(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica
– fatima.oliveira1953@gmail.com @oliveirafatima_
Em tempos de papa “morde e assopra” – sataniza a teoria de gênero e exorta aos homens que ouçam as mulheres – e da misoginia de
Donald Trump entronizada na Casa Branca, dá arrepio pensar. Eu vivi os tempos
Bush, pai e filho, e Regan. Sei do que falo e do que temo. É quase um
desalento.
No horizonte, uma disputa ideológica titânica
pertinente às questões de saúde pública – o primeiro ato de Trump foi contra o
Obamacare (2010), que garantiu seguro de saúde para milhões de americanos.
Trump, em ordem executiva, reduziu a “carga financeira” e regulatória do
sistema antes de derrogar a lei e substituí-la.
Trump desferirá ataque brutal aos direitos sexuais e
aos direitos reprodutivos. De certeza contará com o apoio irrestrito da Santa
Sé e do Vaticano! A conjuntura é de somatória de fundamentalismos, lançando
tentáculos de modo danoso e singular sobre quem vivencia situações de
vulnerabilidade, a exemplo das opressões de gênero, racial/étnica e de classe.
Do site da Casa Branca foram eliminadas as páginas sobre direitos LGBT e civis
e mudanças climáticas.
(Regan, Bush e Trump)
Pontuo que ele tem o compromisso com o movimento Tea
Party – ultraconservador e ultradireitista, um braço do Partido Republicano –
de restabelecer, via ação executiva, a lei ou regra da mordaça, ou Regra da
Obstrução Global, conhecida como Global Gag Rule, criada por Ronald Regan
(1981-1989). Foi rechaçada por Bill Clinton (1993-2000) e restaurada por Bush
Filho (2001-2008). Conforme a Global Gag Rule, as organizações estrangeiras que
recebem fundos norte-americanos, públicos ou privados, para planejamento
familiar, saúde sexual e saúde reprodutiva estão proibidas de falar sobre
aborto.
No primeiro dia do governo de George W. Bush, o
primeiro ato foi legislar sobre os corpos das mulheres do mundo inteiro,
reeditando, como uma religião a ser seguida, a maldita Global Gag Rule e, ao
mesmo tempo, estimulando, com muito apoio financeiro, a abstinência sexual –
promessa de se manter virgem até o dia do casamento. Todos os governos do mundo
disseram “amém”.
Pesquisas do governo norte-americano sobre a cruzada
pela preservação da virgindade – levada a cabo por grupos cristãos e por George
W. Bush – concluíram que não foi reduzido o contágio de Doenças Sexualmente
Transmissíveis (DSTs), pois a maioria dos adolescentes que se comprometeram a
abster-se sexualmente antes do casamento mandou o compromisso às favas.
Registrou-se taxa igual de transmissão de DSTs dos demais pesquisados: 12 mil
adolescentes, entre 12 e 18 anos, foram acompanhados por oito anos, dos quais
88% dos que prometeram castidade tiveram relações sexuais antes do casamento.
Conforme Peter Bearman, sociólogo da Universidade de
Columbia e condutor da pesquisa mesmo entre quem manteve o compromisso de
abstinência ou prorrogou a idade de sua primeira experiência, poucos usavam
métodos anticoncepcionais, correndo, por isso, o mesmo risco de contágio por
DSTs ou de gravidez! Para ele, “o movimento a favor de uma educação sexual
baseada na abstinência induz não apostar em campanhas de informação sobre o
sexo seguro, o que se torna contraproducente”.
(enfermeira brasileira Myriam Marques, de turbante laranja)
O patriarcado prospera sob o manto do fundamentalismo
e estimula visões de mundo puritanas e teocráticas. O papel das mulheres é se
insurgir contra as trevas! (como expliquei em “A cruzada do papa Francisco de
satanização da teoria de gênero”, de 25.10.2016). As norte-americanas, com
apoio do feminismo mundial, sabem que consolidar o Estado laico é a exata
contraposição ao fundamentalismo religioso, portanto marcharam contra o
fortalecimento das ideias patriarcais.
PUBLICADO EM 24.01.17
FONTE:
OTEMPO
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