FOTO: DUKE
Aborto inseguro é causa de óbitos maternos no Brasil
Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
No atual governo, o Brasil patina quando instado a referendar sua laicidade e a agenda republicana; e o faz às custas dos corpos das brasileiras, não fugindo à regra fundamentalista de santificar a maternidade e de satanizar as mulheres. Ai, meus sais!
Estamos numa encruzilhada. Há satanização maior do que, sem revogar a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento (2004), ao emitir uma Medida Provisória (MP) que diz ser linha auxiliar do combate à morte materna, omitir a atenção ao aborto inseguro, não mencionar a palavra aborto nem usar a terminologia direitos reprodutivos?
Desconfio de quem desconhece o aborto inseguro como causa importante de óbitos maternos no Brasil. A MP 557 viola o direito à privacidade (cadastro nacional de grávidas); e sua exposição de motivos desconhece o inteiro teor e a extensão dos compromissos do Brasil no âmbito da ONU, não restritos às Metas do Milênio (Cúpula do Milênio, Nova York, 6 a 8.9.2000) nem por elas anulados.
Haverá uma MP para cada Meta do Milênio: 1. Erradicar a pobreza e a fome; 2. Atingir o ensino básico universal; 3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde materna; 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7. Garantir a sustentabilidade ambiental; e 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento?
Fora o auxílio-transporte para o pré-natal e a reafirmação do direito a acompanhante no trabalho de parto, no parto e no pós-parto imediato, o restante da MP 557 é dispensável e o Ministério da Saúde sabe bem que sim. No essencial, registra o "lá vem o Brasil descendo a ladeira do conservadorismo" ao conferir personalidade civil ao nascituro, desrespeitando a Constituição Federal de 1988. Ou a MP foi para isso?
"O Brasil patina
quando instado a
referendar sua
laicidade e a agenda
republicana; e o
faz às custas
dos corpos das brasileiras"
Sou testemunha ocular, e tenho cópia, da fala do embaixador do Brasil no Chile, Gelson Fonseca Júnior, chefe da delegação brasileira na Reunião da Mesa Diretora Ampliada do Comitê Especial de População e Desenvolvimento (10 e 11.3.2004, Santiago do Chile), que afirmou que, sem cuidar do aborto inseguro, combater a morte materna seria uma miragem. O Brasil ali entendia que as Metas do Milênio eram uma pauta minimalista e a confissão de um fracasso: os governos não deram conta de cumprir o disposto nas Plataformas de Ação das Conferências da ONU da década de 1990 e "jogaram a toalha", elegendo oito prioridades.
Disse o embaixador Gelson Fonseca Júnior: "O meu país reafirma a Plataforma de Ação do Cairo (1994) e as definições do Cairo +5 (1999); referenda os direitos e os serviços de saúde reprodutiva, e o direito de adolescentes a informações e acesso, com privacidade e confidencialidade, a serviços de saúde reprodutiva; reafirma o acesso à prevenção do HIV e ao tratamento da Aids como direitos humanos; enfatiza o combate à morte materna e a atenção aos múltiplos fatores que a causam, destacando o parágrafo 63 do Cairo +5 (atenção ao aborto inseguro); e explicita que, se não se respeitar e implantar o definido em Cairo, as Metas do Milênio serão inalcançáveis!".
E finalizou seu discurso ovacionado ao dizer: "Problemas comuns exigem estratégias concertadas. Minha delegação reitera total apoio ao Consenso do Cairo e se soma à maioria dos países que endossa a declaração que deverá resultar da presente reunião. Esta é uma reunião de alta significação política e esperamos que tenha a sua expressão na dita declaração". É pra jogar no lixo? Arrogância tem limites.
