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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A filosofia da arte e o valor terapêutico de cuidar do bonsai


















PODE AJUDAR A EXERCITAR A PACIÊNCIA NESTE MUNDO DE PRESSA
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Achava os bonsais belos e intrigantes, todavia, não sentia atração para cuidar de um, pois os via como uma escravização da natureza, pois a arte do bonsai é um aprisionamento do potencial de um "vir a ser", já que, conceitualmente, é uma miniaturização artificial de uma árvore, um arbusto ou uma trepadeira lenhosa, conservando "a beleza e o volume da planta em seu porte original, inclusive com floração e frutos". Em linhas gerais, um bonsai deve ter entre 30 e 60 cm de altura. Uma nova classificação de bonsais é a que se segue: mini, até 15 cm; pequenos, 15 a 30 cm; médios, 30 a 60 cm; e grandes, maiores que 60 cm.





Nunca aspirei a ser uma bonsaísta, porém, o meu jeito para lidar com plantas levava muita gente a indagar por que eu não cultivava bonsais. Dizer que eles não me seduziam era um posicionamento, digamos, filosófico, difícil de explicar. Desde que me entendo por gente, tenho plantas. Quando criança, fiz um jardim de latas, plantava até em latas de sardinha, no saguão da casa da vovó, onde havia um pé de uva num caramanchão; um pé de magnólia, de cujas flores o cheiro invadia a casa ao anoitecer; e, ao lado da cozinha, havia uma frondosa laranjeira. Dizem que, quando eu nasci, ela já estava ali.

img (Magnólia ou Trombeteira)Trombeteira, trombeta de anjo.Imagens de Stock Royalty Free: Flor de trombeta. Imagem: 14958399



Não vivo sem um jardinzinho todo meu. É um conforto mental regar minhas plantas. Relaxo, renovo... Ora, como não ter uma planta para cuidar? Eu não consigo. Tê-las é uma terapia, um relax... Na época do modismo das samambaias, cheguei a ter muito mais de 50 xaxins num caramanchão diante da minha casa, de fachada mediterrânea, na Quinta de Ouro, em Imperatriz (MA), sombreados pela trepadeira "lágrima-de-cristo", plantada por mim. Era um oásis estender a rede debaixo delas e ficar lendo, lendo... até dormir. Pena que aproveitei pouco, pois era uma época em que eu trabalhava demais...


(Trepadeira Lágrima-de-cristo)

Não gosto de comprar plantas "prontas", o meu prazer é fazer mudas e vê-las crescer, florescer... Não entendo alguém não ter um vasinho em casa! Casa sem plantas é a imagem do deserto. Acho que, de tanto furdunço de plantas em casa, fiquei atônita quando fui pela primeira vez às casas de minhas filhas: nenhum verdinho! Ah, reclamei, pois achei um absurdo! "Ah, mãe, aqui é tão minúsculo e a senhora ainda quer entupir de plantas? Ô mania de roça!".



  Jardim de latas da Helô 

Não é propriamente mania de roça. Por outro lado, é mania sertaneja... E elas, as minhas filhas, não são sertanejas... Não sabem o quanto as sertanejas correm léguas atrás de qualquer latinha para plantar, ter um pé de "fulô"... "Mamãe, meus brinquedo/Meu pé de fulô?/Meu Deus, meu Deus/Meu pé de roseira/Coitado, ele seca/E minha boneca/Também lá ficou..." ("Patativa do Assaré", na voz de Luiz Gonzaga).
Elas não sabem o quanto é doce relembrar as singelas e pueris alegrias de quando eram crianças e eu chegava em casa, quase sempre na hora do "Jornal Nacional", tomava banho, vestia um short, pegava a mangueira: "Vamos molhar as plantinhas da mamãe?". Era, literalmente, uma festa... Todo mundo queria segurar a mangueira ou o regador um pouquinho. Como as meninas não introjetaram tal prazer?




(Serissa)

Mas, voltando aos bonsais, evoluí. Mudei de opinião. Recentemente, resolvi ter um bonsai para cuidar. Um não, dois: adquiri um asiático, serissa, e um nordestino: bougainvillea ou primavera. Estou convencida de que cuidar de um bonsai envolve ciência e arte e pode ajudar a exercitar a paciência. E, num mundo de pressa como o de hoje, a paciência é uma necessidade para o bem-estar e para a expectativa de vida florescer.


Publicado no Jornal OTEMPO em 18.12.2012

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Alguém já disse a você "Obrigado pelo privilégio do seu amor"?



