fátima Oliveira
Médica- fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_




O jardim e o quintal de minha casa são frequentados por um sem-número de pássaros, embora o comedouro deles fique no quintal – são tantos que devoram quase dois quilos de “comidinha de passarim” por mês.
O dia todo há beija-flor zanzando pelo jardim entre as flores e os três bebedouros. Os bem-te-vis tomam conta do jardim quando o calor aumenta, lá pelo fim da manhã, porque adoram tomar banho na piscina. Só uma vez os vi “piscinando” à tarde. Ser espectadora de banho de passarinhos é um fascínio! A gente perde a noção do tempo. É doce e divertido apreciar a pândega que fazem em fila indiana. Jamais dois ao mesmo tempo! A gente procura a fila e não vê, só avista um voo rasante de peito, um a um. E a fila? Não sei, mas que ela existe, existe! São uns danadinhos de organizados.
A primeira vez em que os vi estripuliando na piscina eu estava na pia da cozinha lavando louça quando ouvi um barulho de asas na água... Olhei pela janela: um bem-te-vi em voo rasante atravessou a piscina batendo o peito na água e, do outro lado, sacudiu as penas e voou até um fio, onde já estavam outros três secando-se ao sol. De repente outro, depois outro, mais outro e só então, retardatária, entendi que estavam tomando banho! Gargalhei na maior felicidade do mundo.


 Comecei a estudar os bem-te-vis piscineiros. Já sei o horário da “piscinação”, então fico lendo deitada numa rede num lado da varanda em que eles não me percebem. É aguardar o barulho de asas na água. É um espetáculo de rara beleza. Descobri que os banhos só acontecem quando a piscina está muito cheia. Com a água em torno de um palmo e meio das bordas, eles não se arriscam. Já coloquei um banhadouro (a banheira do meu neto Inácio) perto, mas nunca os vi usando!

  Em menos de um mês, já tive de me jogar na piscina de roupa e tudo duas vezes para salvar bem-te-vis se afogando, literalmente, porque perderam o impulso de molhar o peito na água e atravessar a piscina. Pense numa aflição! Da primeira vez não contei pra ninguém, pois não queria ouvir sermão do tipo: “Tá vendo, não pode morar sozinha que fica fazendo arte, correndo feito uma louca e se jogando na piscina de roupa e tudo para salvar passarinho!”
No dia do segundo afogamento, resolvi contar pra Clarinha porque somos companheiras de passarinhadas desde ela pequenininha, como descrevi em “A magia de ‘passarinhar’ com Clarinha na Cidade Jardim” (O TEMPO, 27.9.2011), e ela chamava “passarim” de “peu-peus” (“Cuidando dos encantadores ‘peu-peus’ da Clarinha”, O TEMPO, 6.3.2012).



Ela, ao telefone: “Sério, vó? Ai, coitadinhos! Mas eles não morreram, né? Mamããããe, vovó correu e se jogou de roupa na piscina e salvou dois bem-te-vis nossos que estavam se afogando! E se não tivesse ninguém em casa, vó? Agora, vó, tu não podes mais sair de casa... Ou então, leva todos no Mini Cooper, né? Será que cabe, vovó?” Enfim, Clarinha tem uma capacidade extraordinária de detectar com precisão os problemas e apresentar soluções como nunca vi igual! E já, é minha neta!
Rindo, disse-lhe: “Vamos ter de comprar uma capa para a piscina porque não vou ficar aqui presa para salvar bem-te-vis!” Ela: “Ah, mas tu não gostas mesmo quase de nada, vó! Não gosta de supermercado, não gosta de shopping... Só de praia e de ir pra Ribamar”.



Ainda não apareceram o bem-te-vi gago: “Bem-bem-bem... te-te-te... vi-vi-vi?” (“Histórias de Bem-Te-Vi”) e nem os desobedientes da “Escola de bem-te-vis” (“Te-vi! Te-vi! Te-vi!”), da Cecília Meireles, mas, um dia, quem sabe, não é?

