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terça-feira, 29 de março de 2011

A vaquejada tradicional é diversão que não maltrata os animais


Exibição de vaqueiro e festa de fazendeiro, de ano em ano

Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br


Amo cavalgar, tanger boi pro curral, tocar boiada e aprecio vaquejada - prazeres da vida simples de cultura vaqueira, do tipo franguinho na panela: "Eu tenho um burrinho preto/ Bão de arado e bão de sela/ Pro leitinho das crianças/ A vaquinha cinderela/ Galinhada no terreiro/ Papagaio tagarela...".
Ao escrever sou inundada por uma explosão de saudade de quando a vaquejada era só brincadeira anual nos pátios das fazendas: exibição de vaqueiro e festa de fazendeiro.
A "pega de bezerro", ou "pega de boi", nos anos 1970, no meu sertão natal, virou vaquejada: um esporte, fora da apartação de gado, como atração nas exposições agropecuárias: imitando o rodeio, mimetizando o estilo country estadunidense e os clichês da filmografia western, com distorções que renegam a vaqueirice. Hoje é esporte rentável, que atrai multidões, mas de reputação polêmica, devido às acusações de maus-tratos a bois e cavalos.
Sem falar na confusão entre vaquejada e rodeio constante em lei - "Entende-se como prova de rodeios as montarias em bovinos e equinos, as vaquejadas e provas de laço, promovidas por entidades públicas ou privadas, além de outras atividades dessa prática esportiva" - que dividiu a atividade vaqueira tradicional em duas: peão de boiadeiro (trabalhador rural: empregado que cuida e treina cavalos e bois) e peão de rodeio (atleta profissional).
A "pega de bezerro" era no dia da apartação, prática da pecuária extensiva, antes da chegada do arame farpado (por volta de 1940, embora inventado em 1873, em Illinois, EUA). O vaqueiro ia "pegar o gado" que pastava solto nas capoeiras, onde gados de vários donos se misturavam. Uma labuta de dias e dias. O vaqueiro não era assalariado. Tinha parte na bezerrada que nascia entre uma apartação e outra, logo tinha "olho de dono", de amor aos bichos e não maltratava seus animais. Os vaqueiros das redondezas se juntavam para ajudar um colega de ofício a receber a parte que lhe tocava.
Após a "partilha", os vaqueiros brincavam de "pegar bezerro". Era uma celebração. Na pecuária extensiva, muitas vacas davam cria no mato, então a bezerrada era selvagem e de difícil captura, exigindo maestria do vaqueiro para enfrentar a caatinga, o cerrado, o carrasco ou a mata fechada, perseguindo e laçando a "bezerrama" para prendê-la no curral. Era uma epopeia! Muitos vaqueiros viravam lendas ambulantes do sertão, inspirando as vaquejadas como diversão: exibição de vaqueiro e festa de fazendeiro, de ano em ano, com comilança, violeiro e sanfoneiro.
O vaqueiro escolhia sua parte no "dois pra uma": dois machos e uma fêmea. Meu avô Braulino ferrava uma "garrota" pé-duro, hoje em extinção, para cada neto que nascia. Dizia que era uma "sementinha de gado". Meu ferro de gado era MF, de Maria de Fátima. Numa partilha, Dé, o vaqueiro, escolheu uma cria da minha vaca Margarida. Aprontei a maior choradeira. Neta mimada e no dizer de vovó, com ar de recriminação, "cheia de gostos" - e era! -, na porteira do curral só bebia leite mungido de minhas vacas.
De certeza uma menina puro entojo, como dizia a tia Lô. Resumo da ópera: o pai velho deu dois bezerros ao Dé pela minha bezerrinha.
Hoje registro uma promessa ao compadre Dé (sou madrinha de um filho seu) e ao pai velho, que, tementes a Deus, decerto estão aboiando e laçando bezerro no céu: volto aos circuitos das vaquejadas pelo resgate da vaqueirice, uma cultura que não maltrata animais, e pela preservação do gado pé-duro, um patrimônio genético do Brasil.

