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terça-feira, 29 de março de 2016

As “babushkas” da zona de exclusão de Chernobyl

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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Aconteceu há 30 anos e reavivou os riscos da energia nuclear. Na madrugada de 26.4.1986, um acidente destruiu o reator número 4 da Usina Nuclear de Chernobyl, nos arredores de Pripyat, com 45 mil habitantes, na Ucrânia, que até 1991 integrou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).




Foi considerado o maior acidente nuclear da história, com uma “poeira de contaminação radioativa” 400 vezes maior do que nos “crimes atômicos” de Hiroshima (bomba de urânio, 6.8.1945) e Nagasaki (bomba de plutônio, 8.8.1945), na Segunda Guerra Mundial! Em 6.5.1986, a emissão radioativa e o fogo de Chernobyl foram controlados.


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No dia do acidente, morreram 31 pessoas. No dia seguinte, mil trabalhadores foram declarados contaminados por radiação, problema que se alastrou. Morreram 30 bombeiros por radiação excessiva. Cerca de 6.000 crianças à época tiveram câncer na tireoide na adolescência e na idade adulta. Desde 1986, milhares de pessoas tiveram câncer de tireoide, que é tratável, cuja taxa de sobrevivência na Ucrânia é de 99%.
“Além da Bielorrússia, país que faz fronteira com a Ucrânia, nos anos seguintes, a nuvem de radiação pode ser notada em outros países da Europa e de outros continentes. Índices de radiação foram detectados na Suécia, na Escandinávia, nos Países Baixos, na Bélgica, no Reino Unido, na Eslováquia, na Romênia, na Bulgária, na Grécia, na Turquia e na Polônia” (Douglas Ciriaco, “25 Anos do Desastre de Chernobyl: Mitos e Verdades da Energia Atômica”).
Foi construído um sarcófago ao redor do reator 4 e definida uma área de isolamento, a Zona de Exclusão de Chernobyl, com mais de 1.500 km², na qual é proibida a moradia porque o solo, a água e o ar são contaminados – hoje, a zona de exclusão é de “cerca de 2.500 km² cercada por seguranças e permanente controle de radiação”.
Pripyat, Chernobyl e arredores viraram locais-fantasma. Foram removidas 210 mil pessoas – um êxodo forçado, por biossegurança, que gerou danos sociais e emocionais, com impactos relevantes na vida das mulheres.


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Muitos não se adaptaram aos novos locais de moradia, e cerca de 1.200 retornaram. A maioria foi expulsa. Umas 200 pessoas resistiram, os autocolonos, como as cem mulheres idosas, as “babushkas” (vovós), a maioria hoje viúva, cujas histórias estão no documentário de Holly Morris e Anne Bogart “As ‘Babushkas’ de Chernobyl” – mulheres que “conseguiram, por sua conta e risco, convencer o governo a deixá-las em paz por lá”, onde criam galinhas e porcos; plantam legumes e verduras; colhem frutas e cogumelos na floresta; pescam e bebem água de poço!
É uma vida difícil, e muitas dependem do apoio financeiro de parentes que moram fora da zona de exclusão. Sabem dos riscos e perigos da radiação, mas desafiam as pesquisas que afirmam que Chernobyl ainda é uma ameaça à natureza.


  (Anne Bogart Holly Morris)


2015-06-12-1434071225-9572961-babushkaenverde.png Em “Idosas vivem na zona de exclusão de Chernobyl, evacuada em 1986”, George Johnson fala sobre elas e o documentário. Valentyna Ivanivna, 75, disse: “Em Kiev, eu já teria morrido há muito tempo, já teria morrido cinco vezes. Todos os carros lançam a tabela periódica inteira no ar, e você coloca tudo aquilo para dentro do pulmão”.


  Uma mulher, que estava sendo retirada pela segunda vez, disse a Holly Morris que enfrentou o soldado: “Atire em mim e cave a cova. Senão, vou voltarpara casa”. Os soldados começaram a desistir sob o argumento humanitário de que “eles vão morrer, vamos deixar que morram felizes, que morram em suas casas”.
A desobediência civil das “babushkas” evidencia o valor do lar como uma parte da gente.


