Visualizações de página do mês passado

terça-feira, 28 de abril de 2015

O extermínio de jovens negros do sexo masculino no Brasil

Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


A CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, em 9 de abril passado, recebeu o coordenador do estudo Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, que disse: “Homicídios são a principal causa da morte de jovens negros no Brasil”. E acrescentou: “Das 56.337 vítimas de homicídio no país em 2012, 30.072 eram jovens de 15 a 29 anos; desse total, 23.160 (77%) eram negros; 93,3%, homens residentes nas periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos”. Os dados configuram um extermínio da juventude de baixa renda, que, no Brasil, coincide com ser negro! E concluiu: “A alta taxa de homicídios no país é atribuída à impunidade, à cultura da violência e à tolerância institucional”.




A citada CPI, no último dia 14, ouviu o representante do Ipea, Antonio Teixeira de Lima, que declarou: “O Estado brasileiro conduz uma ‘máquina de morte em massa’, e os autos de resistência, usados pela polícia, são instrumentos que ‘legitimam o Estado a matar’”.


 O auto de resistência é procedimento-padrão criado pela ditadura militar visando à legitimação do extermínio pelas forças policiais: era legítimo matar de suposto bandido a comunista e alegar resistência à prisão. Continua em vigor.




Afirmou o pesquisador: “O total de mortes violentas no país já ultrapassou a casa de 60 mil por ano. Em dez anos, morreram 70% mais negros que brancos, segundo o Mapa da Violência (2002-2012). Houve redução significativa da taxa de homicídios entre os brancos, enquanto entre os negros o índice aumentou”.
Para ele, a “máquina de morte em massa” está dizimando os negros: “Não são apenas indivíduos que estão morrendo, estamos falando de uma raça inteira que é arrastada pela precariedade e pela política de morte instituída pelo Estado brasileiro, desde o período colonial e que persiste até hoje”.
No último dia 16, a referida CPI ouviu o representante da Justiça Global, Hamilton Borges, e Átila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional – que no fim de 2014 lançou a campanha Jovem Negro Vivo, que se apoia em dados do Mapa da Violência 2014, objetivando sensibilizar as pessoas sobre o homicídio de jovens negros, posto que, de 2002 a 2012, o número de assassinatos de jovens brancos caiu 32,3%, o de jovens negros aumentou 32,4%!




Recente pesquisa do Observatório reafirma tais dados e conclui que “3,32 jovens em cada grupo de mil correm o risco de serem assassinados antes dos 19 anos, no período de 2013 a 2019”. Logo, procedem a permanente angústia e o medo de mães de meninos e jovens negros: eles estão marcados para morrer precocemente de “morte matada”!
A carnificina (ou seria genocídio?) exige mudança de atitude imediata do Estado brasileiro. Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 4.471/2012, que aborda com mais rigor a “apuração de mortes e lesões corporais decorrentes das ações de agentes do Estado”: exige investigação de toda morte violenta envolvendo policiais; proíbe que a polícia transporte vítimas de confrontos (a maioria “morre” no trajeto); extingue o “auto de resistência” e estabelece a “morte decorrente de intervenção policial”!
Não há dúvida para o presidente da citada CPI, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), do papel da impunidade: “De 1985 a 2014, apenas 5% dos inquéritos sobre chacinas foram instaurados”, diante do que propõe “um plano nacional de enfrentamento ao homicídio e à violação de direitos no Brasil”.


  PUBLICADO EM 28.04.15
12 FONTE: OTEMPO

terça-feira, 21 de abril de 2015

A conversa fiada de quem dizia que a luta de classes acabou

 
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


“Não nos enganemos, a luta de classes não acabou, e, para o patronato, paz social é um discurso que carece de recheio humanitário” – frase final do meu artigo “Dia Mundial do Trabalho”, escrito em 2007, do qual compartilho trechos:




“No 1º de maio é comemorado o Dia do Trabalho ou Dia Mundial do Trabalho, como um registro de que o direito ao trabalho é um direito de cidadania e em memória dos trabalhadores assassinados em 1º de maio de 1886, em Chicago (EUA), numa manifestação pela redução da jornada de trabalho.


