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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Coisas de eleição: o livrinho de discursos do senador maranhense

 (DUKE)
SE TIVESSE IDADE, NÃO VOTARIA NELE, PORQUE JÁ ESTAVA ABUSADA
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


Ao fazer uma limpa em meus guardados, de vez em quando, dou de cara com meu diploma de datilógrafa, obtido em 1968, quando estava no último ano do ginásio. Foi um sacrifício! Saía da escola por volta das 17h30 e ia direto para o curso de datilografia, das 18h às 19h, durante três meses. E aquilo era simplesmente infernal, pois sempre tive muita dificuldade de executar trabalhos manuais.




  (A técnica de datilografia consiste em manter os pulsos erguidos, e não apoiados sobre a mesa. Além disso, os cotovelos devem ficar ao lado do corpo e as mãos sobre o teclado).



Não era fácil "tirar" o diploma de datilografia. Não bastava fazer o curso e não ter mais que três faltas mensais. Havia uma prova final de destreza/velocidade: um ditado de mil toques num determinado tempo. Muitas pessoas terminavam o curso e levavam muito tempo para conquistar o diploma; e outras jamais conseguiam!





Para se empregar como datilógrafa, não bastava o diploma: tinha-se de passar no teste da habilidade; daí os "tantos toques por minuto" para comprovar o saber datilográfico. Achava que jamais "tiraria" o diploma, porque usar a máquina de escrever sem poder olhar para o teclado - coberto por uma banqueta de madeira com lugar para os dedos - é castigo doloroso. Treinei durante uma semana, horas e horas a fio, numa máquina emprestada antes da prova. Ufa! Consegui o diploma na primeira tentativa.


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 Jamais precisei ser datilógrafa para sobreviver. E esqueci tudo! Uso apenas dois dedos, seja para datilografar ou "micrar". E assim escrevi meus livros, mas morro de inveja de a filharada manejar o teclado do computador como se tivesse feito curso de datilografia, que perdeu a razão de existir, assim como a profissão. Hoje, as máquinas de escrever são peças de museus - a minha, uma Remington que já passou dos 30 há muito tempo; eu a guardo com carinho, enfeitando um armário.




 O assunto de hoje surgiu porque reencontrei em BH uma colega que fez curso de datilografia comigo, em São Luís do Maranhão, nos idos de 1968! E nos perdêramos até a semana passada! Coisas de eleição. Ela estava vendo o programa eleitoral na TV, quando apareci por uns "segundinhos de nada" e ela achou que era eu. Ficou em dúvida. No dia seguinte, procurou na internet e me disse que, ao ter certeza de que era eu, ficou muito feliz, e viu tanto o vídeo que, quando nos encontramos, repetiu o que falei.


O assunto de hoje surgiu
porque reencontrei em BH
uma colega que fez
curso de datilografia comigo, nos idos de
1968! E nos perdêramos
até a semana passada!






"Lembra, Fátima, que a professora de datilografia, que era fã do senador La Rocque, só fazia ditados de um livrinho de discursos do senador? Num dia, você falou que, se tivesse idade pra votar, não votaria nele, porque estava abusada daquele falatório falso?". Sim, relembrei. Discuti com a professora e disse-lhe que, enquanto gente morresse sem atendimento médico no Maranhão só porque não tinha dinheiro para pagar, eu não votaria naquela gente por nada. Eu e Gracimar rimos tanto que choramos.
"Você pensa que gente deve ser cuidada como gente desde que era adolescente". Ela é cidadã 100% "SUS-dependente"; é diabética e hipertensa; vai muito às urgências; é uma sobrevivente do que declarei na TV: hoje em dia, como médica, sou obrigada a colocar pessoas, dias e dias, numa maca dura e fria em corredor de hospital, o que é o cotidiano nos serviços de urgências em Belo Horizonte. Tão somente porque vivemos numa cidade cujo déficit de leitos de retaguarda para desafogar tais serviços é de cerca de mil leitos e, na Grande BH, chega a 1.200! Não adianta chiar: tal calamidade pública é de responsabilidade da Prefeitura de Belo Horizonte, que detém a gestão plena do SUS.
Sim, Gracimar sabe o que é uma maca dura e fria no corredor de um hospital! Como eu, ela acha que é muito cruel.



Publicado no Jornal OTEMPO em 25.09.2012

Você também poderá gostar de ler:
"A decisão de participar da campanha na capital, segundo a ministra, foi tomada depois de ela ter visto o depoimento da médica e feminista Fátima Oliveira, no programa eleitoral do petista, elogiando a atenção dada à saúde durante a gestão de Patrus na Prefeitura (1993-1996). Menicucci ligou para o candidato oferecendo o apoio".  