Publicado no Jornal OTEMPO em 03.01.2012
Agora eu entendi esse babado. Não à MP 557 Que decepção essa religiosidade de Dilma. Nada contra ela professar a sua fé, desde que não seja contra nós
ResponderExcluirPerfeita! Argumentos imbatíveis
ResponderExcluirDra. Fátima, fiquei emocionada com a fala do embaixador Gelson Fonseca Júnior. A gente precisa conhecer mais o trabalho aguerrido de nossa diplomacia, que tem feito o Itamaraty respeitado em todo o mundo, particularmente no campo dos direitos humanos.
ResponderExcluirEntendo que essa MP 557 que referenda o nascituro destrói esse trabalho de tantos anos.
O Brasil precisa fazer um seguro da cabeça brilhante e precisosa de Fátima Oliveira
ResponderExcluirFiquei tão assustada que nem sei o que dizer
ResponderExcluirJoão Batista Damasceno: Bolsa estupro
ResponderExcluirRio - Tramita no Congresso o Projeto de Lei 478 de 2007, anexo a outras propostas, que, a pretexto de proteger a mulher vítima de violência sexual, institui a ‘bolsa estupro’, pela qual o filho resultante de violência sexual receberá pensão alimentícia equivalente a um salário mínimo até que complete 18 anos, paga pelo Estado, se o estuprador for insolvente ou se não for identificado.
Tais propostas fingem proteger a gestação, mas têm o propósito de barrar projetos de descriminalização do aborto, compromisso assumido pelo Brasil no Cairo em 1994 e Beijing em 1995. Além disto, reduz o valor de pensão eventualmente devida, pois hoje pode ser maior que o salário mínimo, se o criminoso tiver posses.
A criminalização do aborto, incompatível com a assistência à saúde da mulher, especialmente da saúde sexual e reprodutiva, já foi condenada pelo sistema internacional de direitos humanos em inúmeras oportunidades. Ninguém é a favor do aborto, porque dói, sangra e traz outras consequências. Mas é obvio que a criminalização é ineficaz e causa terríveis danos e riscos para a mulher, para a sociedade e para as instituições do próprio Estado. Nenhuma clínica clandestina funciona sem um bom contato com a delegacia policial local. A criminalização gesta a clandestinidade, a precariedade do atendimento e a corrupção policial.
A descriminalização do aborto não alterará as relações sociais e não interferirá nos poderes dos sacerdotes diante daqueles que acolhem seus sistemas de crenças. A questão é de não mais submeter a julgamento em júri popular pessoa que praticou aborto, mas prestar assistência à sua saúde para que tenha vida com abundância. Pois vida não é apenas o oposto de morte, mas também a existência feliz e com as necessidades satisfeitas. Na questão, o que se contrapõe é o direito à saúde ao poder punitivo do Estado e das fogueiras que se pretendem manter acessas.
João Batista Damasceno é cientista político e juiz de Direito Membro da Associação Juízes para a Democracia
http://odia.ig.com.br/portal/opiniao/html/2012/1/joao_batista_damasceno_bolsa_estupro_215920.html
Apenas como registro da tática absolutamente acertada das feministas que acuaram Padilha no twitter, porque achei de uma inteligência fora de série.
ResponderExcluirTudo começou no dia 29 quando Fátima Oliveira disparou o tuíte abaixo, no começo da tarde:
oliveirafatima_ Fátima Oliveira
Dilma faz o jogo dos religiosos ao criar cadastro obrigatório para gestantes? MEDIDA PROVISÓRIA Nº 557, 26.12.2011 http://migre.me/7kIPq
Ela ainda tuitou umas duas vezes. Daí em diante 2 feministas: Conceição Oliveira @maria_fro e Daniela Bueno @danielabueno entraram. Padilha não resisitiu e caiu na teia. Ñ pode sair. Teve presença sofrível. As feministas, deitaram e rolaram e o assunto caiu no twitter como uma bola de neve. No dia seguinte os jornais, praticamente todos registraram que o ministro havia passado a tarde toda no twitter se explicando, como FSP "Cadastro de grávidas gera revolta contra ministro" .
E agora estão dando um banho de alto nível no debate intelectual
Fátima fiquei engasgada. Muito bom ler o que escreves.Abraços.
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