COMO JOGAR NO LIXO UMA DECLARAÇÃO DE AMOR TÃO BELA?
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Quando se tem uma casa há 37 anos e mora-se na mesma casa há um quarto de século, mesmo não sendo uma pessoa acumuladora de tralhas, há muita velharia guardada, desde coisas sem utilidade, cujo destino deveria ter sido o lixo. Em geral, todo mundo guarda umas coisinhas que nunca joga fora... Umas, úteis, outras, nem tanto.
Muitas inutilidades não são descartadas por não se saber como, a exemplo de lixo eletrônico. Há empresas que dizem que buscam lixo eletrônico em sua casa, mas nunca tive a sorte de encontrar uma. Também nunca tive a cara de pau de mentir para doar lixo para instituições de caridade alegando que funciona! Só computadores velhos imprestáveis, tenho quatro. Como me livrar deles com segurança? "Mãããe, vai enterrar esses computadores velhos com você é?". É o que ouço sempre que as filhas vêm passear em minha casa. Quem sabe a ideia de enterrá-los comigo pode ser a opção, né?
O que mais guardei são recortes de jornais e também de revistas. São matérias que achei interessante, seja para subsidiar pesquisas ou apenas porque achei belas. Há coisas que, de certeza, jamais relerei; muitas delas nem sequer sei que possuo. De modo que há um mundo a desbravar em meus guardados. De vez em quando, hoje em dia com uma raridade cada vez maior, brota uma coragem e faço uma limpa, mas sempre sobra muitas coisas, das quais não tenho coragem de me livrar...




Na semana passada, numa dessas "limpas" de coisas inúteis, numa madrugada insone, reencontrei o anúncio abaixo, recortado de uma página fúnebre do "Jornal do Brasil", que, pela beleza da declaração de amor que expressa, reli com emoção e... guardei novamente:


 
"Rosaly Bloch/ Nunca como hoje, os seis anos que passamos juntos pareceram tão poucos. Obrigado pelo privilégio do seu amor./ Salomon Strozenberg".



    

Infelizmente, não recortei com data nem a anotei, logo, não sei o ano em que foi publicado. Tenho a vaga ideia de que foi na década de 90. Intuo apenas que, por ter sido publicado no "Jornal do Brasil", provavelmente as pessoas citadas residiam no Rio de Janeiro.

 


Como jogar no lixo uma declaração de amor tão bela? Só a ideia de alguém ter sido amada ao ponto de o amado sobrevivente, mesmo em meio à dor dilacerante da perda, conseguir expressar, num anúncio fúnebre, a imensidão e a beleza de um amor de convivência tão breve (seis anos) que emociona profundamente quem o lê justifica em si mantê-lo em meus guardados.

Desconheço a mulher que não gostaria de ser cultuada como Rosaly Bloch após a morte. Uma amiga, a quem mostrei o anúncio há muitos anos, em meio a risos e lágrimas, disse-me: "Ai, meu Deus, eu até faria vistas grossas, nem ficaria tão zangada com as ranzizices do Ruizinho se soubesse que, quando eu morresse, ele publicaria uma declaração de amor assim... Mas ele não tem o dom da sensibilidade de um Salomon Strozenberg, então, eu vou me livrar dele é hoje, e não só quando eu morrer. Imagina esperar que um tosco como o Ruizinho declare amor assim na hora de minha morte... Não vale esperar...".

  Acho que ela está esperando, porque continua firme e forte com o Ruizinho, que carrega na carteira um escrito, em formato de testamento, com os dizeres que ele quer que sejam publicados no jornal quando ela morrer... Demais de engraçado, não é?
Indaguei por que ela impôs que ele carregasse aquilo no bolso, se não bastava prometer? Ela: "Vai que ele tem um derrame e vire um vegetal, e eu vou perder o meu anúncio? Não vou arriscar! Não depois de tudo e de tanto tempo, não é Fátima?".


Gif de mulher Publicado no Jornal OTEMPO em 11.12.2012

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Mulher e poesia na obra de Niemeyer




Niemeyer é um homem que ama demais, a um ponto de exalar ternura e sensualidade em concreto!
Fátima Oliveira

Autor de marcos e cartões postais na arquitetura mundial, o carioca Oscar Niemeyer fez cem anos em 15 de dezembro. Com lucidez perigosa e refinada pelo gostar de filosofia, disse: "A gente quer se informar melhor sobre tudo, aprender outras coisas. O importante é a pessoa ser curiosa. Não é o interesse de um intelectual, é o interesse de um sujeito normal que sente a vida, que é solidário e que acha que o mundo pode ser melhor".
O que dizer de quem, aos cem anos, idealiza e vibra com uma nova revista, a "Nosso Caminho"? "É uma revista assim, aberta para o conhecimento... A idéia que dá é o nosso caminho para frente. Nessa revista, a arquitetura tem uma terça parte, o resto são artigos variados, filosofia, história, letras."






