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terça-feira, 27 de março de 2012

Herança e testamentos digitais não são decisões bizarras

 DUKE
No Brasil, não há lei específica para casos desses acervos
Fátima Oliveira
Médica– fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

Relutei muito a decidir quem herdaria meus arquivos de computador e meu blog "Tá lubrinando - escritos da Chapada do Arapari". Achava uma bizarrice, porém, tremia só de pensar que há gente que morre e deixa de herança pendências trabalhosas. Uma aporrinhação sem fim. Então, é preciso pensar em meus guardados de computador e no que produzi que está na web.

 Há algum tempo, recebi de uma pessoa amiga um e-mail com as senhas do seu blog: "Toque o blog se eu morrer...". É um blog literário, com a maioria das postagens de sua autoria, mas há escritos de autores dos quais gosta, clássicos e contemporâneos.
Levei na galhofa. É uma pessoa nostálgica e introspectiva, e eu a conheço assim desde sempre. "Fez testamento? Registrou em cartório?". Fiquei sem resposta, pois a pessoa tem muito medo de morrer, se crê imorrível; e não aspira à eternidade, que pressupõe morrer, mas à imortalidade do corpo.





Semana passada, ouvi uma história que mais se parece com uma lenda da internet: uma mulher e um homem, amigos virtuais, que nunca se encontraram, jamais perguntaram sobre a vida real do outro, e a única coisa que sabiam eram as respectivas profissões: uma professora de literatura e um médico. E assim se passaram cinco anos. Há quilos de páginas de e-mails trocados quase diariamente. O nome dela era real, o dele, nem tanto, mas ela só descobriu depois.
Uma noite, ela abriu o jornal e estava lá que o "dr. Fulano de Tal dos Anzóis Pereira", que mantinha o blog "Coisa & Tal", com o pseudônimo de "Etc. e Tal", falecera no dia anterior e seria enterrado em sua cidade natal naquele dia. Já era noite, ele já estava enterrado. Chorou copiosamente. Depois, mais calma, acessou o "Coisa & Tal". Lamentou que uma produção literária cuidadosa e meticulosa, quase uma obra de arte, deixasse na orfandade mais de mil seguidores.


Ela continua em
pleno gozo de seus direitos de herdeira
 e recebeu uma oferta
milionária para a história
da herança virar um filme


  Lembrou que, há uns dois anos, recebera um macabro e-mail dele: "Você é a minha herdeira digital. Quando eu morrer, meu blog será seu, assim como os e-mails que trocamos, MSN e Facebook". Enquanto ela tentava encontrar o tal e-mail, chegou uma mensagem do provedor do blog: "Temos autorização de comunicar-lhe a senha de acesso ao blog sempre que completarem 48 horas de inatividade".
Ela se apossou do blog. Fuçou o que pôde. Havia nos rascunhos seis contos, que ela publicou, as senhas de todas as contas digitais dele e um comunicado de falecimento, no qual constava que ela era a herdeira do seu acervo digital e poderia decidir livremente o que fazer com a herança, até deletá-la. Após uma semana, recebeu telefonema do advogado da viúva (ali descobriu que ele era casado e que tinha três filhos adultos!), que estava inconsolável por não ser a herdeira do acervo digital do marido e oferecia uma recompensa pelo seu silêncio e a desistência da herança!

   Não houve acordo e o caso está na Justiça. Ela continua em pleno gozo de seus direitos de herdeira e recebeu uma oferta milionária para a história da herança virar um filme. No Brasil, não há lei específica sobre herança de acervo digital. Caso não haja um "testamento", o espólio digital pertence à família da pessoa falecida, que, se não possuir as senhas, poderá obtê-las por ordem judicial.

Os dois fatos mudaram a minha opinião. Até fiz meu testamento digital, mas ainda não "fiz um tempo" para ir ao cartório. Freud até que explica: é a sensação idiota de imortalidade corpórea que nos faz postergar decisões inadiáveis, pois quem é vivo é mortal. E a vida segue, e o que caiu na web também...


