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terça-feira, 30 de agosto de 2016

Abaixo de Deus, só as parteiras de Santana do Riachão

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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

“Em um momento em que o Sistema Único de Saúde (SUS), a maior política pública de saúde do Brasil e do mundo, está sendo esquartejado, contar num romance a história de como conquistamos na Constituição Federal de 1988 o ‘saúde é direito de todos e dever do Estado’ não há o que pague! E narrada por quem viveu aqueles momentos. A universalidade do SUS resulta de muita luta popular.
“Que o ‘Vidas Trocadas: Memórias de Médicas’ chegue logo às livrarias. Até o livro sair, conte de vez em quando em sua coluna alguns episódios pra gente usar na luta em defesa do SUS, que, pelo andar da carruagem, será grande, ferrenha e difícil, como declarou a protagonista do seu livro, a drª. Dália: ‘Nunca foi fácil fazer chegar medicina aos pobres’”.
Palavras de Rina, leitora mineira que há anos acompanha minha coluna semanal em O TEMPO, a quem agradeço a fidelidade da leitura. A ideia de compartilhar alguns trechos do livro é importante na atual conjuntura, pois de algum modo é uma forma de relembrar quando a norma era que as pessoas despossuídas de bens materiais morressem à míngua!
Santana do Riachão, cidade na qual vivem as médicas drª. Dália e sua neta, a drª. Dália de Lourdes, fica no continente, nas imediações da Ilha de São Luís, e era um nada nas brenhas, dadas as dificuldades da falta de estradas, quando a drª. Dália lá chegou, em 1948.


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Resultado de imagem para parteiras e doulas  “Aproveitei que ela não percebeu quando cheguei e quedei-me à contemplação daquele lugar tão caprichosamente construído e decorado. E a vista? Descortina um horizonte infinito e tão belo que sempre que fico aqui a beleza é tanta que parece que é a primeira vez... Quando ela se deu conta de minha presença, falou: ‘Estava aqui, cochilando um pouquinho, pensando em qual dia marcarei para você conhecer nossas parteiras daqui da região. São muitas. Gosto do chamego delas, e elas, do meu! Vai gostar delas e, se tiver paciência, vai coroar sua residência de ginecologia e obstetrícia com o saber delas’.


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“Quero convidá-las para um almoço, como eu fazia nos velhos tempos quando aqui cheguei... Vamos marcar num dia de sábado. Claro que não virão todas porque parteira não sai de onde mora quando uma mulher que ela acompanha está ‘nos dias de ter menino’... Elas têm a cultura da responsabilidade.
“Enveredamos pelo fato de que até hoje temos parteiras leigas na maternidade do Samaritano... Qual a origem e por quê?
“‘É uma antiga história. É que nossa maternidade iniciou como uma Casa de Parto. Foi a primeira do país. Mais ou menos com uns seis meses que aqui cheguei, tive a ideia de fazer alguma coisa que desse uma maior segurança aos partos. Comecei a conversar com as parteiras daqui e dos povoados, em geral havia uma ou mais em cada um; e uma vez por mês nos encontrávamos para uma conversa em minha casa. O sentido era passar noções de higiene, sobretudo curar o umbigo, que aqui era um deus nos acuda. Nem quero lembrar!


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“‘(...) Em média eram umas dez parteiras que compareciam. Procurei também ganhar a confiança delas para que quando se vissem diante de um parto mais difícil não demorassem a trazer as mulheres para cá. E nos casos em que aqui não déssemos jeito, levaríamos a mulher para a capital, por conta da prefeitura, coisa que naquela época parecia um sonho.
“‘Depois que eu pessoalmente levei umas duas mulheres para a capital, adquiri credibilidade. As mortes de parto por aqui eram muitas, e até àquela época eram debitadas no ‘foi Deus quem quis!’ E eu estava rompendo aquela cultura atrasada, de miserabilidade e demonstrando que Deus poderia, sim, querer de outro jeito!’”


