Herança da cultura escravista que urge ser erradicada
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
Estou a matutar com meus botões, após ler duas
matérias sobre o racismo nosso de cada dia: “‘Não vou sujar minha mão com umaraça ruim’, disse australiana presa por racismo em Brasília” – fato ocorrido em
um salão de beleza, local que tem aparecido de vez em quando na mídia como
feudo de racismo, da clientela ou de trabalhadores; e “Racismo explica 80% dascausas de morte de negros no país”, que é um saber público, denunciado inúmeras
vezes.
(A manicure Thássia, que foi alvo de racismo por Loise Stefani Garcia Gaunt em Brasília: "Me senti muito humilhada, nunca tinha passado por isso. Não achei direito ela chegar no meu trabalho e me humilhar. Nunca pensei que fosse passar por isso").
[A dona do salão de beleza onde houve o caso de racismo, Eliete Lima de Carvalho (Foto: Raquel Morais/G1)]
Eu mesma já disse em “O racismo mata, às escancaras,
todo dia”, minha segunda crônica neste jornal, em 10 de abril de 2001! Então,
disse: “Na Conferência das Américas, em Santiago do Chile (2000), preparatória
da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, fui à tribuna dizer que, em meu
país, o Brasil, as crianças negras morrem mais que as brancas e, para mim, tal
fato é prova de racismo”.
“Mencionei evidências do racismo na pesquisa em dois
estudos feitos nos Estados Unidos. O estudo Canto, coordenado por John Canto,
Universidade do Alabama (2000), mostra que negros, independentemente do sexo,
têm probabilidades bem menores que brancos de receber tratamento de grande
eficácia para ataques cardíacos. O caso Tuskegee, história clássica de racismo
descrita no filme/vídeo “Cobaias”, revela que, de 1932 a 1972, o Serviço de Saúde
Pública dos EUA pesquisou, em Tuskegee, no Alabama, 600 homens negros – 399 com
sífilis e 201 sem a doença (...). Nos anos 50, chegou a cura para a sífilis,
com a penicilina – proibida para as cobaias do estudo Tuskegee. Após 40 anos,
74 sobreviventes. Mais de cem faleceram de sífilis ou de suas complicações. Em
1997, quando Bill Clinton pediu desculpas pelos erros e abusos cometidos pelo
governo dos EUA, os sobreviventes eram apenas 8!”.
Seppir precisa ser mais
arrojada em exigir do
governo uma medida
que diga que é uma
política de Estado a
tolerância zero
contra o racismo
arrojada em exigir do
governo uma medida
que diga que é uma
política de Estado a
tolerância zero
contra o racismo
(Avenida Prudente de Morais , 1038 , Cidade Jardim, Belo Horizonte - MG)
E fui aos meus guardados. Escrevi “Bete, a manicure que se ufana de ser uma preta racista” (O TEMPO, 4.12.2012). Mais de um ano
depois, a delegacia nem sequer convocou a manicure Elizabete da Conceição Vaz
Soares, a Bete, para ouvi-la! E ela continua lépida, fagueira e racista no Dell
Cabeleireiros da avenida Prudente de Morais. E a coordenadoria municipal de
Promoção da Igualdade Racial de Belo Horizonte nunca conseguiu um horário para
ouvir-me, embora eu tenha tentado inúmeras vezes durante dois meses! A
coordenadora estava sempre sem agenda! Eu não queria nada além de dizer que
estava à disposição para ajudar a pensar “ações de tolerância zero contra o
racismo” nos salões de beleza.
Quantos séculos
ainda teremos pela frente até uma nação livre de racismo? Não atino o que o
governo brasileiro está esperando, pelo menos, para escrever uma “Carta de
Compromissos do Estado Brasileiro para a Erradicação do Racismo” – algo capaz
de dizer que o Brasil abomina práticas racistas, para além das pequeninas
políticas públicas, quase cosméticas, para minorar os efeitos do racismo, posto
que elas são necessárias, mas insuficientes, atuam sobre fatos consumados e
nada possuem de pedagogia antirracista.
O racismo vige
no Brasil sob a batuta de uma cultura racista, herança da cultura escravista
que urge ser erradicada. Não suplantaremos uma cultura racista secular sem que
o governo queira erradicar as bases ideológicas da cultura racista. Entendo que
a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) precisa ser
mais arrojada em exigir do governo uma medida que diga com todas as letras que
é uma política de Estado a tolerância zero contra o racismo. Penso que o
caminho é por aí... Ou a Seppir discorda?
(Duke)
PUBLICADO EM 25.02.14 FONTE: OTEMPO
Achei muito bom
ResponderExcluirA “australiana” racista ganha habeas-corpus canguru. Pra ela não tem Sheherazade. Ainda bem, somos civilizados
ResponderExcluir17 de fevereiro de 2014 | 18:32 Autor: Fernando Brito
A imprensa brasileira se compraz de ver um juiz negar prisão domiciliar para José Genoíno, mesmo este tendo graves problemas cardíacos.
É isso aí, Juiz tem que ser impiedoso, durão, implacável.
Mas não li uma palavra de indignação, um comentarista “cult” protestando contra o que aconteceu em Brasília, com a soltura, quase que imediata, de uma mulher, de naturalidade australiana – mas naturalizada brasileira Louise Stephany Garcia Gaunt- que reiteradamente praticou crime de racismo, ao se recusar a ser atendida por uma manicure negra, mandou-se se retirar do ambiente e ainda ofendeu outra cliente, negra, e um policial – também negro – que atendeu o caso.
Nem mesmo 24 horas a cidadã ficou presa, por um crime que é inafiançável.
Foi solta por um habeas-corpus, sobre o qual a imprensa nada diz, inclusive o nome do sr. Juiz que o concedeu.
Nenhum senhor Promotor Público apareceu protestando e recorrendo, em nome da sociedade, da decisão.
Não teve “Sheherazade” para dizer que seria “compreensível” se a negra Tassia, desencatada com a Justiça que “protege australiana bandidinha” tivessem acorrentado a mulher pelo pescoço a um poste e arrancado suas roupas, deixando-a para a polícia.
Porque Tassia, suas colegas e a dona do salão foram pessoas civilizadas, que fizeram o correto, enfrentar a ofensa e chamar a polícia, que cumpriu a lei e levou a racista à prisão.
Sua atitude é um exemplo de que a sociedade não é feita de bárbaros, diz a Barbie que fala que nosso país não é civilizado. Talvez a senhora Gaunt., que estudou na escola Americana de Brasília, é quem não seja. E olhe que ela é servidora pública, com o salário pago por todos, inclusive a negra Tassia.
Ninguém quer agredi-la ou linchá-la, mas que seja tratada com a lei. Nem que mofe na cadeia, mas que a imprensa ao menos apure e divulgue o que levou o juiz a soltá-la.
Temos uma lei, a lei Caó, que pune o crime e não permite o relaxamento da prisão por fiança e temos uma imensa maioria de pessoas que quer vê-la respeitada.
Maioria talvez não tão grande numa Justiça que funciona de maneira descaradamente discriminatória, que sai correndo para cuidar de gente “boa” como a D. Louise.
Gente tão boa que destila ódio nas páginas dos sites da grande mídia, como você pode ver vos comentários postados a respeito do vídeo, no site do Terra.
http://tijolaco.com.br/blog/?p=14190