Publicado no Jornal OTEMPO em 27.03.2012

 Leia +...
Senha virou herança, coloque-a no seu testamento 

Quantas fotos, e-mails e documentos você guarda em um ambiente virtual trancados com uma senha que só mesmo você conhece? Será que essa senha deve ser tratada como herança? O professor Carlos Affonso, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV DIREITO RIO, comentou o assunto nesta reportagem do Fantástico.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O rebucetê da política e a Semana Santa na Matinha de Dona Lô


Fátima Oliveira

Após o Carnaval Dona Lô ainda permaneceu na Ilha duas semanas, quando então ficou entre a Chapada do Arapari e a Matinha de Dona Lô, envolvida com os preparativos da Semana Santa e aturando o profundo mau humor que Estela não conseguia disfarçar.
– Dona Lô, se acalme senhora! Era o esperado que Estela ficasse amuada com essa história do seu namoro, oxente! Espantada pucardiquê? Além de mimada demais, pela senhora e por Donana, ela nunca teve de dividir a sua atenção com outra pessoa! É a primeira vez e ela está inconsolável, mas vai passar. Bernardo já entendeu perfeitamente. Conversei com ele e pedi paciência. Ele parece boa gente. Gostei do sujeito!
– Olhe Pedro, ela já é adulta. Aliás, tá é velha, quase caindo os dentes, mas se comporta como uma criança malcriada...
– Se há culpados, eu não estou no meio... Quanto a Vosmicê, eu não coloco a minha mão no fogo... Quer dizer, desculpe-me Dona Lô, não quero azucriná-la com minhas tiradas inconvenientes... Mas, e Bernardo, quando chega?




– No sábado, antes do Domingo de Ramos... Está empolgado pra ver como é a nossa Semana Santa. Por mais que eu conte e explique, não consegue visualizar o alarido que é a Semana Santa na Chapada do Arapari e nem a nossa dispensa de padre...
– É. Tem de ver pra acreditar...  E a programação, tudo “enriba”?
– O de sempre. Como manda a tradição e as nossas invenções, porque a cultura também é dinâmica e comporta inovações. Pegue a programação aí em cima da mesa e veja... Sem sobressaltos. Viu Dilma dizendo ontem que vai terminar a ferrovia Norte-Sul? Ai, ai... Eita estradinha rosqueada, c’os diachos! Nem vou falar nada. É esperar deitada... Eita coisa de urucubaca, desde o Sarney! Espie só pra ver se não estou certa! Em setembro de 2010 Lula falou: “Norte-Sul, enfim nos trilhos!”  Tá lembrado?


 [Presidente Lula durante visita à fábrica de dormentes da Triunfo Iesa Infraestrutura S/A (TIISA) (Ferrovia Norte-Sul/TO) Foto: Ricardo Stuckert/PR]

– Estou, ora se estou!
– Pois bem, deu em nada! Não entendo a urucubaca da ferrovia Norte-Sul. De jeito maneira!
– Tem razão Dona Lô!


 – Agora, no último dia 15, Dilma apareceu num trecho, lá em Goianira-GO,   falando que vai concluir  a ferrovia Norte-Sul de Açailândia (MA) a Estrela d'Oeste (SP) até 2014 e deixar prontos projetos para estender o modal até Rio Grande (RS)! Será, minha gente?
– Ah, verdade! Tem de colocar um será aí mesmo!

Viagem: Dilma visita ferrovia em obras desde 1987 em Goiás


[Foto: Roberto Stuckert Filho - Presidenta Dilma Rousseff realiza vistoria às obras da ferrovia Norte-Sul, nos municípios de Anápolis e Goianira]
 (Na campanha de 2010, Dilma visitou a ferrovia ao lado do então presidente Lula e do senador José Sarney, que idealizou a obra)


– E assim Dilma entra na Era das Promessas... Será que está lembrada que a maldição dessa Norte-Sul desmoraliza qualquer presidente? Escute: vem de Sarney; 8 anos de FHC; 8 anos de Lula; e um ano de Dilma já foi pro saco. Faça as contas Pedro! Claro que espero a Norte-Sul ansiosamente, pois minha terrinha está a meros 50 Km dela. Isso aqui, escreva o que estou dizendo, cada alqueire subirá para o valor do ouro! Tá lembrado que essas terras nossas aqui só possuíam um valor sentimental? Isso aqui era nas brenhas, no oco do mundo, onde Judas perdeu as botas e foi a Estrada de Ferro Carajás-São Luís, que saiu e é realidade, e a promessa da Norte-Sul que fizeram desse chão um patrimônio valioso em dinheiro... Mas se a Norte-Sul de fato for finalizada, estaremos montados na bufunfa no valor de ouro! Oxê, nenhum dos Tropeiro jamais sonhou com tanto...


