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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Brasil sem esgoto eliminará o trimosquito Aedes aegypti?

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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


                      O Brasil vive uma tragédia sem precedentes na história da humanidade: a epidemia de zika vírus – com repercussões de grande monta nos direitos reprodutivos das mulheres, que é a geração de bebês com a Síndrome do Zika Congênita (conjunto de agravos incuráveis que têm a microcefalia como fenótipo mais visível, com 5.280 casos notificados, dos quais 508 confirmados de microcefalia e/ou outras alterações do sistema nervoso central, e 837 descartados, segundo dados acumulados até o dia 17 deste mês).


Thomaz_Gollop   (Thomaz Rafael Gollop cunhou a expressão Síndrome do Zika Congênita )
                       
                         Até agora, a síndrome tem sido apontada como decorrente da infecção de gestantes pelo zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, que também causa dengue e chikungunya. A prevenção é única: erradicar o mosquito! No popular, “aí é que a porca torce o rabo”.
                      Eliminar o poderoso trimosquito não é da alçada apenas da consciência ecológica da população. Depende, sobretudo, de vivermos em lugares onde haja saneamento básico, direito constitucional que a Lei 11.445/2007 define como “o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais”.




                      Dados do Instituto Trata Brasil dizem que 35 milhões de brasileiros não têm água tratada, e, pela estimativa do IBGE em 19.2.2016, éramos 205.514.977 habitantes num país eminentemente urbano. Em 2010, apenas 15,65% da população vivia em área rural. Dados do IBGE de 2012: a população residente rural era 15% da população total: 195,24 milhões!


             Resultado de imagem para saneamento básico no brasil   O Ministério das Cidades divulgou, em 16.2.2016, que “quase metade da população do Brasil não tem acesso à rede de esgoto” – cerca de 100 milhões de pessoas descartam seus dejetos nas ruas, a céu aberto, criando focos de Aedes aegypti sobre os quais a população não tem culpa nem poder de controle!
                      A “crença científica” do início das epidemias contemporâneas, de que o mosquito da dengue só gostava de água limpa, caducou! A descoberta de que “o inseto se reproduz em água com altos níveis de poluição, como o esgoto bruto” é de uma pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, coordenada pelo biólogo Eduardo Beserra, que conclui: “Tinha-se a crença de que os mosquitos só se reproduziam em água limpa, mas já foram encontradas larvas em águas de esgoto. Eu já encontrei” (“Cuidado, o Aedes aegypti também consegue se reproduzir em água suja”, “Época”, 3.2.2016).



             0         Lanço mão, outra vez, da pedagogia da repetição: “Hoje, no Brasil, a acumulação de lixo é praticamente igual a foco de proliferação do Aedes aegypti. Eis a foto da realidade do país que quer imputar às mulheres o maior tributo da epidemia de microcefalia: a injustiça reprodutiva!” (“O lixo do Carnaval diz muito até sobre injustiça reprodutiva”, O TEMPO, 9.2.2016).


   (Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil)


                      Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, diz que “uma criança morre a cada três minutos por não ter acesso a água potável, por falta de redes de esgoto e de higiene... Hoje, não temos coleta de esgoto nem para metade da população brasileira”.


  É o caos! As estratégias “campanhistas” em curso têm importância educativa, embora limitada. Falo da Mobilização Nacional contra o Aedes, capitaneada pelo governo federal, e da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, com o tema Casa Comum: Nossa Responsabilidade.


  Desde que me entendo por gente, ouço uma verdade da boca do povo: “Prefeito não faz esgoto porque esgoto não dá voto. É coisa que ninguém vê! Fica debaixo da terra”. Acho que o povo tem razão.


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  PUBLICADO EM 23.02.16
  FONTE: OTEMPO             

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Zica, microcefalia e o aborto no Ano Santo da Misericórdia

0  (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Ainda bem que dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, não foi sagrado papa! Em entrevista à BBC em 4 de fevereiro passado, ele declarou que “os bispos ainda não se reuniram para discutir o tema”, mas que gestantes de fetos com microcefalia “devem encará-los como uma missão”.


