O FEMINISMO BRASILEIRO FICOU MENOR COM A PARTIDA DELAS
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
Na semana passada, perdi duas amigas: Vanete Almeida, 69, no dia 9, em Recife, e Maria Cecília Magalhães Gomes, 66, no dia 10, em Belo Horizonte. O feminismo brasileiro ficou menor com a partida delas. Eram duas faces do feminismo: o rural e o urbano.
Fiquei num mutismo sem fim, pois nem bem introjetara que não mais veria Vanete sorrir, chega a notícia de que eu não me deliciaria mais com os "poréns" de Cecília. Inconformada com duas perdas, no decorrer da semana, fui acolhida por Guimarães Rosa: "O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas". Foi um alívio, pois rememorar a minha vida com Vanete e Cecília passou a ser um doce privilégio. Agora, elas vivem em minha memória.
Vanete Almeida, pernambucana, educadora popular e dona de um hectare de terra no sertão, conheci no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), entre 1999 e 2003. Virei fã ao ouvir sua apresentação às novas conselheiras. Tínhamos uma identidade ideológica grande, e eu adorava ouvi-la contar de suas labutas e apreciava suas gargalhadas cristalinas enormes...
Sobre ela, eu poderia escrever páginas e páginas, mas fiquemos com uma declaração que dei ao "Viomundo": "Conheci Vanete quando fizemos parte do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Aprendi a admirá-la e a amá-la pelas convicções pelas quais pautou a sua vida, sobretudo a sua dedicação incondicional ao trabalho com a mulher camponesa e a sua compreensão da sua negritude. Ela gostava de dizer que, fora da esquerda, a luta dos oprimidos não encontraria o caminho da vitória, mas que, às vezes, insistir era muito cansativo, principalmente quando a esquerda escorregava... E ríamos muito porque pensávamos da mesma maneira...".
Rememorar a minha
vida com Vanete
e Cecília passou
a ser um doce
privilégio. Agora,
elas vivem
em minha memória.
Maria Cecília Magalhães Gomes, mineira, historiadora, inscreveu seu nome na história do movimento estudantil, no apoio ao jornal "Movimento", junto com seu irmão Marcos Gomes, na luta contra a ditadura e pela anistia e na fundação do Movimento Popular da Mulher (Belo Horizonte-MG, 1983) e, desde então, esteve muito presente na luta pelos direitos da mulher em Minas Gerais. A Cecília devemos muito, sobretudo pela delicada preocupação com o bem-estar das mulheres em momentos de dificuldades e de desamparo.
É inesquecível o dia em que ela, há muitos anos, ao telefone, disse-me, em linhas gerais, o seguinte: "Fátima, andei fazendo umas pesquisas que acho que são cruciais para as mulheres. Não posso contar por telefone, vamos nos encontrar".
Preocupada com a segurança das mulheres nas clínicas clandestinas de aborto, ela decidiu conferir in loco cada uma cujo endereço conseguiu, acho que umas oito. Marcava, pagava a consulta e, antes de ser consultada, pedia para conhecer a clínica e, assim, conferia as condições de higiene e esterilização... Depois, dizia que queria pensar mais... E, assim, coletou informações preciosas que ajudaram inúmeras mulheres, pois quase a metade das clínicas não foi considerada segura, aliás, eram muito perigosas. Era o visionarismo ceciliano em ação, anos antes do estabelecimento do conceito de redução de danos.
Era assim a Cecília: meticulosa, dedicada e com um senso refinado de pesquisadora. A característica mais forte de sua personalidade era a dedicação às causas que abraçava. Recordo com carinho a animação em que ficava quando lia uma crônica minha sobre cavalos. Disse-me várias vezes que um dia iria cavalgar comigo... Não deu tempo. Ficam comigo os versos de sua irmã Clarinha: "Machões da vida,/ mexam-se,/ levantem-se,/ a gueixa pifou...".
Publicado no Jornal OTEMPO em 18.09.2012
+ Sobre Vanete Almeida:
Em memória de Vanete Almeida (1943-2012)
Vanete Almeida, a guerreira do semiárido se encantou - Conceição Lemes
As minhas crônicas que Cecília comentou:
Taj Mahal, meu mangalarga marchador e suas benesses (22.07.2008)
As endorfinas das cavalgadas são tudo de bom e muito mais (28.04.2009)
Uma nova paixão: o piquira, um cavalinho marchador (15.06.2010)
As práticas zooterapêuticas são fonte de saúde e felicidade (05.04.2011)
Fátima, eu já amava a Vanete, agora estou amando a Cecília
ResponderExcluirFiquei emocionada com a morte de duas guerreiras. Farão muita falta. Sim, Cecília era uma visionária
ResponderExcluirFátima, encontrei muitas fotos da vanete na internet, mas da Cecília apenas a do seu blog. É possível conseguir fotos atuais dela com a família e colocar na internet? Agradeço. Conheci Cecília, era linda e doce, mas com ar resoluto. Uma mulher incrível.
ResponderExcluirA amizade dá sentido à vida
ResponderExcluirDra. Fátima Oliveira, que belo texto. Virei fã das duas. Vanete e Cecília foram mulheres de muita fibra
ResponderExcluirUm nó na garganta. Uma pena para o mundo perder duas figuras humanas de tantas qualidades e espírito guerreiro
ResponderExcluirFátima, muito bom conhecer o trabalho de duas mulheres maravilhosas. Abraço o seu coração saudoso, minha linda escritora.
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