(DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
O noticiário em 2015 é só para quem tem estômago
forte. Tenta ser puritano, mas é desavergonhado e antipatriótico. Não aguento
mais ouvir falar em Petrobras e seu zilhões de petrodólares surrupiados anos a
fio como novidade numa cultura de “bonificações” e patrimonialismo, em que
sociopatas transitam em todas as esferas.
Certa noite, pensando sobre a cultura de levar
vantagem pecuniária, seja em empresa privada ou no serviço público
(patrimonialismo), para acumular patrimônio pessoal, veio a minha memória a
primeira vez em que ouvi pausadamente: “Se pensas em ficar rica de consultinha
em consultinha, podes tirar o cavalinho da chuva”.
Nunca disse a ninguém que aspirava à riqueza, muito
menos ao meu marido, a quem respondi: “Em nossa casa, a única pessoa que sei
que quer enriquecer és tu. Só quero ter uma vida decente e confortável,
resultante do meu trabalho”. Ele não enriqueceu, morreu antes, de uma queda de
cavalo!
Era 1979. Naquele dia, recebi a quarta visita de
cortesia e boas-vindas de dono de laboratório de análises clínicas. As visitas
objetivaram apresentar o negócio; doar blocos de solicitação de exames com a
grife do laboratório; e dizer que eu teria “direito” a 10% mensais de todos os
exames solicitados realizados no laboratório! Foram abordagens imorais. Se os
três primeiros contaram com o fator surpresa e ouviram um “não” educado, o
último pagou por todos: “levou um sabão”, mas ouvi: “Dinheiro no bolso é bom,
viu, doutora?”. Eu estava indo contra uma norma estabelecida no mercado.
(Imperatriz-MA, 1960)
(Imperatriz-MA, foto aérea, 1973)
(Imperatriz-MA, atual)
Houve casos de tentativas de suborno da indústria
farmacêutica e de extorsão dos chefões do Inamps aboletados em São Luís - que
exigiam altíssimo pedágio para manter o credenciamento ou adotavam a prática de
auditoria na empresa como rotina, quando fui diretora do Hospital São Raimundo,
do qual fui sócia, à época o maior hospital do interior do Maranhão, em
Imperatriz, com 120 leitos credenciados pelo antigo INPS, depois INAMPS; pelo
Funrural e também atendia a população indígena, os dois últimos tidos como a
“lepra” da atenção à saúde, pois pagavam com uma verba fixa mensal. O Inamps pagava por Autorização de Internação
Hospitalar (AIH), um cheque em branco no qual cabia tudo, cujo único limite era
os dias de internação, definidos segundo a doença!
(Sede do INPS/INAMPS, Edifício João Goulart, na Avenida Dom Pedro II, São Luís-MA)
Duvido que algum hospital no Maranhão tenha sido mais
“auditado” do que o São Raimundo! Era tudo tão naturalizado que, às vezes, me
pego pensando em como é difícil para quem tem caráter passar por tantas
travessias e não cair nas pinguelas da corrupção. Gosto muito de mim por ser
tão nova à época – fui diretora do São Raimundo aos 28 anos, lá fiquei uns
cinco anos – e ter tido coragem de dizer “não” ao dinheiro que não era fruto do
meu trabalho.
[Dra. Ruth Aquino Noleto e Dr. Raimundo Noleto, fundadores do Hospital São Raimundo - no primeiro banco, no centro - foto de 31.01.1970, foto de Nando Cunha)]
Do fornecedor de gêneros alimentícios aos dos
remédios, perguntavam quem receberia os 10% ou 15% do total da compra, que
davam em cheque, na hora! A indústria farmacêutica chamava a indecência de
“bonificação”. Eu respondia igualmente: “A Aquino & Noleto (nome legal do
Hospital São Raimundo), passe-me o cheque nominal à empresa”. Era um espanto
que silenciava o interlocutor, pois era uma recusa a muito dinheiro.
Mas o ser humano é criativo, para o bem e para o mal.
Acabei descobrindo que o administrador do hospital “ganhava o dele” para
garantir a minha fidelização nas compras! Foi demitido sumariamente, mesmo
sendo marido de uma de minhas sócias.
Avalio que, sem combate às culturas de bonificações e
patrimonialismo, a corrupção levará vantagem sempre.
PUBLICADO EM 03.03.15
FONTE: OTEMPO
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