Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
O papa Francisco, do alto da suposta infalibilidade papal, falseia a verdade sobre a teoria de gênero e a considera uma ideologia – uma invenção do contradiscurso cristão, de extração católica e evangélica, que é uma das maiores desonestidades intelectuais de todos os tempos!
Há uma guerra ideológica de fundamentalistas cristãos no mundo contra o conceito de “gênero”. No Brasil, o acirramento ocorreu na tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014) no Congresso Nacional, que excluiu gênero e orientação sexual, deixando as batalhas finais para as esferas estaduais e municipais – um caos com ares de terceira guerra mundial! E o Senado, afagando negociantes de Deus, excluiu, em 9.3.2016, a perspectiva de gênero como uma das atribuições das secretarias de Políticas para as Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
Precisamos ter seriedade diante de palavras cujo envolvimento com a sexualidade é explícito. Por exemplo: intersexuais, gays, lésbicas, bissexuais, transformistas, travestis, transexuais, transgêneros, gênero, identidade de gênero/identidade sexual, expressão de gênero e orientação sexual. Destaco que as interfaces da saúde sexual e dos direitos sexuais com os direitos reprodutivos são relevantes para a sexualidade.
(Joan Scott (1941-), historiadora estadunidense, escreveu um célebre artigo que demarca uma leitura pós-estruturalista a respeito do gênero, explorando seus potenciais analíticos de desconstrução e ressignificação)
(Gayle Rubin (1949-), antropóloga estadunidense, escreveu um ensaio que marcou influência principalmente até o início da década de 90, definindo o que ficou conhecido como "sistema sexo/gênero")
É incontestável que há sexo genético (cromatínico), sexo gonadal (hormonal ou endócrino), sexo morfológico (anatômico), sexo psicológico (comportamental, emocional e cognitivo), sexo social, sexo jurídico, papel sexual, orientação sexual e parafilias. E teoria de gênero? Gênero é uma categoria analítica. Trata do significado político, econômico, cultural e social da feminilidade e da masculinidade. As relações entre os sexos não são ditadas pelas suas diferenças biológicas em si, mas pela construção social de mulher e de homem. Opressão de gênero é a opressão do sexo feminino, resultante dos privilégios masculinos e das relações de poder.
Enquanto categoria analítica, referendada pelo sistema Nações Unidas (ONU), gênero foi um “achado” para a análise da cidadania de segunda categoria da mulher – a expressão da opressão de gênero, resquício do patriarcado –, apesar dos limites e das insuficiências na teoria de gênero: o binarismo de gênero, que só inclui mulheres e homens, pois só enfoca aspectos socialmente construídos da feminilidade e da masculinidade (a “criação”) em correspondência com o sexo biológico.
O artigo “13 vezes em que o papa Francisco falou contra a ‘ideologia de gênero’ e o ‘casamento gay’” evidencia que, como as cruzadas religiosas contra leitos obstétricos para o aborto atrapalham, mas não impedem o direito de decidir, encontraram novo alvo: a categoria analítica gênero, em nome da defesa da família!
O papa Francisco pratica terrorismo ao dizer coisas tais como: “Há as colonizações ideológicas das famílias, modalidades e propostas que estão na Europa e provêm também de além-mar. E ainda o erro da mente humana que é a teoria de gênero... Assim, a família está sob ataque” (Nápoles, 21.3.2015); “Muitos problemas escondem ideologias... E uma delas – digo-a claramente por ‘nome e apelido’ – é o gênero! Hoje, às crianças – às crianças! –, nas escolas, ensina-se isto: o sexo, cada um pode escolhê-lo’ (Cracóvia, 26 a 31.7.2016); “Há uma guerra mundial contra o casamento, e a teoria do gênero é uma grande inimiga do matrimônio” (Geórgia, 1.10.2016).
O patriarcado prospera sob o manto do fundamentalismo e deseja que o mundo seja regido por visões teocráticas. E o papel das mulheres em luta é se insurgir contra as trevas!
PUBLICADO EM 25.10.16
FONTE: OTEMPO
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