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PUBLICADO EM 30.08.16

Resultado de imagem para parteiras antigas FONTE: OTEMPO

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terça-feira, 23 de agosto de 2016

O quesito cor no pelourinho dos tribunais raciais brasileiros

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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Leia com calma: “A reserva de cotas para candidatos negros no serviço público federal foi estabelecida pela Lei 12.990/2014, em vigor desde sua publicação. A verificação das informações prestadas pelos candidatos cotistas ainda não estava padronizada, o que gerava contestações. A Orientação Normativa 3, de 1º de agosto de 2016, publicada no ‘Diário Oficial da União’ (‘DOU’) dessa terça-feira (2), determina a verificação da veracidade da autodeclaração do candidato que se denominar preto ou pardo para concorrer pelo sistema de cotas (...).
“O candidato somente será confirmado como preto ou pardo por meio de verificação presencial, avaliado exclusivamente sobre aspectos fenotípicos (conjunto de características físicas de um indivíduo). O ato foi elaborado seguindo tratativas do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia Geral da União (AGU)”. (“Governo estabelece verificação deinformações de candidatos cotistas em concursos públicos”, 2.8.2016).


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Há um problema de grande vulto na Orientação Normativa 3. Ela extrapola o quesito cor do IBGE: “avaliado exclusivamente sobre aspectos fenotípicos”. Pergunto: quais? Troquemos em miúdos. O que é uma classificação racial? O que é o quesito cor? 
Em 1775, Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), fundador da antropologia, cunhou a região geográfica originária de cada raça e a cor da pele como elementos demarcatórios entre elas (branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongólica; parda ou malaia; e vermelha ou americana). Desde então, a cor da pele   aparece como um dado recorrente: tem sido o mais usado e aparece em quase todasas classificações raciais.


  O IBGE adota o quesito cor (cor da pele), conforme as categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Indígena, teoricamente, cabe em amarelos (populações de origem asiática são catalogados como de cor amarela). No Brasil, dada a dizimação dos povos indígenas, é essencial saber a dinâmica demográfica deles. População negra, para a demografia, é o somatório de preto e pardo. Ressalto: preto é cor, e negro é raça. Não há “cor negra”, há cor preta!




A autodeclaração do quesito cor é conquista democrática e não deve ser submetida a um tribunal racial por dois motivos elementares. O primeiro: todas as classificações raciais são arbitrárias – qualquer pessoa pode inventar uma, e ela será igualmente válida às existentes. Estudos da genética molecular, sob o concurso da genômica, são categóricos: a espécie humana é uma só, e a diversidade de fenótipos, bem como o fato de que cada genótipo é único, é norma da natureza. Tendo o DNA como material hereditário e o gene como unidade de análise, não é possível definir quem é geneticamente negro, branco ou amarelo. O genótipo sempre propõe diferentes possibilidades de fenótipos. Herdamos genes, e não caracteres!
O segundo é que dados da demografia brasileira mostram que a diferença entre cor autodeclarada e cor atribuída por terceiros é estatisticamente irrelevante. Na irrelevância estatística ocorrem as fraudes nas cotas étnicas. E não há dúvida de que aparecerão nos concursos públicos, pois não há nada imune a fraude!
Por que não tornar a fraude do quesito cor um crime hediondo, imprescritível e inafiançável, em vez de reeditar tribunais raciais de triste memória? A verificação de informações de candidatos cotistas em concursos públicos é a legalização de um tribunal racial! Em suma, negra pessoa de ancestralidade africana, desde quem assim se identifique, que na tradução do IBGE é quem se autodeclara preto ou pardo.

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  PUBLICADO EM 23.08.16
FONTE: OTEMPO

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RESUMO
O ARTIGO aborda a mestiçagem, a condição de afro-descendência e a classificação racial oficial do Brasil (IBGE), além de tecer breves considerações sobre os conceitos de raça e de etnia; identidade racial/étnica; e políticas de ação afirmativa segundo sexo/gênero e raça/etnia. Conforme convenção do IBGE, no Brasil, negro é quem se autodeclara preto ou pardo, pois população negra é o somatório de pretos e pardos. Para fins políticos, negra é a pessoa de ancestralidade africana, desde que assim se identifique.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

“Vidas trocadas: memórias de médicas” tem o SUS como cenário

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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Compartilho o ponto final de mais um romance que escrevi e seguiu para o prelo. É o “Vidas Trocadas: Memórias de Médicas...”, que tem a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) como cenário e as pelejas de duas “médicas de aldeia”, a avó e a neta, durante quase um século fazendo medicina nas brenhas, saga iniciada quando a saúde ainda não era direito de todos nem dever do Estado, como diz a protagonista drª. Dália: “Nunca foi fácil fazer chegar medicina aos pobres”.




