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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Sobre o enfrentamento do banditismo das práticas racistas


NÃO É DE ESTRANHAR QUE O RACISMO SAIA LEVANDO A MELHOR!
Fátima Oliveira
Médica –  fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_



A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, em entrevista no último Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, 25 de julho, declarou que "pais e mães devem cobrar nas escolas a adoção dos conteúdos afirmativos", lembrança mais do que necessária.





Só em Belo Horizonte, conforme o SOS Racismo, 70% dos casos de denúncias que recebeu, em 12 anos de existência, ocorreram em escolas, públicas e privadas; 30% em local de trabalho; de um total de 112 queixas, "muitos casos que nem chegam a ser apurados por falta de denúncias das vítimas e também pela dificuldade que têm de provar que foram alvo de preconceito"; e o índice de punição gira em torno de 20%. Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), até junho de 2012, foram registrados, em delegacias, 129 casos de preconceito de raça ou cor.


 A ministra Luiza Bairros alertou sobre "as dificuldades que ainda persistem para a punição daqueles que cometem o crime de racismo. A tendência de alguns juízes ainda é tratar o assunto como se fosse apenas um xingamento, uma perda de controle momentânea, sem levar em conta os efeitos muito danosos que ser vítima do racismo produz em qualquer pessoa. Mas ela acredita que nas cortes superiores já existe uma compreensão maior. O exemplo mais auspicioso é o da decisão do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade das ações afirmativas para negros, o que representou um momento muito importante em termos da segurança jurídica".




 (Maria Pereira Campos)


A fala da ministra ilustra com propriedade um caso de racismo recente, perpetrado por Maria Pereira Campos, 54, em uma escola particular de Contagem (MG), cuja vítima é uma menina negra de quatro anos - filha de Fátima Adriana de Souza e Aílton César de Souza, a quem cumprimento pela consciência racial e coragem - que repercute intensamente na mídia mineira, pois na conclusão do inquérito policial consta indiciamento por injúria racial qualificada, em que cabe fiança - ao contrário do racismo, que é crime inafiançável.



  (Delegado Juarez Gomes, Contagem-MG)


Embora o delegado tenha optado pela tipificação de injúria racial qualificada, adendou que "pode ser também que algum promotor, por exemplo, entenda que houve crime de racismo".



   (Fátima Adriana de Souza, Aílton César de Souza e a filha de 4 anos vítima de racismo: casal deve entrar com representação por racismo)



"C’est la vie...", enquanto análises e julgamentos de práticas racistas ficarem à mercê das subjetividades dos agentes públicos, sejam policiais ou judiciais, continuaremos sob a batuta do pelourinho imoral do racismo, uma fé bandida que parece inabalável. Num país onde o racismo é naturalizado e banalizado, como no Brasil, tal realidade tem ressonâncias significativas junto às autoridades responsáveis pela apuração e julgamento das queixas. Não é de estranhar que, diante dos mesmíssimos fatos, o delegado tenha uma interpretação e o Ministério Público ou a Justiça adotem outras! E assim o racismo sai, em geral, levando a melhor! Entender eu entendo, mas não concordo.






Eis uma situação preocupante a exigir da Seppir resolutividade do descalabro vigente, sobretudo no campo da elevação da consciência dos funcionários que lidarão com casos similares. A Seppir não pode mais postergar em "pegar o touro à unha", pois conhece casos exemplares da baixa habilitação e consciência do funcionalismo responsável por tal assunto.
Urge que elabore e implemente ações de sensibilização, como políticas de governo, voltadas exclusivamente a promover práticas antirracistas visando o apoio dos responsáveis por inquéritos policiais e julgamentos de queixas racistas.



 DUKE 
Publicado no Jornal OTEMPO em 31.07.2012

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A BH possível, a dos nossos sonhos: amiga das mulheres

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AS QUESTÕES CRUCIAIS DA CIDADE, O QUE EMPERRA A CIDADANIA
Fátima Oliveira
Médica – 
fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


O eixo dos debates de uma eleição municipal é a cidade que temos, a que queremos e a que sonhamos. Ou seja, temos de colocar na mesa sonhos mais focados nas questões cruciais da cidade, aquilo que emperra a cidadania. Nem mais, nem menos.