 Um casal de Bem-te-vi
PUBLICADO EM 20.01.15
01  (DUKE) FONTE: OTEMPO

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A simplicidade voluntária é um estilo de vida escolhido


Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


Optar pela vida simples é adotar uma filosofia na qual modismos e supérfluos não dão o tom. O difícil é explicar a decisão de simplificar a vida. “A simplicidade voluntária, diferentemente da pobreza, que é imposta, é um estilo de vida escolhido”, alicerçado pela filosofia de dois movimentos focados na sustentabilidade: o “slow food” e o “slow fashion”; na reciclagem e produção mínima de lixo.

  Para o Movimento Slow Food, fundado em 1986 por Carlo Petrini, comer bem é um direito humano. Defende a herança, as tradições e culturas culinárias e tem como princípio o direito ao prazer da alimentação, por meio de produtos artesanais de qualidade especial, produzidos com respeito ao meio ambiente e aos produtores (“De pegada carbônica, filosofia slow food e ecogastronomia”, O TEMPO, 8.9.2009).


 O Movimento Slow Fashion, criado por Kate Fletcher, do Centro de Moda Sustentável, é uma alternativa ao consumismo e busca unificar “eco”, “ética” e “verde”: qualidade, longevidade, atemporalidade, customização e o resgate do “vintage” – não basta ser antigo para ser “vintage”, que em moda é vocábulo usado para roupas originais de uma dada época. A moda retrô é roupa nova inspirada em moda antiga.

  O “slow fashion” é um estilo sustentável que está na contramão do estabelecido nos anos 80, as “fast-fashion” – moda rápida, “design” moderno e baixo preço, que não é “sulanca”, mas jamais “alta-costura”, que chega às vitrines das grandes lojas, como Zara, Riachuelo, C&A e similares.

 Nunca fui escrava da moda. Há anos o meu desejo de entrar numa loja para comprar roupa é quase zero. Passo um ano ou mais sem adquirir nenhuma peça. Sempre fui sustentável no vestir e compreendo que a “roupa fala”: diz do meu estado de espírito. Uso roupas com cara de novas, que comprei há 20 anos ou mais, até para festas! Amo moda à la Woodstock: a antimoda “hippie”, a neohippie, a hippie pop – quase obra de arte, de visual despretensioso com ar de “desleixo chique”.

  Trilho o caminho da simplicidade voluntária com conforto – uma vida básica e/ou simples, sem as penúrias da pobreza e “canhenguices” franciscanas – aqui no Paranã profundo, na zona rural da ilha de São Luís, na estrada de Ribamar, em Paço do Lumiar (MA), num chalezinho de campo, a bem da verdade um “loft” bem transado, de dois quartos, dois banheiros, com jardim, piscina e um quintalzinho com uma hortinha – num lote de 10 m x 25 m (logo, não é um sítio!), de onde acesso em poucos minutos várias praias, as melhores e menos poluídas da ilha, por estradas asfaltadas. Ah, e aprendendo a domar a gana de estocar coisas (tenho tendências acumuladoras...), inclusive alimentos, perecíveis ou não, para além de 15 dias. A minha compra é minúscula e bem seletiva, apenas para uma pessoa!

 É inenarrável acordar pela manhã e dar comida aos pássaros livres, cuidar das plantas – quase 100% dos meus muitos vasos são reciclados (garrafas PET, caixas de leite e de suco, latas, etc.), pero... 

 Muita gente recrimina silenciosamente, com olhares longos, misto de admiração e incredulidade, ao mirar o meu cafofo, que mais parece uma casinha de boneca, que intriga muito a minha neta... “Mas, vó, por que a tua casa não é de tijolo, como a de todo mundo?”

  

Ao resgatar as baterias de cozinha (paneleiros) das minhas ancestrais, Clarinha, ao vê-las, tascou: “Vó, tu não achas que as panelas ficam melhor no armário?” Depois de muitas risadas, contei uma linda história do sertão, do tempo das panelas “areadas” com tabatinga, anterior ao Bombril...
 0 (DUKE) PUBLICADO EM 13.01.15
FONTE: OTEMPO

 Você também poderá gostar de ler de minha autoria:
Saco é um saco - pro planeta, pro futuro e pra você, O TEMPO, 14.07.2009

Pelo nosso futuro comum: audite o lixo e use ecossacolas, O TEMPO, 11.08.2009

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O encanto e a brejeirice das tradições das Folias de Reis

Fátima Oliveira
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

As festividades natalinas encerram-se hoje, 6 de janeiro, Dia de Reis – celebração do catolicismo popular aos Santos Reis ou Reis Magos, data da lendária visita dos reis do Oriente Melchior, Gaspar e Baltazar ao Menino Jesus, presenteado, respectivamente, com ouro, incenso e mirra, que à época representavam a realeza (ouro), a divindade (incenso) e o sacrifício final de Jesus (mirra).