(Ferrovia Carajás)

– Hem-hem Dona Lô... Tal qual a senhora, acho que Dilma exagerou nas promessas sobre a Norte-Sul, mas ela é quem sabe o lastro de dinheiro que tem no Tesouro Nacional. Pode ser que não esteja blefando. Mudando de assunto: como de costume, semaninha cheia... A diferença é que Vosmicê vai tropear muito, se quiser que Bernardo conheça tudo. Vai ficar trançando, direto e reto, da Matinha pra Chapada... Olhe só o tanto de coisas:



Programação da Semana Santa 2012 da Chapada do Arapari
1. Domingo de Ramos
. 17:00 - Ladainha e aspersão de água benta nos ramos (Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição)
2. Quinta-feira Santa
. 18:00: Drama: Lava-pés (Adro da Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição – Chapada do Arapari)
3. Sexta-feira da Paixão
. 17:00: Ladainha na Capela de Santa Luzia, na Matinha de Dona Lô
4. Sábado de Aleluia
10:00: Malhação de Judas (Adro da Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição – Chapada do Arapari)
5. Domingo de Páscoa
10:00. Drama: “As mulheres na ressurreição de Cristo” (Adro da Capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição – Chapada do Arapari)
12:00. 7º. Almoço Comunitário de Páscoa da Chapada do Arapari




– Ave!  Fico cansada só de pensar...
– Caso a senhora não se incomode, conte comigo para pajeação de Bernardo... Não sei se ele vai gostar daqui, não! É um homem de cidade grande, mas vai estar tudo bem, desde que ele não dê uma de caixeiro-viajante sobre Sant'Ana do Agreste: “Lugar bom para esperar a morte”, não é? E os convidados, além de Bernardo?
– Os de sempre, a saber: Estela & catrevagem: quatro pessoas; Cesinha com a namorada e a mãe dela, dão três; o povo da boiada: Dr. Jonas, sua mulher Mariá e a filha, a Dra. Helena; o desembargador Elpídio Lobato e os dois filhos: João e o Dr. Francisco de Paula; o Dr. Graciliano, veterinário da Matinha, de regra com uma nova namorada; até aí são nove. Totalizando: quinze! Ah, bote mais Mãe Zefinha, que não perde! E Bernardo! Então teremos zanzando por aqui cerca de 17 pessoas, podendo chegar a vinte. Enfim, casa cheia, a cara de Donana!
– Como diria Jorge Amado: “Vai ser uma pândega, um rebucetê”... Mas me conte aí, e Dilma com essa mudança de lideranças na Câmara dos Deputados e no Senado? Ali sim, foi um rebucetê exemplar!
– Quer mesmo saber o que acho? Ela está certa, certíssima! Onde já se viu esses parlamentares duma figa acuando a presidenta por que querem cargos e mais cargos no governo? E o povo está com ela e não abre! Que Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá se danem. Ô raça interesseira esse trio! E ainda fazendo beicinhos na maior cara limpa do mundo! Eu, hein? Eles não sabem da missa a metade! Jucá, todo mundo bem sabe, meteu o pé no jacá, traiu a presidenta, por puro machismo...
– Quêquisso Dona Lô?
– Ora, Pedro! Deixe de ser remelento, sô! Jucá era líder do governo e a presidenta deu ordens para que ela levasse direto para votação o projeto de lei que multa empresas que pagam às mulheres salários menores que os homens no exercício da mesma função. O que ele fez? “Apresentou um requerimento, atendendo apelo de entidades empresariais, assinado também por outros líderes, enviando o projeto para a Comissão de Assuntos Econômicos. A presidente ficou irada com o ato de insubordinação”.