Portanto, o meu repúdio ao fundamentalismo religioso, expresso nas palavras do secretário geral da CNBB: "Aborto também deve ser tema de eleição municipal", uma tentativa espúria de desvirtuar o sentido das eleições municipais, servindo na bandeja o que não pertence a nenhuma religião: os corpos e as vidas das mulheres. Querer impor tal pauta tem nome: é desprezo por gente concreta, "nascida", aviltamento da cidadania. "Xô, tirem seus rosários dos nossos ovários!".




 (Mulher e crianças, Portinari)


É hora de revisitar a cidade que temos, indagar por que "ela é assim e não assada", pois cidade não é apenas um território, mas o conjunto de bens públicos disponíveis - equipamentos educacionais, como berçários, creches e escolas de diferentes níveis; serviços de saúde, de transporte e de mobilidade de modo geral; de segurança; e de lazer. Isto é, um conjunto de bens materiais e imateriais que traduzem direitos de cidadania.
O que temos é suficiente para todos? É de boa qualidade? Neles gente recebe tratamento que não degrada a dignidade humana? Atende às necessidades imediatas e não desconsidera as necessidades estratégicas de gênero? É uma cidade inclusiva ou excludente para as mulheres, enquanto usuárias e elaboradoras de projetos urbanos? Tais questões podem parecer supérfluas, já que historicamente as cidades não são pensadas para as mulheres, como se todas estivessem encerradas nos gineceus das casas dos ricos da Grécia antiga e andassem de palanquim.



 (A partida de Coriolano, óleo sobre tela, R. Postiglione, século XIX)


“É preciso priorizar
a abundância pública,
não a riqueza privada



Arquivo: Henry Alken, depois de Henry Chamberlain - A rede.jpg  (Palanquim, Henry Alken)
 [The palanquim (1843) Desenho de Pitt Springett. Litografia de T. Picken]


São aspectos de uma velha questão, a exclusão das mulheres das cidades, e conformam o debate contemporâneo sobre uma nova filosofia para as cidades, de planificação e planejamento territorial, em que o recorte e a dimensão de gênero sejam indispensáveis para garantir o direito das mulheres à cidade a partir do horizonte que "pensar e remodelar a cidade através do olhar das mulheres aporta um novo equilíbrio e uma outra dimensão". Isso consta na "Carta europeia das mulheres na cidade - Rumo ao direito à cidade para as mulheres", um conjunto de proposições sobre a cidade, a cidadania e o gênero, "uma nova malha de leituras da cidade", que explicita que o cotidiano de mulheres e o de homens possuem necessidades diferentes às quais cabe ao poder público municipal responder.


 Para o urbanista norte-americano Mike Davis, autor de "Planeta Favela", "é preciso priorizar a abundância pública, não a riqueza privada. Para ele, a abundância pública é representada por grandes parques urbanos, museus gratuitos, bibliotecas e inúmeras possibilidades de interação humana", logo, "a prioridade é construir complexos culturais, educacionais e esportivos que funcionem como centros cívicos para bairros e distritos suburbanos, mesmo que para isso seja preciso suspender os investimentos no centro da cidade, e as maravilhas do centro devem se tornar mais acessíveis para todos, por meio de passagens mais baratas e entradas gratuitas".



 Na hora de escolher o novo prefeito de Belo Horizonte, é importante lembrar que a cidade precisa de um cuidador com olhos voltados para a cidadania - mais para quem precisa mais! - e comprometido com a abundância pública vincada por uma dimensão de gênero capaz de fazer de BH uma cidade amiga das mulheres.

   (Duke)
Publicado no Jornal OTEMPO em 24.07.2012

  Sobre Eleições municipais 2012, da autoria de Fátima Oliveira:
Beagá merece Patrus mais uma vez: o que é bom vale repetir
 Sobre Patrus Ananias e eleições municipais em BH, da autoria de Fátima Oliveira e publicado em O TEMPO:
Eqüidade para as duas Beagás: mais para quem precisa mais - Fátima Oliveira (16.09.2008)

www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=6584,OTE
O segundo turno na capital: "Nem mé, nem cabaça" - Fátima Oliveira (14.10.2008)
www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=6813,OTE
Memória, compromisso e via-crúcis: do "Resgate" ao Samu - Fátima Oliveira (02.03.2010)
www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11016,OTE

terça-feira, 17 de julho de 2012

Como eu vejo a Flip de longe, porém fascinada...