  (Catedral de Colônia, Alemanha) 

Os Santos Reis não foram canonizados, mas o povo os vê como santos. Há dúvidas se existiram, porém seus supostos restos mortais estão, desde 1161, na igreja de Colônia, na Alemanha.

 A adoração aos Santos Reis é forte na Europa. Na França, come-se a “galette dês rois” (torta com recheio de creme de amêndoas). Ao comprar “galette” em “boulangeries” e “pâtisseries”, recebe-se de brinde duas coroas de papel. A tradição data dos romanos: uma fava seca, ou grão de feijão, é colocada na torta para a escolha do Rei do Dia. A fava foi substituída por uma imagem de porcelana.



Na Itália, a “galette” é uma coroa de pão doce com recheio de frutas cristalizadas, chamada de “roscón” na Espanha. Acontece a Cabalgata de Reyes em muitas cidades espanholas – cortejo dos Reis Magos com carros decorados; e, ao fim do desfile, os reis descem dos carros para mimar as crianças com “carbão de azúcar”. Há o costume de deixar nas janelas bolinhos e copos com vinho ou licor para os reis; e o de sair em cantoria de porta em porta pedindo o “aguinaldo”, que são doces e dinheiro.
Na Hungria, crianças vestidas de Reis Magos e com presépios nas mãos pedem moedas de porta em porta. Crianças alemãs também se vestem de Reis Magos e escrevem as iniciais de seus nomes nas portas das casas. Em Portugal, há a cantoria chamada de “Janeiras”, dias 31 de dezembro e 1º de janeiro, e em alguns lugares é ofertado azeite novo para as candeias da igreja ou capela, em homenagem às almas de familiares mortos; e o Cantar de Reis (reisada ou reseiro), nas pequenas aldeias, que vai de 5 a 20 de janeiro, com grupos entoando, de porta em porta, canções tradicionais da vida de Jesus, acompanhados de reco-reco, ferrinhos, bombo, acordeom e viola. Após a cantoria, há comes e bebes. A tradição culinária é o bolo rei – com uma fava, e quem a encontra paga o bolo no ano seguinte –, relembrando a lenda que conta que os reis discutiram sobre quem entregaria o presente primeiro. Foi feito um bolo com um grão de fava dentro, e quem a recebesse em seu pedaço seria o primeiro.


 No Brasil, que herdou de Portugal o culto aos Santos Reis, as manifestações, sem a tutela do clero e legitimadas como espaços de inclusão social, vão de reisados (ternos ou folias de reis), congada, queima da lapinha ou de palhinhas, rezas e cavalhadas, dependendo da região.

 Em São Luís do Maranhão, três tradições traduzem a devoção ao Menino Jesus, que são os grupos de pastores (auto de Natal); reisados, que integram três expressões artísticas: música, dança e teatro; e, no 6 de janeiro, há também a queimação de palhinhas – reza do terço e de ladainha (em latim!) e cânticos. São tradições da cultura popular de rara beleza cênica, teatral e musical. Criança, eu morria de medo das “caretas” dos Santos Reis, mas o encanto das vestes coloridas, chapéus cheios de fitas e espelhinhos e cantorias maviosas ainda mexe muito comigo.
Ateia, sinto-as como parte de mim, pois são patrimônios culturais imateriais que revelam as entranhas de minhas origens, que o diverso, belo e brejeiro reisado mineiro acalanta.

REPUBLICADO EM 06.01.15
12 (DUKE)  FONTE: OTEMPO 
Duke (DUKE) PUBLICADO EM 05.01.10 em OTEMPO