(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica
- fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Como esperado, já que as interdições ao aborto nunca
impediram a sua realização, parece que só mulheres pobres estão tendo bebês com
microcefalia. Quem pode pagar R$ 5.000 pratica desobediência civil e aborta
entre o pecado e o crime. O Brasil possui uma das leis sobre aborto mais
restritivas do mundo, com três permissivos legais: gravidez pós-estupro, em
caso de risco de vida da gestante (1940) e anencefalia (2004).
Em “Repressão policial, ideológica e política contra o aborto no Brasil”, registrei: “O aborto – expressão radical de resistência – é
uma experiência milenar de milhões de mulheres, que expõe dilemas morais e
visibiliza que não é ético obrigar a mulher a levar adiante uma gravidez quando
ela não quer ou não pode” (O TEMPO, 14.9.2004).
Numa epidemia que não sabemos quanto vai durar,
empurrar milhares de mulheres para o aborto clandestino e inseguro é
inominável! É o que a República está fazendo: reforçando o caráter de classe na
criminalização do aborto, pois só penaliza as pobres, em geral negras, que sem
dinheiro recorrem aos piores lugares, colocando em risco a saúde e até a vida.
Está em vigor uma tabela nacional para
aborto/microcefalia: aplicação de cloreto de potássio em clínica privada: R$
2.000 + R$ 3.000 pelo aborto em si. Há uma segunda opção: pagar a aplicação do
cloreto de potássio em serviço privado e realizar o aborto no SUS. E há o
Cytotec, ainda nas mãos do narcotráfico no Brasil.
Eis o cenário no qual se movem as mulheres que, apósdiagnóstico de feto com microcefalia, decidem interromper a gravidez. Há novos
problemas clamando solução, e temos de aturar um ministro da Saúde sem
repertório científico e humanitário a divagar sobre uma hipotética vacina: “Nãovamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Mas para pessoas em ‘períodofértil’. E vamos torcer para que mulheres antes de entrar no período fértilpeguem zika para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”. (Ai, meus sais!).
Lugar de ministro da Saúde torcedor é em casa,
presidenta Dilma, sobretudo quando não sabe o que é idade fértil ou
reprodutiva, coisa bastante diferente de “período fértil”, que dura em média
seis dias e corresponde ao período da ovulação! Melhor ser gado pé-duro no
Piauí, que é patrimônio histórico e cultural desde 2009!
(Gado pé-duro)
Em 1940, a República Federativa do Brasil não se
olvidou e incluiu a permissão de aborto em caso de gravidez resultante de
estupro, inspirada em uma tendência ética internacional do pós-Primeira Guerra
Mundial (1914-1919), quando o estupro adquiriu dimensão pública de arma de
guerra: os invasores e/ou vencedores selavam a vitória estuprando as mulheres
dos vencidos. Por que, no cenário da epidemia de microcefalia, não toma para si
a responsabilidade de inclusão de mais um permissivo legal? São cenários similares!
(DUKE) (DUKE)
“O Brasil deve assumir integralmente as crianças com
microcefalia e suas mães” (“O que faremos com nossas crianças com microcefalia?”, O TEMPO, 1º.12.2015). “Quedo-me à impotência diante dos
números. Os casos suspeitos só aumentam. Nem sequer temos a dimensão, nem como
estimá-la, do que nos espera” (“Desafios ambientais, médicos e psicossociais emicrocefalia”, O TEMPO, 15.12.2015). É dever do Estado: cuidar com dignidade
das crianças com microcefalia; apoiar gestantes e mães resilientes diante da microcefalia
e aquelas que não desejam levar a gravidez adiante.
Defendo o direito ao aborto voluntário segundo a
decisão da mulher e considero imoral o Estado impor à mulher ter um filho
quando ela não quer.
PUBLICADO
EM 19.01.16
FONTE:
OTEMPO
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