Operarios_tarsila_amaral 
(Operários, Tarsila do Amaral, 1933)


“O 1º de maio como Dia Mundial do Trabalho, aprovado em 20.6.1889, na Segunda Internacional Socialista, em Paris, aqui é celebrado desde 1895, mas só em 1925 o presidente Artur Bernardes oficializou a data. Foi em 1º de maio de 1940 que o presidente Getúlio Vargas instituiu o valor do salário mínimo” (O TEMPO, 1º de maio de 2007).


Quadro Segunda Classe
(Segunda Classe, Tarsila do Amaral, 1933) 


Em 2015, o Dia do Trabalho em nosso país será marcado por manifestações em defesa dos direitos trabalhistas conquistados e de repúdio à ampliação da precarização do trabalho como desejam o patronato aqui estabelecido e deputados federais a ele vinculados, que aprovaram o PL das terceirizações num espetáculo sem pudor civilizatório, no qual o PT tem parcela de responsabilidade porque, dentre outras negligências políticas com o tema, implementou terceirizações até no seio do governo federal!


img1.jpg  Como disse Ana Maria Prestes: “Eis que ao final deste primeiro trimestre dá entrada na cena política a mãe de todas as contradições: capital x trabalho. Entrou como um divisor de águas, como uma organizadora da confusão, dando nomes aos bois e revelando que o principal esvaziamento da base de apoio ao governo tem razões materiais e objetivas, para além das políticas... A ‘luta de classes é o motor da história’, chegou quando o capital cobrou sua fatura aos políticos recém-eleitos. Para chegar ao ‘paraíso’ do Parlamento, negociaram direitos trabalhistas e sociais dos eleitores” (“Luta de classes ganha a cena política através do PL das terceirizações”).


   Tenho a opinião de que a terceirização equivale à precarização do trabalho – nociva em todos os aspectos para quem vende a sua força de trabalho, com as mulheres pagando o maior tributo.


  Endosso as palavras da União Brasileira de Mulheres: “O projeto de lei que permite a terceirização do trabalho – PL 4.330, do empresário e deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) – é, em si, uma violência contra os trabalhadores e trabalhadoras. Representa a legitimação da precarização do trabalho e da vida de milhões de brasileiros em benefício de poucos, abrindo flanco, inclusive, para relações de trabalho análogas à escravidão... Nós, mulheres brasileiras, não admitimos que um parlamentar eleito com voto popular utilize seu mandato para calar a democracia e marchar contra direitos conquistados com tanto esforço por gerações e gerações” (Brasília, 7 de abril de 2015).


Resultado de imagem para Angelina Gonçalves


Em 2015, será relembrado o massacre da cidade de Rio Grande (RS) pelas forças policiais, em 1° de maio de 1950, no qual foram assassinados o pedreiro Euclides Pinto, o portuário Honório Alves de Couto e o ferroviário Osvaldino Correa. No fim da ação assassina, a comunista e tecelã Angelina Gonçalves, aos 37 anos, que estava enrolada em uma bandeira do Brasil, foi morta a tiros!
O massacre de Rio Grande é exemplar de que o capital historicamente entrava, solapa e usurpa direitos trabalhistas e pode matar para impor a sua política de ganância.
 PUBLICADO EM 21.04.15
 FONTE: OTEMPO

terça-feira, 14 de abril de 2015

O voo 4U 9525 e o segredo médico: o debate na Alemanha


Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Depois que a porta de um avião é fechada e ele decola, a vida dos passageiros está sob responsabilidade total do piloto. Sempre foi assim, mas parece que só após o acidente fatal, nos Alpes franceses, do voo 4U 9525 da companhia Germanwings, de propriedade da Lufthansa, em 24 de março último, o mundo reavivou na memória tal realidade.


