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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Os legados contraculturais de Norma Benguell e Gabriela Leite



A morte de dois ícones do hedonismo dos anos 1960 e 1970
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
A primavera 2013 levou a atriz e cineasta Norma Benguell (1935-2013) e a encantadora prostituta e feminista Gabriela Leite (1951-2013) – ícones do hedonismo e de um postulado-alicerce da contracultura dos anos de 1960 e 1970: “Liberdade nos relacionamentos sexuais e amorosos”.




Norma Benguell foi manequim da Casa Canadá, nos anos de 1950; do teatro de revista de Carlos Machado; fez chanchada e gravou discos. Estrela do Cinema Novo, chegou à Europa a bordo de dois sucessos do nosso cinema: “Os Cafajestes” e “O Pagador de Promessas” – obra de Dias Gomes, filme de Anselmo Duarte, 1962, que ganhou em Cannes a única Palma de Ouro do Brasil, no qual Norma Benguell interpretava a prostituta Marli!
 
  Em “Os Cafajestes”, de Ruy Guerra (1962), fez o primeiro nu frontal do cinema nacional; estrelou 64 filmes, peças de teatro, novelas e séries de TV. Dirigiu quatro filmes: “Eternamente Pagu” (1988); “O Guarani” (1996); “Magda Tagliaferro – O Mundo dentro de um Piano” e “Infinitamente” (2005). Perseguida pela ditadura de 1964, em 1971 ficou exilada em Paris. 


passeata.leila.diniz (Eva Tudor, Tonia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Benguel abrem uma passeata contra a censura, no longínquo ano de 1968. A foto é da Agencia JB.)

 (1962 – O pagador de promessas de Anselmo Duarte – Palma de Ouro de melhor filme)
 (Norma Benguell e Leonardo Vilar, Cannes, 1962)



Untitled-3  Afirmou ter feito 16 abortos – jovem na era pré-pílula, optou não ser mãe. Viúva do ator italiano Gabrielle Tinti, viveu com ele por 30 anos. Indagada sobre como o conheceu, disse: “Dei uma festa que achei muito chata. Aí eu peguei um amigo e fomos dançar no Clube 84. Às seis da manhã, a casa estava toda aberta, não tinha mais ninguém, só um homem deitado no sofá. Eu falei: ‘Meu filho, a festa acabou’. Quando ele abriu os olhos azul-violeta, eu completei: ‘O quarto de hóspedes é ali’. E casamos”.


Aprendi com Gabriela
que prostituição não
é o mesmo que
exploração sexual e
que prostitutas não
vendem seus corpos,
vendem prazer.
 
  (Vila Mimosa Foto de Cláudia Rangel)

Gabriela Leite abandonou a faculdade de sociologia na USP, fim dos anos de 1970, para ser prostituta na Boca do Lixo, segundo ela, por “pura porra-louquice”. Começou a luta contra a repressão policial às prostitutas. De Sampa, foi para BH – “Toda prostituta um dia vai para BH ganhar dinheiro, lá tem muito cliente” –, onde ficou um ano. Seguiu para o Rio de Janeiro, em 1982, onde se encantou pela Vila Mimosa: “E esse foi um dia muito importante na minha vida, um dia  que nunca vou esquecer... Entrei na Vila Mimosa e amei. Parecia a zona de cidade do interior...
Aquelas máquinas de música tocando em todas as casas. O som daquelas músicas bregas, tudo colorido. A imagem que eu tive da Vila Mimosa era a de uma grande festa. E fui ficando lá”.
 
[gabriela+leite+2.jpg]740810Grife DaspuCapa do livro "As Meninas da Daspu" contou com a "ajuda" de uma das entrevistadas 
 (Gabriela Leite e seu livro: Filha, mãe, avó e puta)
 
De Vila Mimosa bateu asas na organização do Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas, em 1987, na criação do jornal “Beijo da Rua”, em 1988, ONG DaVida, em 1990, e a grife Daspu, em 2005: “Serão roupas insinuantes, sensuais, mas   sem vulgaridade. Queremos resgatar a elegância das meninas do passado”; “a   linha de batalha vai ser ousada, provocante, sem ser ridícula ou vulgar”. Foi o que registrei em “A Daspu é um deslumbre” (O TEMPO, 7.12.2005). Escreveu o livro “Filha, Mãe, Avó e Puta”, que virou peça de teatro (2009). Indagada sobre em qual desses papéis ela mais se realiza, disse: “Eu gosto muito de ser avó. Mas também gosto muito de ser puta”.
 
 (Gabriela Leite, fundadora da Daspu, e o deputado federal Jean Wyllys)
Portal Photos | Fotografia e Arte (Fernando Gabeira Foto: Luiz Garrido)

Gabriela Leite - A ativista da Daspu tem saudade dos tempos de bailinho:  Guerreira dos direitos humanos das prostitutas, profissão reconhecida em 2002 pelo Ministério do Trabalho. Com Fernando Gabeira (PL 98/2003), lutou pela regulamentação da profissão, sem sucesso; ao morrer, apoiava o PL 4.211/2012, do deputado federal Jean Wyllys (PSOL), “Lei Gabriela Leite”, que garante direitos trabalhistas e legaliza prostíbulos.
 
  (Gabriela Leite e o marido, Flavio Lenz)

Deixou duas filhas, uma neta e o marido, o jornalista Flávio Lenz. Aprendi com Gabriela que prostituição não é o mesmo que exploração sexual e que prostitutas não vendem seus corpos, vendem prazer.

PUBLICADO EM 15.10.13
 FONTE:
OTEMPO
  (Dancing, Di Cavalcanti)
Gabriela Leite no Roda Viva (1.6.2009)

9 comentários:

  1. Até chorei! Linda mulheragem. merecida, também

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  2. Fátima, estou maravilhada. parabéns

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  3. Emocionante. Sinto-me contemplada em sua mulheragem a duas mulheres destemidad

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  4. Fatima, estive no velório de Gabriela. Foi emocionante, como esta tua homenagem. Lá estavam todas essas personagens que acompanharam a trajetória de Gabriela.

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  5. Essa Fátima Oliveira tem tendência, ou é uma P... in pectoris. Quem escreve o qu ela escreveu é contra a família e contra Deus

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  6. São duas brasileiras a qem noós, mulheres de hoje, devemos muito. Beleza de crônica

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  7. A pessoa que defende uma mulher que diz ter feito 16 abortos outra que diz que gosta muito de ser puta é pior do que elas

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  8. Pior mesmo, é deixar envolver por preconceitos em pleno século XXI,o respeito ao outro é fundamental,independente do que a pessoa seja.Agora seu Josué, se você está mesmo bem informado deve lembrar que Cristo perdoou Maria Madalena e aí?

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