– Ah, eu não sabia. Quer dizer: não me dei conta do detalhe!
– Detalhe?  Santíssima, como é difícil ter um genro, um agregado, ou algo que o valha, do PMDB, ai, ai... Ô disgrota!
– ...
–  Seu povo é de lascar. É PMDB, viu Pedro?
– Aí tem! O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) tem razão de estar assustado. Ao sair da primeira reunião da bancada do PMDB com o novo líder do governo, Eduardo Braga, diante dos salamaleques de paparicagens em torno do novo líder não se conteve e comentou: “A reunião foi tão boa e tantas as trocas de amabilidades que eu acho que há mais coisas no céu de Brasília do que aviões de carreira".
– Ele, o senador Ricardo Ferraço, realmente não perde por esperar. Vai aprender que PMDB é para profissionais. Já correram atrás de Lula, sem nenhum respeito pela doença do moço! E Lula, que não é bobo e nem nasceu ontem, já tomou posição. Do lado de Dilma, oxente!  Disse com todas as letras: “A Dilma está certa. Vale a pena essa luta, porque essa é a boa luta”.
– Estou com Ruth de Aquino e não abro! Leu a última coluna dela?  Estou com a revista aqui: “Dilma e o bloco dos sujos - Chantagear a presidente e impedir votações importantes não ajuda nem o Senado nem o país”. Ela diz, apropriadamente que “Algo me diz que, se Renan Calheiros, Romero Jucá e Blairo Maggi estão possessos com Dilma, a presidente está certa. Não reconheço em nenhum dos três senadores acima condições morais para exigir cargos de liderança ou ministérios.” – Ah, vou ler!
– Mas mudando de pau pra cacete, a quantas anda aquele negócio da MP 557/2011?

– Ih, ainda vamos ver muita água correr debaixo da ponte... Ora se vamos! Certo que Dilma cedeu um pouco expurgando o nascituro dali. Foi o jeito, né? Não apareceu nem mãe e nem pai... Mas a peleja continua. A MP 557 é um equívoco descomunal... Repito: o governo Dilma ainda é um governo em disputa.
E nós, a sociedade civil, através dos movimentos organizados, temos o dever de fazer a disputa. O pau tá quebrando... Nada está parado. A mulherada que entende dessas coisas está se mexendo bravamente, resistindo e atuzigando. Eleonora Menicucci na condição de ministra está indo bem. Do que sei. Do que tenho lido. Já chamou Padilha na chincha...
–  Ah, e foi? De verdade?


(Andre Dusek/AE) Reunião. Alexandre Padilha (ao fundo) e Eleonora Menicucci (à esq. do ministro da Saúde)


Estela que estava se achegando na sala, emendou: “Ah, isso eu vi, ao vivo e a cores. Acompanhei a 231ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde, no último dia 15 de março. A ministra Eleonora Menicucci, após ouvir a representante do Ministério da Saúde, enfatizou que “A perspectiva da integralidade nas ações voltadas para a saúde da mulher foi uma vitória muita grande das mulheres brasileiras e essa perspectiva não pode retroceder, e cada programa e ação devem se remeter a ela”. E após discorrer sobre seu compromisso de avançar nas ações de enfrentamento a todas as formas de violência cutucou com vara bem curtinha: “O Ministério da Saúde precisa trabalhar conosco nesse enfrentamento”. Ou seja, pra quem sabe ler um pingo é letra. Ora se é!

 [A ministra Eleonora Menicucci, abriu a solenidade do programa Empreender Paraíba dia 12.03.2012, em João Pessoa, PB].

– Ou seja Dindinha, o Ministério da Saúde já entendeu o recado: não pode dar as cartas sozinho na saúde da mulher. De jeito maneira! É o recado de Dilma. Obedece quem tem juízo. Ou não?  A mulherada que entende do assunto não está parada, não! Hoje mesmo recebi um artigo novo, com uma análise mais de fundo, muito bom sobre essa peleja. Vou fazer uma cópia para que o leia com calma. Falo do “MP 557/2011: um avião bombardeiro não tripulado sobrevoando o Congresso”. As autoras, Graciela Selaimen e Magaly Pazello, foram muito bem. Vale a leitura.  
– Ai, que boas notícias Estela!