 PUBLICADO EM 29.03.16

  
FONTE: OTEMPO 

terça-feira, 22 de março de 2016

Costumes e gastronomia dos “Dias grandes” no sertão

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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


No sertão, a Semana Santa era chamada de “Dias Grandes”. Não sei por quê. Intuo que eram tantas as proibições que os dias eram entediantes e longos.
Jejuavam adultos e crianças a partir de 7 anos, que, se “quebrassem o jejum”, era certeza de “romper a Aleluia na taca!” Criança não apanhava nos “Dias Grandes”, mas, se fizesse malfeitorias, recebia o “corretivo” no amanhecer do Sábado de Aleluia.


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Resultado de imagem para semana santa     Falava-se baixo, em respeito ao calvário de Jesus. Fazer “ar de riso” era passável, mas repreendido. Gargalhar? Desrespeitoso. Era preciso sentir o sofrimento e a morte de Jesus! Brincadeiras de roda, nem pensar! As moças não podiam sequer usar batom, imagine namorar!
Casados, se fizessem sexo, virariam bestas-feras! O cabaré do Derivaldo fechava! Bebidas alcoólicas, só vinho. Um conhecido enchia um garrafão de vinho com cachaça e colocava “Ki-Suco” de morango! E a mulher dele dizia: “Vinho pega mais do que cachaça!”


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Ligar o rádio, só na hora do Angelus e para ouvir missa. Só saíamos para rezas e terços na vizinhança ou na igreja. Não havia padre em Graça Aranha – acho que até hoje não há! Ficávamos enclausurados – para controle do respeito ao jejum e para “não se sujar”. Banhos eram pecados. Após o Domingo de Ramos, banho só na Aleluia – só podia escovar os dentes, lavar o rosto e se “assear” – lavar os pés antes de dormir e as partes íntimas: banho de assento para as meninas.


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Eram dias de completo descanso. De trabalhos domésticos, só fazer comida e lavar as louças. Nem lavar roupa podia! A casa era varrida e arrumada no Domingo de Ramos. Depois, só na Aleluia! As quitandas (bolos e roscas) e os doces para os Dias Grandes eram feitos até Domingo de Ramos, cujo almoço era carne, mas da segunda até a Sexta-Feira Santa, qualquer carne era proibida! Após tantas mortificações, as crianças se esbaldavam atrás dos judas no Sábado de Aleluia, e os adultos nos bailes da Aleluia.


                

          A gastronomia religiosa dos “Dias Grandes” e do “Dia do Nascimento” (Natal) do sertão eu preservo como patrimônio cultural familiar. É uma culinária com cheiro de infância!


   “Até os 10 anos passei os Dias Grandes em minha casa, no sertão. As saudades são tamanhas que sinto o odor das comidas! Até os 14 anos, passei em Colinas (MA), onde assistia às duas missas diárias do Domingo de Ramos à Páscoa; e degustava suculentos peixes do Itapecuru e do Alpercatas, exceto na sexta-feira, quando o almoço era torta de bacalhau e o jantar era arroz de bacalhau, da marca Nem – cozinheira da Casa do Estudante” (“As comidas dos‘Dias Grandes’ no sertão e queimação do Judas”, O TEMPO, 14.4.2009).




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  Sinto os cheiros do cardápio dos “Dias Grandes” da vó Maria. Comíamos peixe de açude: mandi e piaba fritos no azeite de coco de babaçu e curimatã recheada envolta em folha de bananeira e assada na telha. Em Graça Aranha, como dizia meu avô, “nem rio quis passar”! Peixes do litoral, só secos, feitos no leite de coco de babaçu ou arroz de peixe seco com toucinho. As tortas de sardinha e de bacalhau eram um luxo!





 Jantávamos sobras do almoço e caldo de ovos, exceto na Sexta-feira Santa, que era arroz de bacalhau ou de peixe seco com toucinho, mas almoçávamos bacalhau com verduras, que foi transformado em “bacalhau à espanhola” na terceira geração da família – a vovó adorava e dizia que “a maior vantagem de ter mandado Fátima para a escola do padre Macedo é que ela virou a cozinheira mais aprovada da família”.
                Eu ser médica era um mero detalhe para quem dizia que, “se Deus inventou comida melhor do que bacalhau, guardou só pra ele”.


 
PUBLICADO EM 22.03.16
   FONTE: OTEMPO

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