(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica
– fatima.oliveira1953@gmail.com @oliveirafatima_
O aborto é presença frequente no noticiário no Brasil,
em páginas policiais e nas de política. Algumas manchetes desde 22 de novembro
passado: “Papa Francisco autoriza o perdão da Igreja Católica às mulheres que abortaram” (22.11); “Aborto até o terceiro mês não é crime, decide turma doSupremo” (29.11); “Após decisão do STF, Rodrigo Maia anuncia comissão especial para discutir aborto” (30.11); “A cada minuto uma mulher faz um aborto noBrasil” (5.12); e “Jovem morre após suspeita de aborto ilegal, e polícia retira corpo de velório” (8.12).
Dados do Ibope-Inteligência para a Pesquisa Nacional
do Aborto 2016, coordenada por Debora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto
Madeiro, realizada pela Anis – Instituto de Bioética e pela Universidade de
Brasília, e financiada pelo Ministério da Saúde, evidenciam que “uma em cada cinco mulheres, aos 40 anos, já fez, pelo menos, um aborto – isso significa que4,7 milhões de mulheres já abortaram; em 2015, foi mais de meio milhão; umamulher por minuto faz aborto no Brasil – uma mulher comum, católica ou evangélica, jovem e com filhos, que a cada minuto atravessa a fronteira dalegalidade para interromper ilegalmente uma gestação; mulheres nordestinas pobres, negras ou indígenas fizeram mais abortos que as brancas e com maior escolaridade”.
Em tal contexto, a decisão do STF é um avanço
argumentativo na luta pelo direito de decidir num país onde o aborto só não é
criminalizado em casos de gravidez decorrente de estupro e risco de vida da
gestante (1940) e em casos de anencefalia (2012).
O STF não descriminalizou o aborto: ele se pronunciou
exclusivamente sobre o “caso Duque de Caxias” – clínica clandestina de aborto
onde cinco pessoas, médicos e outros profissionais, foram acusadas de crime.
Pode virar jurisprudência? Em tese, sim!
O ministro Luís Roberto Barroso declarou que “os
artigos do Código Penal que proíbem o aborto até os três meses ferem direitos
garantidos pela Constituição”. E acrescentou: “Os direitos sexuais e
reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma
gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de
fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante,
que é quem sofre, em seu corpo e em seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a
igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação
plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria”.
Como disse o senador uruguaio Enrico Rubio, em
4.5.2004, em discurso proferido durante a votação da Lei de Defesa de Saúde
Reprodutiva: “O dilema não é pelo aborto ou contra o aborto. O dilema é pela
repressão como política ou pela despenalização como política, seguida de outras
coisas (...). As interrupções da gravidez se realizam, dezenas de milhões, sem
condenação coletiva, em todos os estratos sociais. Há um texto legal que está
desautorizado pela prática concreta de nossa sociedade”.
O aborto é uma expressão radical de resistência e
experiência milenar de milhões de mulheres; expõe dilemas morais e visibiliza
que não é ético obrigar a mulher a levar adiante uma gravidez quando ela não
quer ou não pode. As interdições ao aborto não impedem sua realização, apenas
tornam-no clandestino e inseguro, penalizando as pobres, entre elas as negras,
que recorrem aos piores lugares, arriscando a saúde e a vida.
Em nosso país, o aborto inseguro é a quinta causa de
morte materna. Um Estado laico que nega a suas cidadãs o acesso ao aborto
seguro é cruel.
PUBLICADO
EM 13.12.16
FONTE:
OTEMPO
Você poderá gostar de ler:
Fragmentos da luta pela maternidade voluntária no Brasil, Fátima Oliveira (07.04.2012)
Releitura de “As mulheres abortam porque precisam”, Fátima Oliveira (26.09.2014)
Microcefalia: a República cala e permite a imolação das grávidas, Fátima Oliveira, (19.01.2016)
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