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terça-feira, 24 de novembro de 2015

O conferencismo e o marchismo como formas de lutas políticas

O conferencismo sequestra a democracia e insulta a inteligência
O conferencismo sequestra a democracia e insulta a inteligência

 (DUKE)

Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Aconteceu em Brasília, em 18 de novembro, a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver 2015, com cerca de 50 mil participantes, evento tecido durante três anos. É a primeira marcha das negras brasileiras.


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Ocorrerá em Brasília, de 1º a 4 de dezembro próximo, a 15ª Conferência Nacional de Saúde, sob o tema “Saúde pública de qualidade para cuidar bem das pessoas”, que tem como eixo o “direito do povo brasileiro”; “contará com 4.322 participantes, sendo 3.248 delegadas(os), 976 convidadas(os) e 98 por credenciamento livre”.


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FONTE: Geledés


Usarei os dois eventos para algumas especulações sobre as conferências de saúde e a validade hoje em dia das “marchas políticas” como instrumentos de reivindicação e pressão, que farei em outro artigo; mas adianto que a grande vitória da marcha não foi ela em si, mas as mobilizações que a prepararam, deixando um saldo organizativo expressivo em cada lugar onde foi sonhada.




Tenho pensado sobre a efetividade política do controle social exercido pelos conselhos e pelas conferências de saúde, além do dever de resistência que a conjuntura impõe às delegações na 15ª Conferência Nacional de Saúde, diante dos ataques que o SUS vem sofrendo cotidianamente.
O Brasil conta com 26 Estados e o Distrito Federal, cada um com conselho de saúde, e possui 5.570 municípios, que, teoricamente, são obrigados por lei a ter um Conselho Municipal de Saúde – dá para imaginar a quantidade de pessoas fazendo controle social na saúde? Tivéssemos um controle social como deveria, o SUS teria avançado muito mais!




“O Conselho de Saúde é um órgão colegiado de caráter permanente e deliberativo (com poder de decisão), com representantes de toda a sociedade e de composição paritária (parágrafo 2º, da Lei 8.142/1990)”. É nele que se dá a participação popular na fiscalização e na condução das políticas de saúde, garantidas a partir da Lei 8.142, de 28.12.1990, que instituiu os conselhos e as conferências de saúde como instâncias de controle social do SUS em âmbitos federal, estadual e municipal”.
“Composição paritária significa que o número de representantes do segmento usuário é igual à soma dos demais representantes dos outros segmentos: profissionais e trabalhadores de saúde; e gestores e prestadores de serviços de saúde, o que garante o efetivo controle social sobre a execução da política e dos planos de saúde”. Isto é, 50% representam usuários; 25%, os profissionais e os trabalhadores de saúde; e os outros 25%, gestores e prestadores de serviços”.




Em “O conferencismo sequestra a democracia e insulta ainteligência”, registrei o meu desânimo: “Longe de mim ser contra espaços de discussões e proposições para garantir direitos! Que fique explícito: não sou contra conferências, mas contra o uso do formato conferência para ‘conferencismos’ que “não nos tiram do amassar ‘ad aeternum’ o mesmo barro”, pois são eventos que ‘não decidem nada e não mandam nada! Só listam recomendações a que, via de regra, nenhuma autoridade dá a menor pelota – e os conselhos das áreas também ‘não apitam nada’. Desconheço exceções nas três esferas de governo. Talvez existam, mas desconheço” (O TEMPO, 18.10.2011).
Para que conselhos, conselheiros e conferências de saúde cumpram o papel para o qual foram criados, ainda temos um longo caminho a percorrer e um inimigo a derrotar: a “prefeiturização” da maioria esmagadora dos conselhos municipais de saúde.
02 (DUKE) 
   (Angela Davis, ativista negra norte-americana)
PUBLICADO EM 24.11.15
FONTE: OTEMPO 

Gustavo Andrade/O Tempo /   Você poderá gostar de ler, de Fátima Oliveira:
ENTREVISTA: “Se você tinha um cavalo, você valia um cavalo quando adoecia” (Publicada em 19.12.2011, Gazeta do Povo)
Negras da Irmandade da Boa Morte, Por Fátima Oliveira, O Tempo, BH, MG, 20 de agosto de 2003
O capital estrangeiro na saúde é venenoso como a laura rosa, Por Fátima Oliveira, O Tempo, BH, MG, 20.10.15
Sem o SUS, o Brasil retrocederá ao tempo dos indigentes, Por Fátima Oliveira, O TEMPO, BH, MG, 20.10.2015

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Os crimes socioambientais e a pedagogia da catástrofe


Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

 Não há mais lugar para peixes e passarinhos no rio Doce!

