(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica – fatima.oliveira1953@gmail.com
@oliveirafatima_
Encontrei na feira, na semana passada, a filha de uma
lavadeira que conheci quando estudava medicina. Bote tempo, pois terminei a
faculdade em 1978! Quando Angela Davis veio ao Maranhão, nos reencontramos na
1ª Jornada Cultural Lélia Gonzalez, em São Luís (de 11 a 15.12.1997), realizada
pelo projeto “O Olhar da Mulher Negra: a sociedade e a cultura brasileira
contemporânea”, da Fundação Cultural Palmares.
Em resposta ao “como vai a sua família”, ela, hoje
enfermeira, disse-me com ar de revolta incontida: “Todas as mulheres que a
senhora conheceu estão vivas, mas sem útero!” Arqueei as sobrancelhas. Ela
continuou: “Doutora, li tudo o que a senhora escreveu sobre os miomas. Minha
bisavó, minha avó, minha mãe e duas irmãs delas já eram mulheres sem útero. Aprendi
muito. Não o suficiente para impedir que eu e uma irmã perdêssemos nossos
úteros!”
Sacolas
pesadas, trocamos telefones, e ela indagou: “Até quando os úteros das mulheres
negras só servirão para o lixo hospitalar?”. E acrescentou: “Será que Flávio
Dino não vai ter dó de nós?”. Não tendo as respostas que ela precisava, fiquei
calada. Um aperto no peito, um nó na garganta... No carro, chorei. Sempre choro
diante dos muros da impotência. E meu choro em momentos assim é como uma
pintura para guerra...
Sou estudiosa dos miomas uterinos desde 1993, quando
pesquisadora do programa Saúde Reprodutiva da Mulher Negra (Centro de Análise e
Planejamento), sob a coordenação da professora Elza Berquó, célebre demógrafa
mineira, há anos radicada em São Paulo. Uma de minhas tarefas era a consultoria
científica dos estudos desenvolvidos pelo programa, naquele tempo único na
América Latina. E até hoje único no Brasil!
O programa preparava pesquisadoras negras em saúde da
mulher negra. Uma delas, Vera Cristina de Souza, socióloga e professora
universitária, fez mestrado e doutorado sobre os miomas. Foi necessário que uma
cientista de renome, como Elza Berquó, decidisse apostar em estudantes negras
(política de ação afirmativa) para que um assunto, como os miomas, de interesse
absoluto para as mulheres negras fosse estudado em profundidade. O que
significa que papas e papisas da ginecologia brasileira nos devem mais essa e
insistem em não aprender!
Os miomas uterinos são os tumores mais comuns nas
mulheres, de qualquer raça/etnia, e atingem cerca de 20% delas na idade
reprodutiva (entre a primeira menstruação e a menopausa). Em geral são “tumores
silenciosos” (sem sintomas); benignos; (menos de 1% se maligniza); de
crescimento lento (a maioria diminui de tamanho, naturalmente, após a
menopausa). Em meu livro “Oficinas Mulher Negra e Saúde” (Mazza Edições, 1998)
encontram-se as seguintes informações:
1. A maior incidência dos miomas em determinados
grupos raciais/étnicos coloca-os na categoria das doenças raciais/étnicas. A grande
ocorrência de miomas em uma mesma família classifica-os como uma doença
familiar – indício que aponta possível base genética, provavelmente uma
condição poligênica;
2. Nos dados da literatura médica norte-americana, a
prevalência de miomas em negras é cinco vezes maior que nas brancas; e é duas
vezes superior nas brancas judias do Leste Europeu que nas demais brancas”;
3. Alguns estudos indicam que a obesidade e as pílulas
anticoncepcionais, com altas doses de estrógenos, estimulam o aparecimento e o
crescimento dos miomas.
Não tenho compromissos com a omissão! O Maranhão até
agora não implantou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
(2009), assim como quase 100% dos demais Estados! É doloroso, não é?
PUBLICADO EM 06.12.16
FONTE: OTEMPO
Artigos de Fátima Oliveira sobre MIOMAS UTERINOS
1. Miomas uterinos e mulheres negras (O TEMPO 11 de
junho de 2003)
2. Negras, miomas e histerectomia (O TEMPO, 9 de julho
de 2003)
3. Polêmicas sobre miomas e histerectomia (O TEMPO, 17
de dezembro de 2003)
4. Miomas X histerectomia (não publicado/16 de março
de 2005)
5. Condenadas à histerectomia? () TEMPO, 28 de junho
de 2006)
6. Contra histerectomias desnecessárias (O TEMPO, 5 de
julho de 2006)
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