Niemeyer é um homem que ama demais, a um ponto de exalar ternura e sensualidade em concreto! Além do rasgado e profundo amor ao povo, é um inveterado adorador de mulheres e, marotamente, quando indagado por que se casou aos 99 anos, declara: "É sempre importante estar ao lado da mulher que se ama".
Na entrevista a Paulo Henrique Amorim (PHA), na biblioteca do arquiteto, está dito que, "diante da cadeira dele, há uma fotografia de um amigo francês e três mulheres nuas, numa praia no sul da França. Duas de barriga para cima e uma de barriga para baixo. Quando PHA lhe perguntou sobre a foto, Niemeyer falou: ’É uma beleza’".
Niemeyer arquiteta apologia às femininas curvas do seu tripé de inspiração: mulher, biologia e natureza, e verbaliza poesia: "Como é mágico ver surgir na folha branca de papel um palácio, um museu, uma bela figura de mulher! Como as desejo e gosto de desenhá-las! Como as sinto nas curvas de minha arquitetura". Há cintilante erotismo brechtiniano na obra de Niemeyer: "Diz que ousar na queda lhe é permitido/ Desde que entre o céu e a terra flutue" ("Da sedução dos anjos", in "Da Sedução - Poemas Eróticos de Bertolt Brecht").

 





Para o arquiteto italiano Renzo Piano, a arquitetura de Niemeyer "canta, tem voz e as cidades necessitam de edifícios que cantem". O arquiteto Ítalo Campofiorito disse: "Ele faz obras tão grandes que acabam se tornando a marca, a cara, a personalidade de uma cidade". Na entrevista a PHA, Niemeyer ousou dizer: "Se você concordar que nós fazemos arquitetura para o poder, a arquitetura não chega aos barracos. Então, a arquitetura que deve crescer em função da técnica e da sociedade, está faltando essa parte. Ela evoluiu, a arquitetura hoje é mais rica, imensamente mais rica, como solução técnica do que antigamente. Mas continua voltada para os que têm direitos à arquitetura, às classes mais favorecidas. O pobre está na favela olhando os palácios".


(Aan Hess)





Desejei, com ardor, uma "casa Niemeyer", com a qual ainda sonho. Quando fui morar em São Luís do Maranhão, certa vez, no ônibus, nas imediações do Canto da Fabril, a mulher do meu tio, simples donade- casa de pouco estudo, disse-me: "Presta atenção! Vamos passar na frente da casa feita por Oscar Niemeyer, aquele que fez Brasília". Era 1968. A "casa Niemeyer", referência do belo e do inusitado, tem os fundos, ao contrário das demais, para a avenida Getúlio Vargas! Eu a amo, só de ouvir dizer como é. Jamais entrei nela. Em São Luís, também de sua lavra, há uma ode à liberdade, o Memorial Maria Aragão.


(1959)

JK e Niemeyer (JK e Niemeyer)


AE



Morando em Belo Horizonte desde 1988, apreciar o conjunto arquitetônico da lagoa da Pampulha virou mania necessária para renovar energias e inspiração. Uma vez por mês, pelo menos, reservo um fim de tarde para uma "volta completa na lagoa", com direito a paradinhas e descidas na Casa do Baile e na igreja de São Francisco, onde bebo também Portinari... Minha prole, incluindo o neto e a neta, amam! E depois? Páro no Redondo para uma cervejinha de frente pra lagoa, que ninguém é de ferro!

A médica Fátima Oliveira escreve neste espaço às terças-feiras.



Publicado no Jornal OTEMPO em 18.12.2007 
Casa das Canoas, por Oscar Niemeyer




















A casa situada no meio da mata da Tijuca, no Rio de Janeiro, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer em 1951 para sua própria moradia, é hoje um patrimônio tombado pelo IPHAN, junto com outras 34 obras de sua autoria. O projeto da casa foi  e ainda é um marco na história da arquitetura brasileira, assim como na de Niemeyer, como monumento modernista, notoriamente reconhecida por especialistas e críticos de arte, hoje serve como patrimônio histórico e está aberta para visitantes.














Respeitando os limites do terreno, explorando suas curvas, a vista para a mata nativa a casa se mantém equilibrada e suas visuais alcançando o mar na linha do horizonte, fornecem uma sensação de liberdade, dada de fora da casa, quanto internamente, onde o arquiteto buscou trabalhar com a laje avançando sobre a casa, de forma que não tivesse a necessidade do uso de cortinas nas janelas que circundam a residência, mantendo sempre conforto térmico e excesso de luz, como se a casa fizesse parte da vegetação que a rodeia, como por exemplo, a pedra que invade a área interna da casa, que parece determinar os contornos da piscina, contrastando e ao mesmo tempo, tornando-a leve e volumetricamente adequada ao projeto.

 
Site Casa das Canoas: www.casadascanoas.com.br