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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

"O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas"

 
 (Maria Cecília Magalhães Gomes)

O FEMINISMO BRASILEIRO FICOU MENOR COM A PARTIDA DELAS
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_


Na semana passada, perdi duas amigas: Vanete Almeida, 69, no dia 9, em Recife, e Maria Cecília Magalhães Gomes, 66, no dia 10, em Belo Horizonte. O feminismo brasileiro ficou menor com a partida delas. Eram duas faces do feminismo: o rural e o urbano.
Fiquei num mutismo sem fim, pois nem bem introjetara que não mais veria Vanete sorrir, chega a notícia de que eu não me deliciaria mais com os "poréns" de Cecília. Inconformada com duas perdas, no decorrer da semana, fui acolhida por Guimarães Rosa: "O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas". Foi um alívio, pois rememorar a minha vida com Vanete e Cecília passou a ser um doce privilégio. Agora, elas vivem em minha memória.



 Vanete Almeida, pernambucana, educadora popular e dona de um hectare de terra no sertão, conheci no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), entre 1999 e 2003. Virei fã ao ouvir sua apresentação às novas conselheiras. Tínhamos uma identidade ideológica grande, e eu adorava ouvi-la contar de suas labutas e apreciava suas gargalhadas cristalinas enormes...
Sobre ela, eu poderia escrever páginas e páginas, mas fiquemos com uma declaração que dei ao "Viomundo": "Conheci Vanete quando fizemos parte do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Aprendi a admirá-la e a amá-la pelas convicções pelas quais pautou a sua vida, sobretudo a sua dedicação incondicional ao trabalho com a mulher camponesa e a sua compreensão da sua negritude. Ela gostava de dizer que, fora da esquerda, a luta dos oprimidos não encontraria o caminho da vitória, mas que, às vezes, insistir era muito cansativo, principalmente quando a esquerda escorregava... E ríamos muito porque pensávamos da mesma maneira...".


Rememorar a minha
vida com Vanete
e Cecília passou
a ser um doce
privilégio. Agora,
elas vivem
em minha memória.



Maria Cecília Magalhães Gomes, mineira, historiadora, inscreveu seu nome na história do movimento estudantil, no apoio ao jornal "Movimento", junto com seu irmão Marcos Gomes, na luta contra a ditadura e pela anistia e na fundação do Movimento Popular da Mulher (Belo Horizonte-MG, 1983) e, desde então, esteve muito presente na luta pelos direitos da mulher em Minas Gerais. A Cecília devemos muito, sobretudo pela delicada preocupação com o bem-estar das mulheres em momentos de dificuldades e de desamparo.





É inesquecível o dia em que ela, há muitos anos, ao telefone, disse-me, em linhas gerais, o seguinte: "Fátima, andei fazendo umas pesquisas que acho que são cruciais para as mulheres. Não posso contar por telefone, vamos nos encontrar".





Preocupada com a segurança das mulheres nas clínicas clandestinas de aborto, ela decidiu conferir in loco cada uma cujo endereço conseguiu, acho que umas oito. Marcava, pagava a consulta e, antes de ser consultada, pedia para conhecer a clínica e, assim, conferia as condições de higiene e esterilização... Depois, dizia que queria pensar mais... E, assim, coletou informações preciosas que ajudaram inúmeras mulheres, pois quase a metade das clínicas não foi considerada segura, aliás, eram muito perigosas. Era o visionarismo ceciliano em ação, anos antes do estabelecimento do conceito de redução de danos.
Era assim a Cecília: meticulosa, dedicada e com um senso refinado de pesquisadora. A característica mais forte de sua personalidade era a dedicação às causas que abraçava. Recordo com carinho a animação em que ficava quando lia uma crônica minha sobre cavalos. Disse-me várias vezes que um dia iria cavalgar comigo... Não deu tempo. Ficam comigo os versos de sua irmã Clarinha: "Machões da vida,/ mexam-se,/ levantem-se,/ a gueixa pifou...".


Publicado no Jornal OTEMPO em 18.09.2012

   + Sobre Vanete Almeida:
Em memória de Vanete Almeida (1943-2012)
Vanete Almeida, a guerreira do semiárido se encantou - Conceição Lemes

 As minhas crônicas que Cecília comentou:
Taj Mahal, meu mangalarga marchador e suas benesses (22.07.2008)
As endorfinas das cavalgadas são tudo de bom e muito mais (28.04.2009)
Uma nova paixão: o piquira, um cavalinho marchador (15.06.2010)
As práticas zooterapêuticas são fonte de saúde e felicidade (05.04.2011)