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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O lugar é o mundo: sertaneidade na visão montessoriana

12   (DUKE) 
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_




  Márcio Jerry Saraiva Barroso, colinense, jornalista, presidente do PCdoB do Maranhão e secretário estadual de Assuntos Políticos e Comunicação do governo do comunista Flávio Dino, em entrevista a ClodoaldoCorrêa e Leandro Miranda, foi magistral ao abordar o bairrismo/provincianismo incrustado na cultura ludovicense, espraiado em todas as classes sociais, que é uma postura de que tudo o que não é ludovicense é de segunda categoria, até as pessoas!
É tão forte que basta você abrir a boca para a pessoa indagar: “És de qual interior?”. Há um linguajar ludovicense ou da ilha de São Luís que é considerado o único português letrado do Maranhão. E tal visão é uma praga na política maranhense.




Vide a expressão “fulano é do interior”, marca eterna, mesmo se morarmos a vida inteira em São Luís! Semana passada, entrei num estúdio/galeria na Praia Grande e fiquei a admirar as várias pinturas, expressivamente belas, em diferentes tamanhos, do beco Catarina Mina, quando um dos pintores deixou sua tela e aproximou-se de onde eu estava. Elogiei as pinturas e indaguei se sabia onde ainda encontraria uma tela de Ambrósio Amorim (1922-2003).


 (Ambrósio Amorim. Beco da Barraquinhas. Óleo sobre Tela)


“A senhora é de onde? Turista?”.
Respondi: “Sou do sertão, seu moço! Médio sertão do Maranhão. De Graça Aranha. Conheci Ambrósio Amorim porque morávamos no mesmo pensionato na praça da Alegria, no começo da década de 70”.
“Os pensionatos ali não eram só de moças?”.
Retruquei: “Era amigo da dona. Tinha um quarto lá. Era o único homem! Quero comprar um quadro dele. Ele tem um filho, mas perdi o contato...”
“Então a senhora não é daqui, é do interior...”. Emendei: “E com uma fala que não é de lugar nenhum!”. E rimos.
Entendo a fixação de em São Luís se entender onde a pessoa nasceu como uma “marca de gado”, desde tempos ancestrais, numa cidade que já foi francesa (1612-1615), holandesa (1641-1644) e portuguesa também! Algo pertinente à territorialidade. Sim, uma demarcação de território!




Disse Márcio Jerry: “Vejo preconceitos espalhados em alguns órgãos de comunicação, do grupo Sarney, espelhando uma visão extremamente elitista da política. No começo do ano, li no jornal que era um absurdo eu vir trabalhar no Palácio dos Leões porque aqui não era para qualquer um. Por si só, isso já diz o grau de atraso, medievalismo, dessa afirmação. Depois, no fim do ano, para coroar essas aleivosias conservadoras, outra afirmação questionando o que justificava as minhas pretensões, afinal eu era ‘apenas uma pessoa simples do sertão maranhense’”.


(Professora Maria das Graças Graça Saraiva Barroso)
(Dona Graça, presente! Por Flávio Dino)
(Maria das Graças Saraiva Barroso e o marido João Francisco Barroso)

Márcio Jerry arrematou: “Governo popular precisa sempre buscar caminhos de empoderamento do povo”. Eu, cria do Colégio Colinense, uma das mais conceituadas escolas do Maranhão de todos os tempos, fui colega de escola de Graça Saraiva, a mãe dele, e compreendo perfeitamente o que ele diz e de onde fala.

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(Colégio Colinense/CINEC, Colinas-MA)
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No fundamental, somos crias de um sonho “macediano”, e nosso lugar é o mundo. Recebemos uma educação para o bem comum e para a liberdade numa escola incrustada nos confins do sertão maranhense pelo visionário padre Macedo (José Manuel de Macedo Costa, nascido em Colinas, em 1930).


