(DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Na semana passada, estive em Imperatriz (MA) durante
três dias. Voltei desolada da Terra do Frei (carmelita baiano frei Manoel
Procópio do Coração de Maria, 1809 ou 1810-1886, fundador da cidade em
16.7.1852) por não ter conseguido comer minha comida predileta e obrigatória: a
panelada do João do Cruzeiro do Sul, vendida ao ar livre na avenida Getúlio
Vargas desde o amanhecer até acabar, e à noitinha também. Tentar até tentei,
mas nas três vezes nas quais estive lá havia acabado! Não como em qualquer lugar
– ou é feita em casa, ou é a de lá, embora encontremos outras paneladas famosas
na cidade toda, como as das Quatro Bocas.
Imperatriz sintetiza encontro de tradições, crenças e
costumes; é uma cidade que incorporou uma cultura alimentar diversa, oriunda dos
diferentes povos de outras regiões do Brasil e até de outros países que lá
fixaram residência. Todavia, as comidas do sertão dão o tom culinário da
cidade, tais como galinha caipira, carne de sol, bode no leite de coco, buchada
de bode, sarapatel (feito de vísceras de bode, de porco ou de carneiro), arroz
Maria-Isabel e a célebre panelada (cozido de bucho, tripas e mocotó de boi,
adornado com linguiça e até paio), que na feitura é similar ao que conhecemos
como dobradinha e ao mocotó da ilha de São Luís – que não levava tripa, mas
agora muitos lugares especializados na iguaria colocam algumas tripinhas.
(Mocotó)
(Dobradinha)
O mocotó da ilha, que era só mocotó (do quimbundo
“mukoto”: “pata de animal”), já virou panelada, oxente! E tanto dobradinha
quanto mocotó e a panelada mantêm similaridade com o prato português tripas à
moda do Porto (vários tipos de carne, enchidos, tripas e feijão-branco), que,
segundo registros, “remonta à época dos descobrimentos portugueses” e é um
ícone da culinária lusitana. E todos se parecem com outra antiguidade culinária
espanhola, os “callos a la madrileña”.
(Tripas à moda do Porto)
O historiador, antropólogo, advogado e jornalista Luís
da Câmara Cascudo (1898-1986) declarou que a panelada “evidencia nobre
antiguidade, ligando-se à dinastia assombrosa das ollas, oilles, paellas,
cassoulets, pot-au-feu, caldeiradas, devendo batismo à vasilha em que cozinham,
confusa e recendentemente”.
Também gosto dos peixes do rio Tocantins, mas não
morro de amor por eles. A explicação é simples: meu paladar não é ribeirinho, é
sertanejo! Mas há peixes deliciosos, sendo muito comuns curimatá, pacu,
dourado, pintado, namorado, filhote e tambaqui (o que menos gosto!). Também amo
peixe seco, de água doce ou salgada, incluindo bacalhau, com leite de coco,
preferencialmente babaçu!
Parece que, quanto mais velha a gente fica, mais
apurado vai ficando o paladar quanto aos sabores nos quais fomos criados. Por
exemplo, prefiro carne fresca, sem ter passado perto de geladeira ou ser
desidratada (carne de sol, carne serenada ou carne-seca). Em Imperatriz, gosto
das comidas do sertão. E a genuína comida do sertão lá não é feita em
restaurantes, é vendida nas ruas! Dizem os nutricionistas que somos o que
comemos, então Imperatriz é panelada!
(O missionário católico Albé Ambrogio, e o lendário frei Epifânio D'Abadia)
Ingratidão é coisa triste! Até hoje nenhum prefeito
erigiu um monumento à panelada, algo como um Centro Cultural e Gastronômico da
Panelada. Falam que frei Epifânio da Abadia, com seu bom humor ferino e
cáustico, dizia que, “em Imperatriz, há três coisas de respeito: a água do
Tocantins, a panelada e os ‘gatos’ da Farra Velha”.
E Câmara Cascudo, em “História da Alimentação no
Brasil”, testemunha: “Nada mais é possível fazer depois de uma panelada ou
buchada. Convite para abstração, no tédio feliz de ruminante satisfeito”.
PUBLICADO EM 02.08.16
FONTE: OTEMPO
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