Desde a década de 70 está em gestação o esboço de um pacto em torno da defesa do planeta Terra, tido como um patrimônio comum da humanidade. Ao menos, esse é o discurso consensual corrente, embora não haja uma compreensão coesa do que seja realmente a “defesa da natureza”. 
Todavia, a marca pública dos debates ecológicos é a denúncia da degradação que o ser humano impôs à água, ao ar e à terra. O sentimento mais presente nos discursos ecológicos é o medo. Não sem razão.

  (Bopal)


Os exemplos são terríveis: as catástrofes das indústrias químicas, como em Seveso, o gás mortífero da fábrica Icmesa, na Itália, em 1976; o gás tóxico de Bhopal, na Índia, em 1984; a poluição do rio Reno pelo incêndio da fábrica da Sandoz na Basileia, na Suíça, em 1986; a doença de Minamata, no Japão, por intoxicação de mercúrio da fábrica Chisso, que lançava dejetos desde 1930 na baía de Minamata – o primeiro caso humano diagnosticado ocorreu em 1956, mas morreram cerca de 2.000 pessoas, e as sequeladas são incontáveis!
Não ficam atrás os casos das indústrias petrolíferas: marés pretas da Bretanha, do Alasca, do Rio de Janeiro (2000), na Espanha (2002), no golfo do México (2010) etc. O incêndio por vazamento de gasolina na Vila Socó, em Cubatão, em São Paulo (1984), que oficialmente resultou em 93 mortes, mas há estimativas de que foram mais de 500.


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As catástrofes das fábricas e os artefatos nucleares são de grande vulto: a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, no Japão; Three Miles Island, em 1979, nos Estados Unidos; Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, ex-URSS; o césio de Goiânia, em 1987; e Fukushima, em 2011, no Japão. Como se isso não bastasse, há o justo temor de catástrofes biológicas, via armas biológicas “bioengenheiradas”.


(Rio Doce em Galileia, Minas Gerais)


Mas eis que em 5 de novembro passado, por volta das 16h, o povoado de Bento Rodrigues, em Mariana, foi soterrado pela não inócua lama tóxica – rejeitos de mineração – após o rompimento das barragens do Fundão e Santarém, da mineradora Samarco, de propriedade da anglo-australiana BHP Billiton e da Vale, ex-Vale do Rio Doce...
O povoado de Barreto, em Barra Longa, também foi soterrado, sem mortes humanas, mas perdeu escolas, pontes, estradas e casas. Bento Rodrigues contava mais de 200 anos, mas agora acabou! Sete mortes foram confirmadas, 12 pessoas estão desaparecidas e os impactos socioambientais são incomensuráveis.


Barragem de Mariana
(Bento Rodrigues, Mariana-MG)
Vídeo Veja como era Bento Rodrigues antes  de 5 de novembro de 2015
 (Antes e depois em Barreto, povoado de Barra Longa (MG)
  (Barra Longa-MG)


Rompimento de barragens de mineradoras em Minas Gerais não é novidade: em Nova Lima, cinco operários morreram (2001); Cataguases (2003); Rio Pomba (2007); e Itabirito (2014), na qual três operários morreram e cinco ficaram feridos. Porém, os governos de Minas e os brasileiros foram incapazes de beber na “pedagogia da catástrofe” – constatação do ecologista suíço René Longet, que diz que Seveso “mudou a visão da opinião pública a respeito da indústria química, passando a considerá-la potencialmente perigosa”.


  (René Longet)


  A pedagogia dos crimes das mineradoras aqui não sensibiliza governos nem parlamentares, de todas as esferas. O caso Mariana é um dos maiores crimes socioambientais do mundo, o maior do Brasil; além de ter ceifado vidas humanas e a de outros animais, “cimentou” o rio Doce, com impactos ambientais que a sanidade mental não alcança. Não há mais lugar para peixes e passarinhos no rio Doce!


 | RICARDO MORAES/REUTERS
    Como disse o jornalista Alceu Luís Castilho, em “De Paris ao rio Doce: do horror político ao horror econômico” (14.11.2015): “Os atentados em Paris e o crime ambiental em Mariana não são hierarquizáveis; o problema consiste em minimizar uma das tragédias por determinadas conveniências”.


0 PUBLICADO EM 17.11,15
FONTE: OTEMPO