  Há algum tempo, sempre que leio sobre Maria Montessori (1870-1952), tenho a sensação da sertaneidade do que se conhece como método montessoriano. E sinto-me cada vez mais próxima dela, porque o sonho “macediano” é, na essência, montessoriano, e como disse Gabriel García Márquez: “Não creio que haja método melhor que o montessoriano para sensibilizar as crianças nas belezas do mundo e para lhes despertar a curiosidade para os segredos da vida”. E é assim que estamos no mundo.
Padre Macedo (José Manuel de Macedo Costa) casou com Maria da  Paz Porto em 1968. Tem dois filhos: Alessandra, médica e José Manoel, advogado. 

 PUBLICADO EM 26.01.16
FONTE: O TEMPO

Você gostará de ler:
Maria Montessori: médica italiana fascinada pela educação, Por Fátima Oliveira (OTEMPO, 06.11.2012)
A mística, os mitos e a liberdade que educam em Summerhill, Por Fátima Oliveira (OTEMPO, 03.12.2013)

 Flavio Dino “Pelas pessoas que vi sem dentes, sem ter o que comer...” Por Fátima Oliveira (Tá Lubrinando - escritos da Chapada do Arapari, 06.10.2014)

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Microcefalia: a República cala e permite a imolação das grávidas

01  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Como esperado, já que as interdições ao aborto nunca impediram a sua realização, parece que só mulheres pobres estão tendo bebês com microcefalia. Quem pode pagar R$ 5.000 pratica desobediência civil e aborta entre o pecado e o crime. O Brasil possui uma das leis sobre aborto mais restritivas do mundo, com três permissivos legais: gravidez pós-estupro, em caso de risco de vida da gestante (1940) e anencefalia (2004).
Em “Repressão policial, ideológica e política contra o aborto no Brasil”, registrei: “O aborto – expressão radical de resistência – é uma experiência milenar de milhões de mulheres, que expõe dilemas morais e visibiliza que não é ético obrigar a mulher a levar adiante uma gravidez quando ela não quer ou não pode” (O TEMPO, 14.9.2004).




Numa epidemia que não sabemos quanto vai durar, empurrar milhares de mulheres para o aborto clandestino e inseguro é inominável! É o que a República está fazendo: reforçando o caráter de classe na criminalização do aborto, pois só penaliza as pobres, em geral negras, que sem dinheiro recorrem aos piores lugares, colocando em risco a saúde e até a vida.




Está em vigor uma tabela nacional para aborto/microcefalia: aplicação de cloreto de potássio em clínica privada: R$ 2.000 + R$ 3.000 pelo aborto em si. Há uma segunda opção: pagar a aplicação do cloreto de potássio em serviço privado e realizar o aborto no SUS. E há o Cytotec, ainda nas mãos do narcotráfico no Brasil.
Lugar de ministro da Saúde torcedor é em casa, presidenta Dilma, sobretudo quando não sabe o que é idade fértil ou reprodutiva, coisa bastante diferente de “período fértil”, que dura em média seis dias e corresponde ao período da ovulação! Melhor ser gado pé-duro no Piauí, que é patrimônio histórico e cultural desde 2009!


 (Gado pé-duro)


Em 1940, a República Federativa do Brasil não se olvidou e incluiu a permissão de aborto em caso de gravidez resultante de estupro, inspirada em uma tendência ética internacional do pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1919), quando o estupro adquiriu dimensão pública de arma de guerra: os invasores e/ou vencedores selavam a vitória estuprando as mulheres dos vencidos. Por que, no cenário da epidemia de microcefalia, não toma para si a responsabilidade de inclusão de mais um permissivo legal? São cenários similares!