 Dom Odilo está de conluio com o Estado brasileiro, já que acha que as mulheres devem ser imoladas no altar da epidemia de microcefalia para que fiquem “ad aeternum” responsáveis, sozinhas – pois um salário mínimo mensal (Benefício de Prestação Continuada – BPC) nem abana as necessidades de cuidados especiais de uma criança com microcefalia! Após a instituição do BPC pelo governo federal para família de criança com microcefalia, quase 100% dos governos estaduais lavaram as mãos.


Governador Flávio Dino na ação nacional de combate ao mosquito Aedes aegypti (13.02.2016). Foto: Divulgação/Secom
  A exceção é Flávio Dino, governador do Maranhão, que, de modo pioneiro, em novembro de 2015, criou a rede de assistência a bebês commicrocefalia, já realidade nos dois maiores hospitais estaduais: Hospital Materno Infantil de Imperatriz e Hospital Infantil Dr. Juvêncio Mattos, em São Luís, com integração do Hospital Materno Infantil, Hospital da Criança Odorico Amaral de Matos, Centro Estadual de Reabilitação do Olho d’Água e Apaes.
Há intenções e gestos alvissareiros no Maranhão! Dia 13 passado, Flávio Dino anunciou a criação de um Centro Especializado emMicrocefalia, com foco na atenção a pacientes e suas mães, sediado no Hospital Benedito Leite, em São Luís.
           Voltando a dom Odilo, ele está de conluio mesmo, já que afirmou: “Não se pode culpar o Estado pelo fato de haver o mosquito... O mosquito apareceu e se prolifera. Mesmo que o governo faça talvez sua parte, o mosquito vai continuar existindo... A culpa não pode ser atribuída ao Estado simplesmente. Muito menos ainda isso pode ser argumento em favor de um suposto direito que está sendo lesado”. Ninguém merece! Será que ele está atribuindo a culpa a Deus?


   Dos males, o menor. O papa é Francisco, que até agora não abriu a boca para pronunciar as palavra “zika” e “microcefalia” nem sobre o fato inconteste de que, via de regra, desde dezembro de 2015, no Brasil, só as mulheres pobres estão levando adiante uma gravidez com esse diagnóstico. Não exatamente como a opção defendida por dom Odilo, inspirado nos versos do maranhense Coelho Neto: “Ser mãe é desdobrar fibra por fibra/ o coração!/... Ser mãe é padecer num paraíso”, mas porque não acessaram os meios de abortar nas condições da clandestinidade.
Na epidemia de microcefalia, as mulheres nem sequer lembram que a Igreja Católica Apostólica Romana considera o aborto um pecado! E, para quem lembrar, podemos dizer que quem abortar na vigência do Ano Santo da Misericórdia (8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016) está perdoada. Quem disse? O papa Francisco! Na tradição católica, num ano santo, “se concedem indulgências aos fiéis que cumprem certas disposições eclesiais estabelecidas pelo Vaticano”.


Resultado de imagem para Igreja católica de Colinas-ma (Igreja de Nossa Senhora da Consolação, Colinas-MA)
Nossa Sra da Consolação Em “Os bilhetinhos aos pés da santa que protege asmulheres”, escrevi: “Recordo que a Igreja Católica Apostólica Romana tipifica o aborto como um pecado passível de excomunhão automática... A decisão papal vigorará durante o Ano Santo e confere a qualquer padre o poder de perdão! Ainda que seja fundamentalista, o padre, após uma confissão de aborto, terá de perdoar, e não chamar a polícia! Eis a ordem papal. Não sabemos é se dá pra confiar” (O TEMPO, 8.9.2015).
Está valendo é o que disse o papa! Agora, se dom Odilo e os bispos brasileiros acham que podem desobedecer ao papa, é outro assunto!



PUBLICADO EM 16.02.16
FONTE: OTEMPO


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Artigos de Fátima Oliveira sobre Microcefalia

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O lixo do Carnaval diz muito até sobre injustiça reprodutiva




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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Desde que tomei ciência da “sopa plástica doPacífico”, por volta de 2008, minha preocupação com o lixo, sobretudo o descarte de plásticos, adquiriu uma nova dimensão, pois o que acontece no Pacífico é aterrador do ponto de vista da dialética da natureza.





Mas o que é a “sopa plástica do Pacífico”? Descrita em 1997, pelo pesquisador Charles J. Moore, é “uma enorme camada flutuante de plástico, considerada a maior concentração de lixo do mundo no Oceano Pacífico – com cerca de 1.000 km de extensão contínua, vai da costa da Califórnia, atravessando o Havaí, e chega a meio caminho do Japão, atingindo uma profundidade de mais ou menos 10 metros” (Pedro Paulo Gianini, em “A maior concentração de lixo do mundo”).

