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terça-feira, 1 de maio de 2012

A caminho das reparações da crueldade escravocrata

 DUKE 
A decisão unânime do Supremo sobre as cotas raciais/étnicas
Fátima Oliveira
Médica –
fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_


Não dei conta de acompanhar as duas sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) em que analisaram as cotas raciais/étnicas, dias 25 e 26 de abril passado. A emoção era tamanha que preferi não ver.
As imagens e pedaços de discursos que vi e ouvi e a posterior leitura dos votos que asseguraram unanimidade na decisão do STF - as ações afirmativas são constitucionais - evidenciam que, se Executivo e Legislativo nacionais historicamente se omitiram quanto à promoção de reparações a quem tem o mérito de ter construído este país no lombo, via políticas de ação afirmativa, fazendo valer as leis de igualdade, o STF, quando instado, pela primeira vez, não abriu mão de cumprir o seu dever de guardião da Constituição Federal.
O STF se debruçou sobre três ações que alegavam a inconstitucionalidade de cotas raciais/étnicas na universidade, ajuizadas pelo partido Democratas (DEM), em 2009, contra a UNB; o perfil do estudante do Prouni (2004), a concessão de bolsas de estudo em universidades privadas e que, segundo (pasmem!) a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem), feriam o princípio constitucional da isonomia; e a terceira ação, ajuizada por Giovane Pasqualito Fialho, "reprovado no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o curso de administração, embora tivesse alcançado pontuação superior a quem foi admitido pela reserva de vagas para egressos das escolas públicas e negros".




carta da lei áurea. 
(Sessão do Conselho de Estado em que a Princesa Isabel assina a Lei Áurea)


 "O Estado pode
lançar mão também,
de ações afirmativas,
que levam em conta
a situação concreta
de determinados grupos sociais"


O alcance do que foi analisado e definido no STF sobre as ações afirmativas é tamanho que ouso dizer que, de algum modo, o tribunal abriu o caminho para que, de fato, o Brasil comece a reescrever a Lei Áurea, atitude que nem o Estatuto da Igualdade Racial conseguiu adotar, pois o governo o submeteu à negociação com a banda mais podre dos racistas de plantão, entregando o relatório a uma figura que não teve sequer o pudor de dizer que o estupro colonial era uma miragem, pois as relações sexuais entre escravistas e escravas eram consensuais! O resultado foi uma lei meia-boca, louvada como "o Estatuto possível" e, não, o "Estatuto necessário", suficientemente robusto para enfrentar práticas racistas institucionalizadas no Estado brasileiro.
Entendo que todos os votos do STF, pelo conteúdo argumentativo de cada um, deveriam ser incluídos em todos os livros didáticos de história brasileira, não apenas como uma forma de torná-los inesquecíveis, mas para que as gerações futuras tenham o acesso facilitado a uma forma exemplar de cumprimento do princípio constitucional da igualdade no tocante a práticas racistas naturalizadas e banalizadas na vida social e política brasileira.


  O ministro-relator, Ricardo Lewandowski, foi categórico em declarar que, na efetivação do princípio constitucional da igualdade, "o Estado pode lançar mão de políticas universalistas (de grande alcance) e, também, de ações afirmativas, que levam em conta a situação concreta de determinados grupos sociais" - o seu voto é uma peça literária, jurídica e política vigorosa e imbatível, como bem disse o ministro Joaquim Barbosa, único negro em nossa Corte Suprema, para referendar que as ações afirmativas concretizam princípio constitucional da igualdade em sociedades competitivas: "O voto de Vossa Excelência está em sintonia com o que há de mais moderno na literatura sobre o tema", além do que pontuou: "As ações afirmativas não são ações típicas de governos, podendo ser adotadas pela iniciativa privada e até pelo Poder Judiciário, em casos extremos".

 Ministro Joaquim Barbosa: "Meus pontos de vista sobre a matéria [a favor das cotas] são mais do que conhecidos. Já publiquei há onze anos uma obra sobre o tema".



Publicado no Jornal OTEMPO em 01.05.2012

 Veja a opinião dos ministros do STF sobre cotas raciais em universidades públicas   
       
RECORDAR É VIVER:

escravos trabalhando "Nossos méritos vêem de longe. Há algo mais meritório do que construir um país no lombo? Nos devem um país e ousam nos negar acesso e permanência na universidade pública! Compactuar de tamanha injustiça é optar pelo racismo e quem não a enfrenta, é cúmplice. É improvável um país chegar a um futuro grandioso quando metade do povo está acuado pelo racismo. Superar o racismo é uma questão estratégica para o Brasil, logo não pode ser apenas um assunto dos negros, o que indica que órgãos de governo e políticas públicas para combate ao racismo não podem ser minimalistas e nem reedições de guetos", In MERITOCRACIA E O RACISMO NOSSO DE CADA DIA, Por Fátima Oliveira, em O TEMPO, BH, MG, 19 de março de 2003
Combater o racismo exige compartilhar privilégios, Por Fátima Oliveira, em O TEMPO, BH, MG, 13.05.2002
A pedagogia das cotas étnicas, Por Fátima Oliveira,  em O TEMPO, BH, MG, 13.05.2004
MÍDIA E COTAS - País apartado e "racializado" desde os primórdios, Por Fátima Oliveira em 11/07/2006 na edição 389
COTAS NA ACADEMIA - Afinal, o que os letrados chamam de "racialização"?, Por Fátima Oliveira  em 18/07/2006 na edição 390
Os dias seguintes à Abolição da Escravatura, Por Fátima Oliveira, em O TEMPO, BH, MG, 13.05.2008

6 comentários:

  1. Fala a voz da experiência e das muitas lutas

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  2. Graça Torres Ferreira1 de maio de 2012 às 10:04

    Uma das melhores avaliações que já li sobre as cotas

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  3. Maria do Carmo Lima1 de maio de 2012 às 12:10

    Lavei a égua. A alma também

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  4. Alguém sabe quantos anos serão necessários, mesmo com as cotas, para que os negros no Brasil atinjam a mesma escolaridade que os brancos?

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  5. Apenas para mandar um afetuoso abraço para você

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  6. os racistas estão sem chão

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