Não fizeram só medicina. Participaram da luta pela construção da saúde pública no país. Amaram. Sofreram. Constituíram família. São mulheres libertárias e hedonistas que se pautam na vida pessoal pelo que disse Alfred Kinsey (1894-1956): “Ninfomaníaco é alguém que faz mais sexo do que você”.


Faculdade Nacional de Medicina  (praia Vermelha, Rio de Janeiro, RJ)


A drª. Dália se formou em 1945 na Faculdade Nacional de Medicina, hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi contemporânea de três figuras de destaque na medicina e na política maranhenses: Antônio Jorge Dino (1913-1976) e José Duailibi Murad (1920-2011), formados em 1940; e Maria José Camargo Aragão, a célebre Maria Aragão (1910-1991), que passou no vestibular em 1935, mas só concluiu o curso em 1942! Então, no romance são quatro vidas que se cruzam, porém cada uma optou por exercer a medicina e fazer política de modos distintos!


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   (José Murad) 


A drª. Dália diz: “Todo o meu fazer médico, tudo o que fiz até hoje aqui, é política! Sempre fiz política. Votava em quem achava menos pior! Desde que aqui cheguei não houve um candidato a governador, a senador, a deputado e a prefeito que não fez uma visitinha à drª. Dália!”. Nunca declarou seu voto. Na eleição de Sarney a governador, 1965, anulou o voto!




Dália de Lourdes, a neta, médica gineco-obstetra, sobre a avó, a drª. Dália: “Era 1998. A drª. Dália, com 78 anos, formada em 1945, chegou a Santana do Riachão em 1948, aos 28 anos. Foi a primeira médica da cidade e da região, pau para toda obra, competência chegou ali e fez morada: atendia crianças, adultos, fazia parto, cesariana e cirurgias ginecológicas, principalmente as que ela chamava de ‘perereca suja’ (DIP, Doença Inflamatória Pélvica). Gineco-obstetra de formação. Meu avô, o dr. Celso, cirurgião geral e parteiro (aprendeu com minha avó!), chegou após a vovó. E partiu bem antes dela, morreu há muito tempo. (...).
“Foi médica de um posto de saúde até se aposentar, sem nunca ter faltado um dia. E dizia: ‘Sou médica da prefeitura 20 horas semanais, que cumpro religiosamente’. Do hospital recebia pelas consultas, internações, partos e cirurgias de ‘pererecas sujas’ que fazia; e um pró-labore como diretora, 5% mensais do lucro”.


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1998: “O Samaritano é hospital privado de médio porte que também se sustenta de convênios médicos. Dos seus 80 leitos, metade conveniada com o Sistema Único de Saúde (SUS). Tendo 40 pacientes internados pelo SUS, encerrou. Não há mais vagas.
“Em tese, como ela diz, porque o Samaritano não deixa ninguém morrer em sua porta por falta de dinheiro! A ordem é colocar pra dentro. Partos são emergências e são sempre atendidos. Receber pelo serviço prestado é uma encrenca, a depender do prefeito de plantão. Acabam pagando, como diz vovó: ‘Prefeito aqui é quem me deve favor; eu não devo nada a prefeito; e nem tenho obrigação de sustentá-lo!
“Perguntei à vovó se o hospital poderia deixar de atender SUS. Disse-me que sim, mas ela tem compromisso com o povo da cidade que lhe deu tudo o que tem na vida. Então, é não! Que o Samaritano sempre vai atender SUS porque ela não vai deixar seu povo ao deus-dará!”.