 – E o cardápio da Semana Santa aqui da Matinha, hein?
– Tá vendo Pedro? Estela não engorda de ruim que é. Ai é bichinha que come, sô! Só pensa em comida, benzadeus! Não se avexe Estela, o cardápio é só puxar pela memória: nos conformes da tradição.





Fazenda Matinha de Dona Lô, 22 de março de 2012

terça-feira, 20 de março de 2012

Infância e velhice descuidadas atestam descaso e crueldade

FOTO: DUKE
“Pobres velhos, coitados dos seus familiares”, ou o contrário
Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

"Um pacto civilizatório para os cuidados na infância e na velhice" recebeu muitos aportes de pessoas que "se viram" para dar um mínimo de dignidade à velhice de familiares. Sou grata aos instigantes e enriquecedores contatos.
A educação infantil - creches (0 a 3 anos) e pré-escola (4 a 5 anos e 11 meses) -, direito da criança e dever do Estado, é de responsabilidade dos municípios. Destaco que "a família não é obrigada a matricular a criança de até 6 anos em instituição de educação infantil, mas, sempre que desejar ou necessitar, precisa ser atendida pelo poder público".
Conforme o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), "dos 20 milhões de brasileirinhos de até 6 anos, 11 milhões têm entre 0 e 3 anos; 17% das crianças de até 3 anos e 77% das entre 4 e 6 anos estão matriculadas na educação infantil", em instituições públicas e privadas.
Eis a situação a enfrentar segundo a demanda. Nem mais, nem menos. O MEC, no novo Plano Nacional de Educação (PNE), prevê ampliar em 50% o atendimento em creche até 2020. Pouco, não?


 (Crianças brincando, Orlando Teruz)
(Meninos brincando, Portinari)
  (Crianças brincando, Heitor dos Prazeres)

Maíra Kubík Mano, em "Creches e pré-escolas ainda são precárias - Um raio X da educação infantil", revela que nossas creches e pré-escolas deixam muito a desejar. "Estudos do Ipea, do Banco Mundial e da Unesco mostram que quem frequenta a educação infantil dos 0 aos 3 anos tende a estudar por mais tempo ao longo da vida, ter menor índice de reprovação e deter uma renda maior quando adulto, além de menor propensão ao crime". Precisa dizer mais?

Cito Simone
de Beauvoir: "...não
 sabemos quem somos
 se ignorarmos quem
seremos; aquele velho,
aquela velha, reconheçamo-nos neles".




  Sobre a velhice, cito Simone de Beauvoir (1908-1986), escritora e feminista francesa: "...não sabemos quem somos se ignorarmos quem seremos; aquele velho, aquela velha, reconheçamo-nos neles. Isso é necessário se quisermos assumir em sua totalidade nossa condição humana". Ela é autora, dentre outros, de dois livros que tenho como essenciais: "O
Segundo Sexo"
(1949), estudo analítico soberbamente real do papel das mulheres na sociedade, e "A Velhice" (1970), no qual discorre sobre a postura de descaso da sociedade e dos governos frente às pessoas velhas.



Idosa é a pessoa a partir de 60 anos, independentemente de condições físicas e mentais. Em 2025, haverá, no Brasil, 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Hoje, em nosso país, a proteção social (benefícios da Previdência Social) chega a 17,2 milhões dos 20,6 milhões com mais de 60 anos (83,6% dos idosos). A cobertura na faixa acima de 65 anos atinge 94,8% de um contingente de 14,1 milhões de pessoas.
Ter um dinheirinho teoricamente todo seu é essencial para sobreviver na velhice, porém, a cobertura previdenciária é insuficiente para prover cuidados. A advogada Sylvia Romano escreveu, recentemente, um artigo brilhante, "Pobres velhos, coitados dos seus familiares", e diz que "este título bem que poderia ser ao contrário: coitados dos velhos, pobres familiares. A ordem do adjetivo não importa, pois a problemática é a mesma".


