(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica
- fatima.oliveira1953@gmail.com @oliveirafatima_
Até 2002, o feminismo, sem muitas ilusões, apresentava
às candidaturas ao Executivo (Presidência da República, governos estaduais e
municipais) a plataforma eleitoral das mulheres – prática iniciada após a
redemocratização do país (1985). A “Plataforma das Mulheres” servia de guia
para a ação após as eleições. Era com ela nas mãos que conversávamos com os
novos governos sobre as demandas femininas mais prementes. Era um documento
geral, em que pontuávamos temas como creches, lavanderias e restaurantes públicos,
escolas de qualidade, delegacias de mulheres, casas-abrigo, combate à
mortalidade materna e implantação dos serviços de aborto previsto em lei
(estupro e risco de vida da gestante). Após a Conferência de População do
Cairo, em 1994, incluímos direitos reprodutivos.
O maior problema era, a cada quatro anos, “ensinar”
aos secretários estaduais e municipais de Saúde a história do Programa de
Assistência Integral à Saúde da Mulher, de 1983/1985, e o conceito de direitos
reprodutivos. Ô canseira! Quando estavam quase aprendendo, chegavam novos
governos e secretários! Sem falar nas habituais trocas de secretários durante
uma mesma gestão! E nós lá, penitentes: “Caminhando e cantando e seguindo a
canção”...
Nas eleições de 2014 não li “Plataforma das Mulheres”
às candidaturas à Presidência da República nem aos governos estaduais. Em 2016,
desconheço documentos reivindicatórios de igual teor das candidaturas às
prefeituras! O que não quer dizer que não foram feitos, apenas que não os
conheço.
Se não foram elaboradas, é lamentável! Mas é
catastrófico na área de saúde da mulher, porque estamos em plena “era do leilão
de ovários” – os corpos femininos como alicerce da agenda fundamentalista –, e
a luta contra as trevas é de âmbito local: Estados e municípios, numa conjuntura
em que saúde da mulher, direitos sexuais e direitos reprodutivos são
terminologias proscritas da agenda da saúde pública brasileira – uma derrota
significativa que foi iniciada ainda no primeiro governo Dilma Rousseff.
Se não há “Plataforma das Mulheres”, até agendar uma
conversa com os novos governos será mais difícil. No entanto, não chegaremos a
eles sem nada nas mãos porque temos instrumentos de cobrança de políticas
públicas que nos foram legados pelo governo Lula. Eis alguns: Lei Maria da Penha
(2006), Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004) e Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2009). Ou seja, é dever
lutar para garantir em cada município as ações decorrentes de tais políticas,
ou elas serão relegadas ao esquecimento porque são ações para gente, e não
“causa”!
No cenário nacional conturbado – de perda de direitos
e uma avalanche de notícias sobre outras prováveis perdas; e o fundamentalismo
cristão, além de ser contra o aborto, empunha uma nova bandeira: a cruzada
contra a teoria de gênero –, onde vivemos precisa ser nossa trincheira de luta
por nenhum direito a menos. Tem nome agir assim: é pragmatismo político, que
nos mostra que uma das saídas é ocupar os espaços de participação popular em
defesa dos direitos conquistados. Em outras palavras, está na ordem do dia a
participação feminista qualificada nos conselhos em cada município e em cada
Estado, já que perdemos a zona de conforto e, de algum modo, o “luxo” de
Presidência da República sensível aos direitos da mulher.
Há muita luta a ser “lutada” para além das lamentações
e da resistência ao conservadorismo aboletado no governo brasileiro que está a
exigir muito de quem ama a democracia.
PUBLICADO
EM 01.11.16
FONTE: OTEMPO
A resistência no combate às trevas deve ser feita nos Estados, Fátima Oliveira (07.06.2016) O novo cenário nacional das eleições municipais de 2016, Fátima Oliveira (06.09.2016)
Prefeituras amigas da população: patrimônios a conquistar em 2016, Fátima Oliveira (13.09.2012)
Eleição é tempo de promessas e, nosso papel, cobrar cumprimento, Fátima Oliveira (04.10.2016)
A cruzada do papa Francisco de satanização da teoria de gênero, Fátima Oliveira (25.10.2016)
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