Fátima
Oliveira
Médica
- fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Há anos, desde que o li, se tiver de indicar um livro
para alguém, não tenho dúvida de que é “O Futuro Roubado”, de Theo Colborn,
Dianne Dumanoski e John Peterson Myers (L&PM Editores, 1997), que elenca e
analisa estudos científicos sobre agentes químicos sintéticos que alteram os
sistemas hormonais e que ecologistas e ecólogos, 30 anos antes de sua
publicação, apontavam como deletérios ao meio ambiente e à saúde animal e à
humana.
Por sua magnitude em dados científicos irrefutáveis, é
reconhecido como uma continuação de “A Primavera Silenciosa”, da bióloga
marinha Rachel Carson (1907-1964), publicado em setembro de 1962 – hoje um
clássico da área da consciência ambiental planetária. A autora é uma
celebridade mundial que, para o jornal inglês “The Guardian”, ocupa “o primeiro
lugar entre as cem pessoas que mais contribuíram para a defesa do meio ambiente
em todos os tempos”.
O pioneirismo, a paciência, a sagacidade e o mérito de
Rachel Carson como cientista são inegáveis. Ela sistematizou “toda a literatura
científica disponível à época, numa brilhante obra literária de denúncia e
divulgação científica”, ao mesmo tempo em que divulgou e reavivou a Teoria da
Evolução de Darwin/Wallace “numa América conservadora e religiosa”.
(Rachel Carson)
Para Alexandre Sallum, “de maneira demolidora, Rachel
Carson explicou e denunciou o perigo dos pesticidas, apesar do título poético,
uma referência ao silêncio dos pássaros mortos pela contaminação dos
agrotóxicos... No primeiro capítulo, ‘Uma fábula para o amanhã’, a autora
descreve, liricamente, um lugar onde as árvores não davam folhas, os animais
morriam, os rios contaminados não tinham peixes e, principalmente, os pássaros
que cantavam na primavera haviam sumido” (“A Primavera Silenciosa”, de RachelCarson, 2012).
José A. Lutzenberger (1926-2002): “O que precisamos questionar é a tecnologia dos agrotóxicos em si”.
O primoroso prefácio da edição brasileira de “O Futuro
Roubado” é do agrônomo e ambientalista José A. Lutzenberger (1926-2002), no
qual declara: “O que precisamos questionar é a tecnologia dos agrotóxicos em
si”. A edição norte-americana foi prefaciada pelo Nobel da Paz 2007 e ex-vice-presidente
(de Bill Clinton, 1993-2001), Al Gore, que afirma: “Estudos com animais e seres
humanos relacionam os agentes químicos a inúmeros problemas, como infertilidade
e deformações genitais; cânceres desencadeados por hormônios, como o câncer de
mama e o de próstata; desordens neurológicas em crianças, como hiperatividade e
déficit de atenção; e problemas de desenvolvimento e reprodução em animais
silvestres...
“Os organoclorados e outros produtos estão causando
uma profunda alteração na base da sobrevivência dos seres vivos do planeta.
Causam disfunções hormonais, levando à masculinização das fêmeas e à
feminilização dos machos. Na espécie humana, já há uma queda em 50% da
fertilidade pela progressiva destruição dos espermatozoides”.
“O Futuro Roubado” é um livro-síntese da literatura
científica até 1996. É um livro-guia: depois que o li, sempre que avalio estar
sendo ludibriada, na vida privada ou na pública, sou instada a reagir, pois o
referido livro aparece flutuando em minha mente como um alerta para que eu não
me cale! E nos roubam muito, quase tudo, até o parto, como relato em “O partoroubado é um conceito político de resistência”.
O título “O Futuro Roubado” hoje é mais que um livro.
É também um conceito político de resistência aplicável a conjunturas políticas
que retiram, usurpam, entravam direitos e roubam a cidadania, tornando perenes
as assimetrias econômicas, as exclusões e as vulnerabilidades sociais e
políticas.
PUBLICADO EM 10.05.16
FONTE: OTEMPO
Disponíveis em português na internet:
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