   Em 2015, a revista “Science” publicou uma pesquisa que analisou dados de resíduos sólidos de 192 países em 2010, coordenada por Jenna Jambeck, professora de engenharia ambiental da Universidade da Geórgia. Ela mostra que, anualmente, os oceanos recebem 8 milhões de toneladas de lixo plástico, e o número cresce a cada ano: a estimativa para 2015 era de cerca de 9,1 milhões de toneladas de plástico.


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Recuso, ao máximo, levar material plástico em formato embalagem para casa. Propósito que não é fácil, já que vivemos a era dos plásticos! Todavia, audito o meu lixo cuidadosamente. E fico possessa quando vejo sacos plásticos voando nas ruas, fato comum onde moro.
A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) declarou que, “em média, cada brasileiro gera 378 kg de lixo por ano, e grande parte é de plásticos”. Frisando que a poluição por plásticos é problema nacional e global, a Abiplast destacou: “Esperamos que no futuro as novas gerações sejam mais conscientes e pratiquem o consumo sustentável e que desde já todos pratiquem os 5 Rs: Reduzir, reutilizar, reciclar, repensar e recusar”.




Dá comichão em quem tem alguma consciência ecológica a montanheira de lixo plástico produzida e descartada de qualquer jeito durante o Carnaval. Segundo o especialista em desenvolvimento sustentável Sabetai Calderoni, “o lixo produzido no Carnaval é uma amostra do verdadeiro Carnaval que existe em relação ao lixo”.


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Matéria no Portal Brasil (“Descarte correto de lixo noCarnaval ajuda a combater o Aedes aegypti”) informa que há estimativas que apontam que no Carnaval há 10% mais lixo que nos demais meses do ano, pelo menos no Rio de Janeiro, segundo a Comlurb. Diz mais: há um aumento de cerca de 40%, a cada ano, na quantidade de lixo recolhido após a folia; e que “a sujeira que o Carnaval deixa nas cidades é um dos maiores problemas do pós-feriado: latas de alumínio, garrafas de vidro, copos plásticos e panfletos de divulgação são facilmente encontrados nas ruas, entupindo bueiros e aumentando o risco de enchentes. Segundo o Instituto Akatu, o aumento do lixo gera impactos na coleta (que fica sobrecarregada), e no armazenamento nos aterros”.


        

         Hoje, no Brasil, a acumulação de lixo é praticamente igual a foco de proliferação do Aedes aegypti (transmissor da dengue, chikungunya e zika). É espantoso que a maioria dos governos estaduais e municipais não tenha se preocupado com peças publicitárias educativas sobre o descarte de lixo de modo sustentável no Carnaval, no bojo do mutirão nacional de combate ao mosquito! 
            Pior, a falta ou insuficiência de lixeiras nas ruas é a regra nas capitais. O que dizer das demais cidades? Eis a foto da realidade do país que quer imputar às mulheres o maior tributo da epidemia de microcefalia: a injustiça reprodutiva!


 
 PUBLICADO EM 09/02/16 - 03h00
  FONTE:OTEMPO


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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Carnaval é momento de “furor igualitário” e desabafo popular

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Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

 
Cresci ouvindo falar que São Luís era o terceiro melhor Carnaval do Brasil. A gente se apaixonava pelas marchinhas que pegavam fogo na Rádio Clube de Pernambuco, a mais ouvida nas brenhas dos sertões nordestinos.
Falo da longínqua era dos anos 60, antes da radiola. O povo fazia festa dançante sob os acordes de músicas tocadas no rádio. Basta dizer que o primeiro rádio de Graça Aranha foi um Philco de mesa, comprado pelo meu pai! Era 1961, 1962, por aí. Quem não viu não consegue imaginar a romaria que foi conhecer um rádio!


  (Carnaval no Sertão, de Rocha Maia, 2007)
  [(Exposição é inspirada em marchinhas de Carnaval (Foto: Nita Martins/Divulgação)]

Vi muito as quengas do Derivaldo pulando Carnaval na rua, e o rádio tocando, enquanto o sanfoneiro descansava. Era assim na Graça Aranha dos anos 60, que eternizei num romance, no qual o nome do dono do cabaré é real, assim como a descrição que vai abaixo, que no livro é “Grotões dos Bezerras”.


