(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica
- fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
“Em um momento em que o Sistema Único de Saúde (SUS),
a maior política pública de saúde do Brasil e do mundo, está sendo
esquartejado, contar num romance a história de como conquistamos na
Constituição Federal de 1988 o ‘saúde é direito de todos e dever do Estado’ não
há o que pague! E narrada por quem viveu aqueles momentos. A universalidade do
SUS resulta de muita luta popular.
“Que o ‘Vidas Trocadas: Memórias de Médicas’ chegue
logo às livrarias. Até o livro sair, conte de vez em quando em sua coluna alguns
episódios pra gente usar na luta em defesa do SUS, que, pelo andar da
carruagem, será grande, ferrenha e difícil, como declarou a protagonista do seu
livro, a drª. Dália: ‘Nunca foi fácil fazer chegar medicina aos pobres’”.
Palavras de Rina, leitora mineira que há anos
acompanha minha coluna semanal em O TEMPO, a quem agradeço a fidelidade da
leitura. A ideia de compartilhar alguns trechos do livro é importante na atual
conjuntura, pois de algum modo é uma forma de relembrar quando a norma era que
as pessoas despossuídas de bens materiais morressem à míngua!
Santana do Riachão, cidade na qual vivem as médicas
drª. Dália e sua neta, a drª. Dália de Lourdes, fica no continente, nas
imediações da Ilha de São Luís, e era um nada nas brenhas, dadas as dificuldades
da falta de estradas, quando a drª. Dália lá chegou, em 1948.
“Aproveitei que ela não percebeu quando cheguei e
quedei-me à contemplação daquele lugar tão caprichosamente construído e
decorado. E a vista? Descortina um horizonte infinito e tão belo que sempre que
fico aqui a beleza é tanta que parece que é a primeira vez... Quando ela se deu
conta de minha presença, falou: ‘Estava aqui, cochilando um pouquinho, pensando
em qual dia marcarei para você conhecer nossas parteiras daqui da região. São
muitas. Gosto do chamego delas, e elas, do meu! Vai gostar delas e, se tiver
paciência, vai coroar sua residência de ginecologia e obstetrícia com o saber
delas’.
“Enveredamos pelo fato de que até hoje temos parteiras
leigas na maternidade do Samaritano... Qual a origem e por quê?
“‘É uma antiga história. É que nossa maternidade
iniciou como uma Casa de Parto. Foi a primeira do país. Mais ou menos com uns
seis meses que aqui cheguei, tive a ideia de fazer alguma coisa que desse uma
maior segurança aos partos. Comecei a conversar com as parteiras daqui e dos
povoados, em geral havia uma ou mais em cada um; e uma vez por mês nos
encontrávamos para uma conversa em minha casa. O sentido era passar noções de
higiene, sobretudo curar o umbigo, que aqui era um deus nos acuda. Nem quero
lembrar!
“‘(...) Em média eram umas dez parteiras que
compareciam. Procurei também ganhar a confiança delas para que quando se vissem
diante de um parto mais difícil não demorassem a trazer as mulheres para cá. E
nos casos em que aqui não déssemos jeito, levaríamos a mulher para a capital,
por conta da prefeitura, coisa que naquela época parecia um sonho.
“‘Depois que eu pessoalmente levei umas duas mulheres
para a capital, adquiri credibilidade. As mortes de parto por aqui eram muitas,
e até àquela época eram debitadas no ‘foi Deus quem quis!’ E eu estava rompendo
aquela cultura atrasada, de miserabilidade e demonstrando que Deus poderia,
sim, querer de outro jeito!’”
PUBLICADO EM 30.08.16
FONTE: OTEMPO
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“Vidas trocadas: memórias de médicas” tem o SUS como cenário, Fátima Oliveira (O TEMPO, 16.08.16)
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