Andreas  (Andreas Lubitz, o copiloto)


Há indícios de que o copiloto alemão Andreas Lubitz tenha sido o responsável pelo acidente proposital no qual morreram 150 pessoas. E mais, supõem que na origem do seu ato esteja uma depressão com tendências suicidas explícitas, da qual era portador.
Andreas Lubitz, em 2009, informou à escola de pilotos da Lufthansa que sofria de depressão. Nenhuma atitude foi tomada. Não há normatização sobre depressão como impedimento a pilotar aviões. A rigor, “há uma lacuna na regulamentação que determina a capacitação de voar dos pilotos. Suas condições físicas são, de fato, examinadas regularmente, mas alguns problemas psicológicos podem ser detectados e comunicados somente pelos próprios pilotos”.


(Fabian Schmidt é jornalista da redação de ciência da DW)


Cercear ou superar tal lacuna exigirá um debate sério e sem preconceitos. Há um clamor na Alemanha sobre adoção de medidas rígidas em saúde mental para pessoas cujas profissões podem colocar em risco a vida de outrem. De acordo com Fabian Schmidt, jornalista da redação de ciência da “DW”, a “tragédia do voo 4U 9525 gera clamor pelo fim do segredo profissional. Uma ideia precipitada e nociva, que destruiria a indispensável relação de confiança entre médico e paciente”.
Para o presidente do Conselho Federal dos Psicoterapeutas (BPtK), Rainer Richter, “o sigilo médico não é o problema nos casos em que os pacientes podem comprometer outras pessoas. Mesmo agora, médicos e psicoterapeutas estão autorizados a quebrar o sigilo, em casos em que quaisquer danos a terceiros possam ser evitados. Em casos de vida ou morte, eles são inclusive obrigados a fazê-lo”.


(Ilja Schulz, presidente do sindicato de pilotos Cockpit)


O presidente do sindicato alemão de pilotos Cockpit, Ilja Schulz, rebateu os apelos de políticos: “Esse tipo de sugestão só pode ser feita por pessoas que não estão familiarizadas com a indústria (aeronáutica)... Se o meu médico não é mais obrigado a manter o sigilo, vou deixar de mencionar quaisquer problemas, pois sempre terei medo de perder a minha licença de voo”.


  O segredo médico, que remonta a Hipócrates (460 a. C./377 a. C.), o pai da medicina, pertence ao doente, e o médico é apenas o depositário. Praticamente em todos os países, o segredo médico não é absoluto quando envolve risco de morte a terceiros, podendo ser quebrado, inclusive no Brasil, por justa causa, dever legal ou autorização expressa do doente. Ponderando-se que “justa causa” não é o mesmo que “dever legal” (notificação compulsória), mas aquela na qual o dano da inviolabilidade do segredo médico é maior do que o causado pela violação dele.
A legislação brasileira dá proteção ampla ao segredo médico, seja do ponto de vista penal (art.154, que trata do crime de violação do segredo profissional), civil (art. 229: ninguém pode ser obrigado a depor acerca de um fato que se constitua um segredo de Estado ou profissão) e ético (Código de Ética Médica: XI, do Capítulo I, Princípios Fundamentais; e art. 73 e 76, do Capítulo IX, Sigilo Profissional).


Resultado de imagem para hipócrates frases    A pergunta é: o que está previsto em lei é suficiente para quebrar o segredo médico? Eis o eixo do debate em curso. De certeza, a depressão não está no rol.


   PUBLICADO EM 14.04.15 
  FONTE: OTEMPO

terça-feira, 7 de abril de 2015

A depressão não pode ser o bode expiatório do voo 4U 9525


Copiloto Andreas Lubitz. Foto: Reprodução
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


É preciso aprender a extrair lições das tragédias. É o caso do desastre do avião da Germanwings, cuja dona é a Lufthansa, ocorrido no último 24 de março, no voo 4U 9525, de Barcelona, na Espanha, a Düsseldorf, na Alemanha, que se chocou com os Alpes franceses, com 150 pessoas a bordo. Não houve sobreviventes.