 (Van Gogh,1888)
 
(Velhas, Goya)

E encerra dizendo "já não sei mais o que me comove: se é a situação dos nossos idosos, ou de seus familiares, que não têm recursos financeiros nem tempo (em alguns casos, nem mesmo paciência) para suprir as necessidades dessa população, que, cada vez mais, cresce em números e aumenta suas demandas de atenção e cuidados, exigindo dos seus familiares maior dedicação, sem se importar se seus descendentes têm ou não condições de atendê-los. Pobres velhos, coitados dos seus descendentes, e dos futuros idosos também!".

 (Crianças reproduzem tela de Van Gogh)
projeto retratos de familia
Publicado no Jornal OTEMPO em 20.03.2012

terça-feira, 13 de março de 2012

Um pacto civilizatório para os cuidados na infância e na velhice



Cuidar de crianças e idosos é tarefa sagrada das mulheres 
Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_

Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, cansada de responder, anos a fio, à pergunta "Quando é o dia do homem?", dizia que são todos os outros dias do ano. Agora, radicalizei. Gozações com o Dia da Mulher não merecem nada além de solene desprezo. Sei, vivemos sob a égide do machismo, embora haja homens de novo tipo - que reconhecem a cidadania de segunda categoria das mulheres e que outras questões originárias do patriarcado perduram.
No Brasil, conquistamos a igualdade nas leis. Urge concretizá-la na vida, tarefa inglória sem que o Estado assuma, em palavras e atos, desmontar as estruturas arcaicas, materiais e mentais, do patriarcado, cultura nefasta que perpetua a educação diferenciada (menina é assim e menino é assado!), assim como elevar a consciência de quem crê que cuidar de crianças e de pessoas idosas é tarefa sagrada, respectivamente, de mães, filhas e/ou outras mulheres da família.


 A educação infantil é direito da criança e dever do Estado, inscrito na Constituição de 1988, referendado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1994) definiu a educação infantil - creches (0 a 3 anos) e pré-escola (4 a 5 anos e 11 meses) - como a primeira etapa da educação básica. Ressalto um aspecto prático da função social da educação infantil, que é minorar a sobrecarga de trabalho que recai sobre as mulheres mães quanto ao cuidado com a prole (higiene, alimentação e conforto emocional).





O Brasil é cruel no tocante ao cuidado com idosas/os, obrigação tradicional de mulheres, com arranjos familiares cada vez mais incompatíveis com tal tarefa. A completa ausência de equipamentos públicos para cuidar de pessoas idosas saudáveis que exigem cuidados de terceiros ou inválidas é a regra num país que aumentou bastante a expectativa de vida e o número de famílias pequenas e cada vez menores, mas que finge viver no tempo em que uma das filhas era escolhida para ficar solteirona para cuidar dos pais na velhice!



 Dar alta hospitalar a uma pessoa idosa com sequelas incapacitantes para a vida autônoma é um processo doloroso e patético, muitas vezes tendo-se de recorrer às autoridades policiais e judiciárias, com a família alegando que não tem como levar para casa! O governo fecha os olhos para o contingente cada vez maior de pessoas idosas, pois o Brasil está na fase 4 da transição demográfica, exigindo cuidados 24 horas, aos quais, como regra geral, as famílias contemporâneas são impotentes para responder com a dignidade necessária, seja de tempo e/ou financeiramente.
 Equipamentos públicos de educação infantil e cuidados na velhice exigem investimentos governamentais compatíveis com a demanda, considerando-se que nem todas as crianças nasceram em famílias que podem pagar cuidados, seja tendo alguém em casa para tanto, seja em instituições particulares especializadas. O mesmo se aplica a pessoas idosas.
Avalio que o governo Dilma promoverá uma revolução cultural de grande vulto se contemplar o acesso a cuidados públicos para a faixa etária de 0 a 5 anos e 11 meses e para idosas/os, via pacto civilizatório com cada uma das 5.000 e tantas prefeituras e todos os Estados e territórios, para assegurar educação infantil a todas as crianças, assim como apoio nos cuidados às pessoas idosas.


 (Idosos em um asilo. Foto: Marcos Santos / USP Imagens).

Sem a definição política de superação de tais descasos nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal), o patriarcado assume ares de eterno no lombo das mulheres.


Publicado no Jornal OTEMPO em 13.03.2012

Vídeos
Reportagem Idosos(as) http://youtu.be/8pTwNBGi54g
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