Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
O
Brasil vive uma tragédia sem precedentes na história da humanidade: a epidemia
de zika vírus – com repercussões de grande monta nos direitos reprodutivos das
mulheres, que é a geração de bebês com a Síndrome do Zika Congênita (conjunto
de agravos incuráveis que têm a microcefalia como fenótipo mais visível, com
5.280 casos notificados, dos quais 508 confirmados de microcefalia e/ou outras
alterações do sistema nervoso central, e 837 descartados, segundo dados
acumulados até o dia 17 deste mês).
(Thomaz Rafael Gollop cunhou a expressão Síndrome do Zika Congênita )
Até agora, a síndrome tem sido apontada como
decorrente da infecção de gestantes pelo zika vírus, transmitido pelo mosquito
Aedes aegypti, que também causa dengue e chikungunya. A prevenção é única:
erradicar o mosquito! No popular, “aí é que a porca torce o rabo”.
Eliminar
o poderoso trimosquito não é da alçada apenas da consciência ecológica da
população. Depende, sobretudo, de vivermos em lugares onde haja saneamento
básico, direito constitucional que a Lei 11.445/2007 define como “o conjunto
dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de
água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de
resíduos sólidos e de águas pluviais”.
Dados
do Instituto Trata Brasil dizem que 35 milhões de brasileiros não têm água
tratada, e, pela estimativa do IBGE em 19.2.2016, éramos 205.514.977 habitantes
num país eminentemente urbano. Em 2010, apenas 15,65% da população vivia em
área rural. Dados do IBGE de 2012: a população residente rural era 15% da
população total: 195,24 milhões!
O
Ministério das Cidades divulgou, em 16.2.2016, que “quase metade da população
do Brasil não tem acesso à rede de esgoto” – cerca de 100 milhões de pessoas
descartam seus dejetos nas ruas, a céu aberto, criando focos de Aedes aegypti
sobre os quais a população não tem culpa nem poder de controle!
A
“crença científica” do início das epidemias contemporâneas, de que o mosquito
da dengue só gostava de água limpa, caducou! A descoberta de que “o inseto se
reproduz em água com altos níveis de poluição, como o esgoto bruto” é de uma
pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, coordenada pelo biólogo Eduardo
Beserra, que conclui: “Tinha-se a crença de que os mosquitos só se reproduziam
em água limpa, mas já foram encontradas larvas em águas de esgoto. Eu já encontrei”
(“Cuidado, o Aedes aegypti também consegue se reproduzir em água suja”,
“Época”, 3.2.2016).
Lanço
mão, outra vez, da pedagogia da repetição: “Hoje, no Brasil, a acumulação de
lixo é praticamente igual a foco de proliferação do Aedes aegypti. Eis a foto
da realidade do país que quer imputar às mulheres o maior tributo da epidemia
de microcefalia: a injustiça reprodutiva!” (“O lixo do Carnaval diz muito até sobre injustiça reprodutiva”, O TEMPO, 9.2.2016).
(Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil)
Édison
Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, diz que “uma criança morre a cada
três minutos por não ter acesso a água potável, por falta de redes de esgoto e
de higiene... Hoje, não temos coleta de esgoto nem para metade da população
brasileira”.
É
o caos! As estratégias “campanhistas” em curso têm importância educativa,
embora limitada. Falo da Mobilização Nacional contra o Aedes, capitaneada pelo
governo federal, e da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, com o tema Casa
Comum: Nossa Responsabilidade.
Desde
que me entendo por gente, ouço uma verdade da boca do povo: “Prefeito não faz
esgoto porque esgoto não dá voto. É coisa que ninguém vê! Fica debaixo da
terra”. Acho que o povo tem razão.
PUBLICADO EM 23.02.16
FONTE: OTEMPO
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