  (Fotos antigas de Fofões do Carnaval de São Luís - Fonte: averequete - Fofão, símbolo do Carnaval Maranhense)


“O Carnaval: consistia em escassos fofões devidamente mascarados e de homens mascarados vestidos de mulher zanzando nas ruas nos três dias de Carnaval... Na segunda-feira de Carnaval havia o memorável desfile das putas da cidade, que todo mundo esperava na maior ansiedade.


  Eram as mulheres do Cabaré da Bela... As putas tomavam conta das ruas, num espetáculo que dava gosto de ver, numa alegria contagiante, sem se importar que só no Carnaval elas podiam bailar nas ruas sem serem importunadas. Quando eu via aquelas mulheres, sem máscaras, com cada roupa linda de seda de cores fortes que brilhavam ao sol, o que eu mais desejava era ser uma puta daquelas, eu juro! Era o meu mais acalentado e indizível sonho...” (páginas 221 e 222 de “Reencontros na Travessia: A tradição das carpideiras”, Mazza Edições, 2008).


 A Casinha da Roça foi criada em 1946 por Emídio França  dono de oficina de montagem de carroceria de caminhão que queria se divertir no carnaval.


Até 1968, com quase 15 anos, jamais havia visto outro Carnaval quando vim cursar a 8ª série ginasial em São Luís. Cheguei no sábado de Carnaval. Eu e mamãe fomos, três dias seguidos, ver o corso na praça Deodoro, os cordões de dominós, a casinha da roça, os fofões, os blocos – sobretudo os de sujo... De lá para cá, o Carnaval de São Luís sofreu modificações e 1.001 segregações que garantiam os desejos da “Branca” (Roseana Sarney), que se dizia foliã e criou seu próprio circuito carnavalesco, deixando minguar o Carnaval de rua. Em 2016, está em curso o “Carnaval de Todos”, cujas atrações pré-carnavalescas estão sendo de babar.

os vigaristas 1975
Festa do lançamento do ‘Carnaval de Todos’ animou Centro Histórico de São Luís. Foto: Gilson Teixeira/Secom
Governador é cumprimentado por grupo de foliões em circuito montado no Centro Histórico de São Luís. Foto: Karlos Geromy/Secom  Governador Flávio Dino é cumprimentado por grupo de foliões em circuito montado no Centro Histórico de São Luís (Pré-Carnaval 2016). Foto: Karlos Geromy/Secom


Compartilho o que escrevi em “Até que enfim, papai deixou!” (O TEMPO, 23.2.2003): “Desde a sua mais remota origem, o Carnaval é momento de ‘furor igualitário’ e de desabafo popular. Há algo mais italiano? Para uns, o Carnaval vem da Grécia: culto a Ísis e dos festejos em homenagem a Dionísio. Para outros, surgiu nas festas dos inocentes e dos doidos, na Idade Média. Polêmicas à parte, havia Carnaval na Antiguidade clássica e indícios dele na Antiguidade pré-clássica: festas animadas, barulhentas, com máscaras e lascívia.


(óleo sobre tela)


Carnaval, festa popular por excelência, é uma palavra cuja etimologia está eivada de controvérsias, desde que o significado de “terça-feira” gorda – dia após o qual é proibido comer carne, mas, em latim, é carnelevamen ou “carne, vale!” e quer dizer “adeus, carne!”. Há quem diga que carnelevamen é popularização de carnis levamen, que significa “prazer da carne”, uma festa pagã, atrelada ao calendário da Igreja romana, que ocorre em fevereiro ou em março, nos três dias que antecedem a Quaresma – 40 dias entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa.
Vários papas foram inimigos do Carnaval, mas Paulo II, considerado o criador do baile de máscaras, no século XV, permitiu que as festas fossem realizadas na Via Lata, ao lado do seu palácio”.


  (Papa Paulo II, 1417-1471, 211º papa, de 1464-1471)
  PUBLICADO EM 02.02.16
 O Baile de Máscaras no teatro Hof em Bonn em 1754, Franz Jakob Rousseau [(Alemanha, 1757 – 1826) óleo sobre tela]
  FONTE: OTEMPO