Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Depois que a porta de um avião é fechada e ele decola, a vida dos passageiros está sob responsabilidade total do piloto. Sempre foi assim, mas parece que só após o acidente fatal, nos Alpes franceses, do voo 4U 9525 da companhia Germanwings, de propriedade da Lufthansa, em 24 de março último, o mundo reavivou na memória tal realidade.
(Andreas Lubitz, o copiloto)
Há indícios de que o copiloto alemão Andreas Lubitz tenha sido o responsável pelo acidente proposital no qual morreram 150 pessoas. E mais, supõem que na origem do seu ato esteja uma depressão com tendências suicidas explícitas, da qual era portador.
Andreas Lubitz, em 2009, informou à escola de pilotos da Lufthansa que sofria de depressão. Nenhuma atitude foi tomada. Não há normatização sobre depressão como impedimento a pilotar aviões. A rigor, “há uma lacuna na regulamentação que determina a capacitação de voar dos pilotos. Suas condições físicas são, de fato, examinadas regularmente, mas alguns problemas psicológicos podem ser detectados e comunicados somente pelos próprios pilotos”.
(Fabian Schmidt é jornalista da redação de ciência da DW)
Cercear ou superar tal lacuna exigirá um debate sério e sem preconceitos. Há um clamor na Alemanha sobre adoção de medidas rígidas em saúde mental para pessoas cujas profissões podem colocar em risco a vida de outrem. De acordo com Fabian Schmidt, jornalista da redação de ciência da “DW”, a “tragédia do voo 4U 9525 gera clamor pelo fim do segredo profissional. Uma ideia precipitada e nociva, que destruiria a indispensável relação de confiança entre médico e paciente”.
Para o presidente do Conselho Federal dos Psicoterapeutas (BPtK), Rainer Richter, “o sigilo médico não é o problema nos casos em que os pacientes podem comprometer outras pessoas. Mesmo agora, médicos e psicoterapeutas estão autorizados a quebrar o sigilo, em casos em que quaisquer danos a terceiros possam ser evitados. Em casos de vida ou morte, eles são inclusive obrigados a fazê-lo”.
(Ilja Schulz, presidente do sindicato de pilotos Cockpit)
O presidente do sindicato alemão de pilotos Cockpit, Ilja Schulz, rebateu os apelos de políticos: “Esse tipo de sugestão só pode ser feita por pessoas que não estão familiarizadas com a indústria (aeronáutica)... Se o meu médico não é mais obrigado a manter o sigilo, vou deixar de mencionar quaisquer problemas, pois sempre terei medo de perder a minha licença de voo”.
O segredo médico, que remonta a Hipócrates (460 a. C./377 a. C.), o pai da medicina, pertence ao doente, e o médico é apenas o depositário. Praticamente em todos os países, o segredo médico não é absoluto quando envolve risco de morte a terceiros, podendo ser quebrado, inclusive no Brasil, por justa causa, dever legal ou autorização expressa do doente. Ponderando-se que “justa causa” não é o mesmo que “dever legal” (notificação compulsória), mas aquela na qual o dano da inviolabilidade do segredo médico é maior do que o causado pela violação dele.
A legislação brasileira dá proteção ampla ao segredo médico, seja do ponto de vista penal (art.154, que trata do crime de violação do segredo profissional), civil (art. 229: ninguém pode ser obrigado a depor acerca de um fato que se constitua um segredo de Estado ou profissão) e ético (Código de Ética Médica: XI, do Capítulo I, Princípios Fundamentais; e art. 73 e 76, do Capítulo IX, Sigilo Profissional).
A pergunta é: o que está previsto em lei é suficiente para quebrar o segredo médico? Eis o eixo do debate em curso. De certeza, a depressão não está no rol.
PUBLICADO EM 14.04.15
FONTE: OTEMPO
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