  (Airbus A320)


Embora o avião, um A320, tivesse 24 anos de uso e oconsenso seja que a vida útil de uma aeronave bem cuidada é de 25 anos, a suspeita mais forte é que o copiloto alemão Andreas Lubitz, de 28 anos, tenha deliberadamente provocado o acidente.


Andreas Lubitz, Airbus 320  (Andreas Lubitz)

Análises das caixas-pretas até agora corroboram a hipótese inicial: o copiloto mexeu várias vezes nas configurações do piloto automático para aumentar a velocidade de descida e não permitiu que o piloto retornasse à cabine... O segundo gravador do voo confirma as suposições.
Na busca de algo que explicasse a atitude suicida, “a Lufthansa disse que sabia que, há seis anos, o copiloto havia sofrido um episódio de depressão grave antes de ele terminar seu treinamento de voo”. Foi divulgado que “promotores alemães informaram que encontraram documentos médicos na casa de Lubitz, sugerindo que ele já tinha uma doença, e provas de um tratamento médico. Eles encontraram atestados rasgados, um deles para o dia da queda do avião”.
Uma comissária de bordo, ex-namorada dele, relembrou que ele havia dito: “Um dia vou fazer algo que vai mudar todo o sistema, todos vão saber meu nome e se lembrar”. Embora não se saiba “exatamente o que aconteceu nos momentos finais do voo 4U 9525”, além de que “o avião foi deliberadamente pilotado para uma colisão nos Alpes franceses”, o mesmo cenário induz inúmeras perguntas, uma delas chocante: o tabloide britânico “Daily Mail” publicou: “Piloto suicida tinha longo histórico de depressão – por que o deixaram voar?”



Está montado o cenário da estigmatização de uma doença pouco diagnosticada, porém tratável, que no senso comum nem é considerada doença, que é a depressão – de causa multifatorial, afeta o estado de humor da pessoa, deixando-a com um predomínio anormal de tristeza.




Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão já é uma das maiores causas de adoecimento e atinge 15% da população mundial em pelo menos um momento de suas vidas; mais de 400 milhões de pessoas sofrem de depressão; e o risco de um homem sofrer da doença é de 11%, enquanto que o da mulher pode chegar a 18,6%.


   O episódio coloca em xeque a avaliação psicológica dos pilotos, que, a bem da verdade, é débil, limitando-se a uma “triagem psicológica” elementar. No mais, a avaliação anual ou semestral é tal qual a primeira: “A maior parte dos exames é focada nos aspectos fisiológicos do piloto – altura, peso, sangue e urina. O aspecto mental ocupa uma parte secundária da avaliação”.
A maior segurança ainda é preventiva: “Evitar que um piloto fique sozinho na cabine de comando”, como é a definição da Autoridade Federal de Aviação dos Estados Unidos, ainda não adotada na Europa como obrigatoriedade.


  O capitão Mike Vivian, ex-chefe de operações de voo da Autoridade de Aviação Civil britânica, após frisar que a avaliação de um piloto é mais técnica e centrada em suas condições físicas e habilidades para voar, declarou: “Eu não conheço qualquer teste em que você consiga investigar o estado mental de uma pessoa de forma abrangente e objetiva”.


Placa na casa de Andreas Lubitz, copiloto do avião da Germanwings, na cidade de Montabaur, na Alemanha (Foto: Michael Probst/AP)  
Placa na casa de Andreas Lubitz (Foto: Michael Probst/AP)
PUBLICADO EM 07/04/15

 Vários policiais vigiam o domicílio do copiloto na pequena localidade de Montabaur / MICHAEL PROBST (AP)
FONTE: OTEMPO