  UMA FESTA QUE ARRASTA MUITA GENTE, QUE PAGA PARA ESTAR LÁ


Fátima Oliveira
Médica –  fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

 
A décima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), encerrada no dia 8 último, foi sucesso, mais uma vez, compartilhado por 25 mil pessoas! Durante uma década não consegui "fazer um tempo" para presenciá-la ao vivo e a cores. Acompanho-a pelos jornais, pela TV e pelos e-mails que recebo da Flip, desde a sua primeira edição.


 
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(Ilustração David Alfonso Suárez)
 

Como a escritora Inês Pedrosa, autora dos romances "Fazes-me Falta" e "Os Íntimos", avalio que "os festivais literários, como se sabe, viraram moda. Muitas vezes me pergunto se alguém tem ainda tempo para ler livros, no meio de tanta peregrinação entre debates e conferências. A literatura é o antiacontecimento por excelência, a arte que sussurra a eternidade dos sentimentos e ações humanas, sob as aparências. Os festivais são o oposto disso: luz, palco, evento, atualidade. Editores, livreiros, políticos e promotores alegam que os festivais ampliam o número de leitores. Sendo otimista por desespero ou impaciência (depende dos dias), quero acreditar que sim".


  (Inês Pedrosa)


A autora arremata que "festivais literários são um paradoxo porque convertem em espetáculo uma arte que transcende as aparências. O que sobra deles? Na melhor das hipóteses, a felicidade" (in "A Festa do Antiacontecimento", Bravonline, agosto de 2011). Concordo. Não tenho apenas simpatia pela Flip, considero-a um ponto de revitalização da literatura, de divulgação do fazer literário e de sensibilização para a leitura.



    (Luciano Martins Costa)


Segundo Luciano Martins Costa, "a Flip costuma atrair muitas dezenas de profissionais de imprensa todos os anos, além de escritores e, claro, leitores de livros. Não se trata de um congresso de literatura, mas de uma celebração da leitura literária. Também é uma oportunidade para as editoras entrarem em contato direto com amostras significativas do mercado de livros e, para os escritores, que conseguem furar a barreira do ineditismo e do anonimato, trata-se de gozar as dores e delícias da celebrização...


“(...) uma celebração da leitura.
Também é uma oportunidade para
 os escritores, que conseguem furar
a barreira do ineditismo e do anonimato



Se há uma palavra que define a Flip, essa palavra é "diversidade". Como num grande bazar, pode-se (sic.) ouvir ali os gritos que anunciam todos os tipos de mercadorias literárias, que em tese representam o melhor da produção mais recente desses criadores que supostamente adivinham o mundo" (in "Festa Literária Internacional de Paraty - Um Sentimento de Inferioridade Cultural", Observatório da Imprensa, 11.7.2011).



   (Liz Calder)
   Admiro a inglesa Liz Calder, que idealizou, em 2003, a Flip - sem dúvida o mais importante acontecimento/encontro literário brasileiro, inspirador de dezenas de outros de diferentes portes pelo país afora, impulsionando a retomada das feiras de livros. Liz Calder descreve a Flip do seguinte modo: "Nosso modelo é o festival de Hay-on-Wye, no País de Gales, mas decidimos evitar o que considero o principal problema dos encontros literários na comunidade britânica: três ou quatro palestras simultâneas. Em Paraty, isso não acontece e ninguém corre o risco de perder alguma boa conversa".

  
 (Liz Calder)


Liz Calder diz mais: "A Flip tornou-se uma instituição... Não esperávamos que, em tão pouco tempo, virasse uma referência também no exterior". Ela tem razão. No entanto, há gente que vocifera que a Flip não tem importância, além de ser um ponto de badalação. Fico abismadamente pensativa quando ouço alguém falar que a Flip não é tão valiosa quanto parece ou deveria ser. A Flip se autodenominou festa literária, algo em si de muita beleza. E fico feliz só de pensar que a literatura dá uma festa que arrasta muita gente, que paga para estar lá.


FONTE: OTEMPO 17.07.2012


(Antônio Fernando Rocha e Marinalva Bezerra de Menezes Santos, cordelistas paraibanos, na Flip 2012


 [Festival de Hay-on-Wye, que Bill Clinton chamou de: "O Woodstock da mente ". Você pode visitar o site aqui  (Jonathan Player para The New York Times)]