(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica
– fatima.oliveira1953@gmail.com @oliveirafatima_
Na Palestina, onde nasci, hoje Graça Aranha (MA), não
falávamos Dia de Natal, mas Dia do Nascimento. Após ler “Um Cântico de Natal”
(1843), de Charles Dickens (1812-1870), vi que a data era a mesma. Ter lido um
clássico natalino universal num lugar no meio do nada, onde quase ninguém sabia
ler, há quase meio século, deixa-me emocionada.
“Um Cântico de Natal” não é a rigor um livro infantil,
mas é encantador. Charles Dickens conta que o avarento Ebenezer Scrooge
detestava o Natal. Mudou de ideia depois das visitas do Espírito dos Natais
Passados; do Espírito dos Natais Presentes; e do Espírito dos Natais Futuros.
Na Palestina do meu tempo de criança, nada de Missa do
Galo (não havia padre!) e ceia de Natal. Nem presentes. No Ano-Novo havia o
pagamento de alvíssaras: prenda que se dá a quem traz boas novas. O almoço do
Dia do Nascimento na casa dos meus avós maternos era um banquete com leitoa e
peru devidamente engordados em casa.
No sertão, “o centro da comemoração era o Menino
Jesus, daí a imperiosa presença dos presépios e da ‘tiração de reis’ –
apresentação de reisados, autos natalinos de uma beleza indescritível... Não
havia a cultura de Papai Noel nem de presentes. Isso era lá no sertaozão bravo,
porque na capital, São Luís do Maranhão, o Natal já era infestado de Papai
Noel, ceia de Natal e que tais, embora até hoje os presépios sejam venerados”
(“Os rituais gastronômicos do Natal celebram o Menino Jesus?”, O TEMPO,
22.12.2009).
Na adolescência, li sobre os mercados de Natal na
Alemanha e fiquei fascinada. Quando morei em São Paulo, tive uma vizinha alemã
cujo maior desejo era voltar à Alemanha para visitar os mercados de Natal, que
ela descrevia como um mundo mágico, relembrando que, anualmente, sua família
visitava três mercados, que em nada se pareciam com a comercialização do Natal
a que assistimos hoje. No sul da Alemanha, recebem o nome de Mercado de Natal
do Menino Jesus; no essencial, “nada mais é do que uma feira ao ar livre com
comidas e bebidas típicas. Também tem artesanato, uma árvore de Natal bem
grande e um presépio em tamanho real” (Maracy, do blog “Pequenos pelo Mundo”).
O Mercado de Natal é tradição cristã alemã que remonta
à Idade Média. Em 2013, foram realizados 1.450 em toda a Alemanha, instalados
pouco antes do Domingo do Advento e encerrados no dia 23 ou 24 de dezembro. O
mercado de Frankfurt existe desde 1393; o Striezelmarkt, em Dresden, desde
1434; o de Nuremberg, o mais famoso, desde 1628. Há mercados de Natal de grande
expressão em Copenhague, Dinamarca; Bolzano, Itália; Helsinque, Finlândia;
Talin, Estónia; e Barcelona, Espanha.
(Mercado de Natal, em Berlim)
(Mercado de Natal de Frankfurt) (Mercado de Natal de Nuremberg)
Nos centros urbanos brasileiros há algo similar: bazar
de Natal, sem a dimensão de feira/mercado de Natal, com produtos a preços
baixos; e, em geral, são eventos cuja renda tem fins caritativos. “O bazar teve
origem em tempos antigos, chegando a se tornar cenário de muitas histórias
clássicas, como em ‘As Mil e Uma Noites’”.
Quando li que um caminhão carregado de aço atingiu
intencionalmente uma multidão no mercado de Natal em Berlim (19.12), no qual
morreram 12 pessoas e 48 ficaram feridas, senti um misto de espanto e dor. E de
imediato entendi que o que restava de espírito natalino seria enterrado com as
vítimas. Dizem que o atentado não tem sentido religioso, porém a escolha da
data e do evento dizem muito.
Cada atentado com a marca do terror é um escárnio à
visão de paz, que não prescinde da compreensão de que a Terra e tudo que nela
há nos foi dada para usufruto coletivo; logo, a paz não será alcançada num
mundo de desigualdades sociais.
(Mercado de Natal em Desdrem)
PUBLICADO
EM 27.12.16
[Por volta das 20h (hora local) de 19/12 um caminhão avançou contra uma feira de Natal na praça Breitscheidplatz, no bairro de Charlottenburg, em Berlim]
FONTE:
OTEMPO
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