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terça-feira, 3 de março de 2015

Das culturas da corrupção: bonificações e patrimonialismo

01 (DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


O noticiário em 2015 é só para quem tem estômago forte. Tenta ser puritano, mas é desavergonhado e antipatriótico. Não aguento mais ouvir falar em Petrobras e seu zilhões de petrodólares surrupiados anos a fio como novidade numa cultura de “bonificações” e patrimonialismo, em que sociopatas transitam em todas as esferas.
Certa noite, pensando sobre a cultura de levar vantagem pecuniária, seja em empresa privada ou no serviço público (patrimonialismo), para acumular patrimônio pessoal, veio a minha memória a primeira vez em que ouvi pausadamente: “Se pensas em ficar rica de consultinha em consultinha, podes tirar o cavalinho da chuva”.


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Nunca disse a ninguém que aspirava à riqueza, muito menos ao meu marido, a quem respondi: “Em nossa casa, a única pessoa que sei que quer enriquecer és tu. Só quero ter uma vida decente e confortável, resultante do meu trabalho”. Ele não enriqueceu, morreu antes, de uma queda de cavalo!
Era 1979. Naquele dia, recebi a quarta visita de cortesia e boas-vindas de dono de laboratório de análises clínicas. As visitas objetivaram apresentar o negócio; doar blocos de solicitação de exames com a grife do laboratório; e dizer que eu teria “direito” a 10% mensais de todos os exames solicitados realizados no laboratório! Foram abordagens imorais. Se os três primeiros contaram com o fator surpresa e ouviram um “não” educado, o último pagou por todos: “levou um sabão”, mas ouvi: “Dinheiro no bolso é bom, viu, doutora?”. Eu estava indo contra uma norma estabelecida no mercado.


 (Imperatriz-MA, 1960)
IMPERATRIZ EM FOTO AÉREA - 1973 (Imperatriz-MA, foto aérea, 1973)
  (Imperatriz-MA, atual)


Houve casos de tentativas de suborno da indústria farmacêutica e de extorsão dos chefões do Inamps aboletados em São Luís - que exigiam altíssimo pedágio para manter o credenciamento ou adotavam a prática de auditoria na empresa como rotina, quando fui diretora do Hospital São Raimundo, do qual fui sócia, à época o maior hospital do interior do Maranhão, em Imperatriz, com 120 leitos credenciados pelo antigo INPS, depois INAMPS; pelo Funrural e também atendia a população indígena, os dois últimos tidos como a “lepra” da atenção à saúde, pois pagavam com uma verba fixa mensal.  O Inamps pagava por Autorização de Internação Hospitalar (AIH), um cheque em branco no qual cabia tudo, cujo único limite era os dias de internação, definidos segundo a doença!


 
(Sede do INPS/INAMPS, Edifício João Goulart, na Avenida Dom Pedro II, São Luís-MA)


Duvido que algum hospital no Maranhão tenha sido mais “auditado” do que o São Raimundo! Era tudo tão naturalizado que, às vezes, me pego pensando em como é difícil para quem tem caráter passar por tantas travessias e não cair nas pinguelas da corrupção. Gosto muito de mim por ser tão nova à época – fui diretora do São Raimundo aos 28 anos, lá fiquei uns cinco anos – e ter tido coragem de dizer “não” ao dinheiro que não era fruto do meu trabalho.


Dr. Noleto e sua esposa dra. Rute Noleto, vereadora eleita, e ainda Diva Moreira, na pose de Renato Moreira como prefeito municipal de Imperatriz, em 31 de janeiro de 1970. [Dra. Ruth Aquino Noleto e Dr. Raimundo Noleto, fundadores do Hospital São Raimundo - no primeiro banco, no centro - foto de 31.01.1970, foto de Nando Cunha)] 


Do fornecedor de gêneros alimentícios aos dos remédios, perguntavam quem receberia os 10% ou 15% do total da compra, que davam em cheque, na hora! A indústria farmacêutica chamava a indecência de “bonificação”. Eu respondia igualmente: “A Aquino & Noleto (nome legal do Hospital São Raimundo), passe-me o cheque nominal à empresa”. Era um espanto que silenciava o interlocutor, pois era uma recusa a muito dinheiro.
Mas o ser humano é criativo, para o bem e para o mal. Acabei descobrindo que o administrador do hospital “ganhava o dele” para garantir a minha fidelização nas compras! Foi demitido sumariamente, mesmo sendo marido de uma de minhas sócias.
Avalio que, sem combate às culturas de bonificações e patrimonialismo, a corrupção levará vantagem sempre.


  PUBLICADO EM 03.03.15
FONTE: OTEMPO

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