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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Urge resistir ao desvio de missão dos serviços de saúde

 Foto: DUKE

Como deixar um doente num lugar onde ele pode morrer?
Fátima Oliveira
Médica -  fatimaoliveira@ig.com      @oliveirafatima_

A falta de retaguarda de leitos hospitalares para quem não precisa permanecer em pronto-socorros e necessita de internação é o gargalo que explica em parte a superlotação de UPAs e pronto-socorros de Belo Horizonte.
Outros motivos são a insuficiência e a baixa resolutividade da rede básica, além do acesso dificultado a ambulatórios de especialidades. Nenhuma novidade. As autoridades sanitárias responsáveis sabem disso há muito tempo. Todavia, as medidas que deveriam ter sido tomadas não foram levadas a cabo à altura do problema.
A rotina em Belo Horizonte é a superlotação de urgências e emergências, que viram "casa de passagem" - local de "espera de vaga hospitalar", que demora e muitas vezes não sai, o que transforma as chamadas observações em enfermarias!
Não é surpresa o fenômeno da superlotação resultar em impossibilidade de um pronto-socorro cumprir a sua missão 24 horas: atender urgências e emergências, até por uma questão de lei da física: dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço.
As UPAs viraram "postões", desviadas da missão para a qual foram "inventadas", - equipamento intermediário de atenção capaz de resolver pequenas e médias urgências. As UPAs atendem um número enorme de consultas, obrigação de postos e/ou ambulatórios. Não é só que as pessoas vão às UPAs porque não sabem a finalidade delas, mas é, sobretudo, porque a rede básica não dá conta da demanda.
É o olhar sobre o desvio de função e suas causas que permite entender a superlotação de urgências e emergências, situações que possuem responsável: o gestor municipal. Não há dúvida! Tanto faz ser em Belo Horizonte como em qualquer município que enfrente situação similar, embora nas capitais, incluindo a região metropolitana, tal "inferno de Dante" é em muito piorado.
Muitos municípios das regiões metropolitanas fazem de conta que não têm nenhuma obrigação sanitária para com seus cidadãos, apenas compram ambulâncias para desovar doentes na capital 24 horas, ininterruptamente. As exceções são raras.


Negar vaga ao Samu,
não é só imoral,
é criminoso, assim
como "desovar"
doentes não é missão
do Samu nem pode
passar a ser rotina


A garantia do exercício do direito constitucional à saúde é dever, primeiramente, do governo do local onde o doente se encontra. Ou seja, do gestor municipal. É inaceitável que tal responsabilidade seja jogada nos ombros das instituições de saúde e dos profissionais que lá trabalham, atendendo doentes ou coordenando plantão.


 A regra tem sido a inversão do óbvio, configurando que as prefeituras querem fazer cortesia às custas do chapéu alheio (médicos e serviços de saúde, que não os próprios), sem a contrapartida de condições de trabalho. Em ano eleitoral, a tendência é piorar, em todos os sentidos, inclusive com a adoção do abuso de poder como regra geral, a exemplo de um serviço que deve primar pela excelência em salvar vidas, como o Samu, sendo obrigado a adotar a prática de desova - deixar o doente em local sem vaga, isto é, leito mais suporte de recursos humanos e equipamentos necessários ao doente grave.

 Como cidadã, exijo um Samu cada vez mais de excelência. Como médica, sei e cumpro o meu dever moral, ético e político de "me virar" para dar retaguarda real ao Samu; mas quedo-me ao concreto: as vidas não são virtuais. Compartilho da opinião de que negar vaga ao Samu (ter a vaga e mentir que não tem) não é só imoral, é criminoso, assim como "desovar" doentes não é missão do Samu nem pode passar a ser rotina, pois também não é apenas imoral, mas criminoso. Como deixar um doente que pode sobreviver num lugar onde ele pode morrer?

Publicado no Jornal OTEMPO em 24.01.2012




 Logo SAMU Vertical Coloridas O SAMU 192 (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) faz parte da Política Nacional de Urgências e Emergências desde 2003, e ajuda a organizar o atendimento na rede pública prestando socorro à população.
Com o SAMU 192, o governo federal está reduzindo o número de óbitos, o tempo de internação em hospitais e as sequelas decorrentes da falta de socorro precoce.
O serviço funciona 24 horas por dia através de chamada gratuita para o telefone 192 e conta com equipes de profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e socorristas que atendem às urgências de natureza traumática, clínica, pediátrica, cirúrgica, gineco-obstétrica e de saúde mental da população.
FONTE: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/FOLDER_SAMU.pdf

 Servidores querem reajuste e melhores condições (Fotos: Portal Infonet), 20.092010, Sergipe)

  Salários atrasados provacam paralisação do Samu, em Guanambi, Bahia (19.11.2011). [(Foto: Farol da Cidade)]
 SAMU não é “Médico Delivery” e muito menos “Táxi”!

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6 comentários:

  1. O SAMU é um patrimônio inestimável do povo. Mas realmente enfrenta problemas de ordem local, ou seja, gosvernos estaduais e municipais não investem o necessário para que o SAMU tenha retaguarda de leito e deixe de viver peregrinando. É assim em tudo quanto é canto. Está errado. O povo precisa mesmo brigar para que o padrão de excelência do SAMNU seja mantido

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  2. Gostei. Concordo com Fátima Oliveira e acho que o SAMU precisa ter retaguarda real de leitos e que cabe ao gestor municipal garantir isso, com leitos de fato e não desovando doentes. Para o Samu salvar vidas de fato precisa de ter lugar certo e adequado para deixar os doentes. Claro que isso é possível, basta fazer a estimativa do que é necessário

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  3. Gostaria de subscrever os comentários da Vanda Feitosa e sa Eline das Chagas e lembrar que Belo Horizonte tem gestão plena do SUS, de maneira que é tem total responsabilidade no qu aqui acontece. Fátima Oliveira relembra que as práticas de abuso de poder vão se acirrar em ao eleitoral. E não é de se duvidar mesmo que a pressão da PBH sobre os pronto-socorros aumente insensatamente porque o prefeito é candidato a reeleição e a sua principal promessa de campanha na árewa de saúde que é o Hospital Metropolitano do Barreiro ele não cumpriu. Dizem que a obra está parada há algum tempo, então ele vai pedir voto novamente é em cima do chapéu dos outros já que não deu conta de faze ro dele e o Odilon Behres por mais que faça tem amarca do patrus Ananias, um prefeito inesquecível que deu à cidade tudo o que prometeu e muito mais: o que pode

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  4. Sem muitas palavras, mas é tudo muito assustador

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  5. Não tenho muito a dizer apenas que precisamos lutar muito ainda pelo direito universal à saúde

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  6. Fátima estou com você na sua luta. Os nossos doentes têm direito a uma saúde pública digna.

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