12   (DUKE) OPINIAO15-12-15-  (DUKE)



“O Brasil deve assumir integralmente as crianças com microcefalia e suas mães” (“O que faremos com nossas crianças com microcefalia?”, O TEMPO, 1º.12.2015). “Quedo-me à impotência diante dos números. Os casos suspeitos só aumentam. Nem sequer temos a dimensão, nem como estimá-la, do que nos espera” (“Desafios ambientais, médicos e psicossociais emicrocefalia”, O TEMPO, 15.12.2015). É dever do Estado: cuidar com dignidade das crianças com microcefalia; apoiar gestantes e mães resilientes diante da microcefalia e aquelas que não desejam levar a gravidez adiante.
Defendo o direito ao aborto voluntário segundo a decisão da mulher e considero imoral o Estado impor à mulher ter um filho quando ela não quer.

 PUBLICADO EM 19.01.16
 FONTE: OTEMPO

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Os bônus e os ônus da sociedade da cultura da informação

01 (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Após ler a entrevista do sociólogo polaco Zygmunt Bauman concedida a Ricardo de Querol, “As redes sociais são uma armadilha” (“El País”, 8.1.2016), decidi reler “Tecnopólio: A Rendição da Cultura à Tecnologia”, de Neil Postman (Nobel, 1994), que li em 1995 e revisito muito, por considerá-lo ainda atual, embora seja, a rigor, uma análise escrita quando a internet engatinhava.


  (Zygmunt Bauman)


Resultado de imagem para arpanet  A precursora da internet, a Arpanet, foi criada em 1969 e pertencia ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos; só interligava laboratórios de pesquisa no país. A liberação comercial ocorreu em 1987. Em 1992, o Laboratório Europeu de Física de Partículas inventou a World Wide Web, que possibilitou o uso por qualquer pessoa. A internet foi liberada no Brasil em 1995.


 Neil Postman (1931-2003), norte-americano, professor e pesquisador de mídia e educação, dirigiu o Departamento de Comunicação da Universidade de Nova York e escreveu inúmeros artigos e vários livros com enfoques na evolução da tecnologia e suas ressonâncias na sociedade.


 “Tecnopólio: A Rendição da Cultura à Tecnologia” nos alerta para um olhar aprofundado sobre o imperativo ou determinismo tecnológico versus a construção social da tecnologia (determinismo social).
Conforme a resenha da obra feita por Marcela Lino daSilva, Stephanie Sá Leitão Grimaldi e André Felipe de Albuquerque Fell, “o tecnopólio passa a ser, então, um estado de cultura, envolto em seus próprios dogmas e misticismos, impondo o rumo e o ritmo de vida às sociedades”.




Zygmunt Bauman, 90, sociólogo polaco, foi professor da Universidade de Varsóvia, da qual foi expulso em 1968, quando imigrou para a Grã-Bretanha, onde tornou-se professor titular da Universidade de Leeds, em 1971. Recebeu os prêmios Amalfi (1989, por sua obra “Modernidade e Holocausto”) e Adorno (1998, pelo conjunto de sua obra). É professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia.



Zygmunt Bauman, cético sobre o “ativismo de sofá”, é tido como pessimista e declara que a ideia de progresso é um mito. É criador do conceito de modernidade líquida – “uma etapa na qual tudo que era sólido se liquidificou, e em que nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso”.
Ricardo de Querol destaca que “ele é a voz dos menos favorecidos. O sociólogo denuncia a desigualdade e a queda da classe média. E avisa aos indignados que seu experimento pode ter vida curta”. E que “suas denúncias sobre a crescente desigualdade, sua análise do descrédito da política e sua visão nada idealista do que trouxe a revolução digital o transformaram também em um farol para o movimento global dos indignados, apesar de que não hesita em pontuar suas debilidades”.


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Questionado se, “em vez de um instrumento revolucionário, como alguns pensam, as redes sociais são o novo ópio do povo”, eis fragmentos de sua resposta: “A diferença entre a comunidade e a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. É possível adicionar e deletar amigos, e controlar as pessoas com quem você se relaciona. (...) As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas, ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha”.


 PUBLICADO EM 12.01.16
clipart ativismo de sofa FONTE: OTEMPO