Publicado no Jornal OTEMPO em 29/03/2011
FONTE: www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=14707

Gado pé-duro

Tocando uma boiada de gado pé-duro

http://talubrinandoescritoschapadadoarapari.blogspot.com/2011/01/tocando-uma-boiada-de-gado-pe-duro.html







9 comentários:

  1. A vaquejada é uma brincadeira de derrubar o boi pelo rabo. Mas realmente está se tornando um jogo muito arriscado, mas que é bonito de se ver, isso é.

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  2. A Vaquejada

    "Cerca de 20 mil pessoas por dia chegam a ir às vaquejadas do parque. Um número que mostra a qualidade das nossas festas: sempre cheias de alegria, qualidade e segurança. A vaquejada através da Lei Pelé na década de 90 modernizou-se e vem se modernizando cada vez mais, pois com a lei foi profissionalizada sendo reconhecida como esporte. A vaquejada que já é tradição há mais de 100 anos genuína do Brasil vem conquistando a cada ano mais e mais pessoas que gostam de assistir aos espetáculos que consiste em derrubar o boi num local demarcado por duas faixas distantes 10 metros uma da outra. Para "valer o boi", o boi deve cair mostrando as quatro patas, levantando-se então dentro deste limite para que assim os pontos tornem-se válidos.
    (...)
    No princípio a Vaquejada de Lagarto era um esporte praticado apenas por algumas pessoas, pessoas que transformaram o esporte em diversão; os prêmios eram simbólicos e a vontade de participar era que fazia a festa e trazia a alegria. O tempo foi passando e as premiações deixaram de ser simbólicas, tornaram-se valiosas o que proporcionou a festa ser conhecida não somente na região, mas em todo o território brasileiro. Na década de 80, "Zezé Rocha" acrescentou uma melhoria à festa aumentando os valores das premiações, isto veio a fortalecer o evento em caráter nacional.


    A vaquejada não é simplesmente um esporte ou parte da nossa história. A vaquejada é um pequeno momento no qual o vaqueiro com o coração disparado, fixa seu pensamento em apenas um objetivo: derrubar o boi. Disparando seu cavalo ele sente os milhares de olhos que o estão assistindo, pessoas vibrando, atentos, ansiosos, naquele momento ele é o astro principal e ele tem que dar o melhor de si, tem que mostrar seu valor. Assim, vaqueiro, cavalo e boi percorrem velozmente uma mesma direção, um desafio rápido onde um segundo pode diferenciar entre o solene "zero boi" ou o honroso: "Valeu boi!

    http://www.parquezezerocha.com.br/?pg=not%EDcia&id=619

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  3. Dra. Fátima Oliveira, sua crônica é de beleza ímpar

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  4. Alice Parreira Bezerra29 de março de 2011 às 22:58

    Aprendi a gostar de Vaquejada morando no Nordeste. Gosto de vaquejada, mas de rodeio, não. Apreciei muito o vocábulo VAQUEIRICE. Pois bem, é vaqueirice que está sumindo da vaquejada.

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  5. Fátima, quando leio seus textos vivo cada palavra. Olhe, adorei a Margarida.
    Um cheiro.

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  6. Apenas para parabenizar Fátima Oliveira pela peça literária de beleza impecável sobre a Vaquejada. Suas avaliações são profundas e corretas. De coração sertanejo nordestino

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  7. Fátima achei a crôncia linda. Nunca vi uma vaquejada, mas fiquei interessada, pois entendi o sentido da festa de derrubar boi pelo rabo eheheheh

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  8. Fiquei babando. Taí um texto que eu sinto inveja de não ter escrito

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  9. Fernando dos Reis Lobato4 de abril de 2011 às 19:34

    Fátima, muito bonito o post. Parabéns minha conterrânea

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