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terça-feira, 9 de agosto de 2016

A luta pela paz e o espírito internacionalista das Olimpíadas

  
(Rafaela Silva - Brasil, medalha de Ouro, Judô, 2016)

Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


O povo brasileiro tem “espírito olímpico”, basta ler sobre o orgulho que a abertura despertou em todos nós. O governo do interino ignora que o sentido internacionalista dos Jogos Olímpicos é a luta pela paz, pois desencadeou repressão generalizada sobre quem ouse bradar a insatisfação política com a conjuntura brasileira.
A postura do governo exibe ao mundo que era apenas um jogo de cena o simbolismo do garoto negro da Vila Olímpica da Mangueira, Jorge Gomes, de 14 anos, acender a “pira do povo” diante da igreja da Candelária, que há 23 anos foi o cenário de uma chacina que eliminou oito e feriu dezenas de jovens, a maioria negra!


Resultado de imagem para Jorge Gomes e a pira olímpica    Sediar uma edição das Olimpíada é muita responsabilidade perante o mundo, que inclui manter acesa a chama do espírito olímpico, pois a tocha é o mais antigo símbolo dos jogos – acesa meses antes de cada edição em frente ao Templo de Hera, por “11 mulheres caracterizadas como sacerdotisas” – é o elo entre os jogos da Grécia Antiga e os atuais, e simboliza a paz, a união e a amizade.


(Ruínas do Templo de Hera)
   (Créditos: Roberto Castro/ ME Ensaio da cerimônia de acendimento da tocha olímpica, em Olímpia: atualmente, uma atriz grega representa a sacerdotisa do templo de Hera, responsável por acender o fogo)


Não há consenso sobre a data de origem dos Jogos Olímpicos, em Olímpia, na Grécia. Todavia, 776 a.C. é o mais aceito pela “prova” de inscrições sobre uma corrida a pé da qual o campeão olímpico foi o cozinheiro da cidade de Elis, Coroebus. Não se sabe exatamente quando as Olimpíadas antigas foram encerradas, apenas que foi por repressão política – para uns, foi em 393 a.C., para outros, 426 d.C. Os Jogos Olímpicos da Antiguidade “eram realizados a cada quatro anos, e esse período, conhecido como uma ‘olimpíada’”!


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[Barão Pierre de Coubertin (1863-1937)]



O consenso é que os Jogos Olímpicos da Antiguidade foram realizados do século VIII a.C. ao século V d.C. Embora um renascimento das Olimpíadas fosse do interesse grego desde o início da guerra de independência da Grécia do Império Otomano (1821), só foram retomadas no século XIX, quando, em 1894, o barão Pierre de Coubertin (1863-1937), pedagogo e historiador francês, fundou o Comitê Olímpico Internacional (COI). Este se tornou o órgão dirigente do Movimento Olímpico, cujas atribuições estão na Carta Olímpica – “codificação dos princípios fundamentais do olimpismo; regras e regulamentos adotados pelo Comitê Olímpico Internacional”.
Hoje, Olimpíadas são “um evento multiesportivo global”, com Jogos Olímpicos de Verão (1896), de quatro em quatro anos, a grande festa mundial do esporte; Jogos de Inverno (1924); Jogos Paralímpicos (2010); e Jogos Olímpicos da Juventude (2010).
A celebração de uma edição das Olimpíadas é um ritual quase místico, desde a cerimônia de abertura à do encerramento em torno dos símbolos olímpicos, que são a tocha, os anéis olímpicos, o lema, as medalhas e os mascotes.


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Os anéis olímpicos – cinco aros de cores diferentes interligados – exprimem o universalismo e o humanismo, cada um representando um continente: azul, a Europa; amarelo, a Ásia; preto, a África; verde, a Oceania; e vermelho, as Américas. O fundo branco representa a paz entre os continentes. O lema, que data de 1984, é a expressão latina “Citius, altius, fortius”, definidora do espírito olímpico: “O mais rápido, o mais alto, o mais forte”. As medalhas, cunhadas pelo país-sede dos Jogos com a imagem da deusa Nike, são feitas com 494g de prata com 92,5% de pureza, e 6 g de ouro. Os mascotes, instituídos nas Olimpíadas de Munique (1972), representam características regionais.


  (Nike, deusa da glória)

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  Nosso mascote é uma mistura de vários animais de nossa fauna e se chama Vinicius, em memória do poeta Vinicius de Moraes (1913-1980), que nos disse: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.


 
  PUBLICADO EM 09.08.16
0 (Duke)
FONTE: OTEMPO