Na madrugada de 19 de janeiro, um casal negro, Cássia Gomes e Duvanier Paiva Ferreira, secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, bateu, em vão, às portas dos hospitais Santa Lúcia e Santa Luzia, em Brasília, buscando socorro para ele. Alegaram que não atendiam ao plano de saúde dele, o Geap, do qual são contribuintes compulsórios servidores públicos e aposentados dos ministérios e autarquias federais.
A terceira estação da via-sacra foi o hospital Planalto, a quem restou tentar reanimar Duvanier, que, fulminado por um infarto, estava morto! O contexto de sua morte é o de omissão de socorro com recortes racial e de classe - o desdém por um casal negro, sem talão de cheques no bolso, peregrinando na madrugada brasiliense.
Cássia Gomes declarou que os dois hospitais exigiram um cheque caução para atendê-lo, mas eles não portavam cheques. Hospital privado é uma empresa segundo a lógica mercantilista de garantir lucros e gerar riquezas. A doença e a morte são grandes negócios na ótica capitalista - hospitais privados são negócios. Nem mais, nem menos.
Amigos realizam protesto silencioso em homenagem
a Duvanier Paiva após missa na Catedral de Brasília (Foto: Maiara Dornelles/G1)
Nem os antigos filantrópicos são mais instituições de caridade. São pagos pelo que fazem, pois o SUS extinguiu a figura do indigente na saúde. O Estado brasileiro paga da extração de bicho-de-pé ao transplante mais sofisticado. De quem tem convênio inclusive, pois tais investimentos são descontados no Imposto de Renda! Isto é, ninguém paga convênio de saúde no Brasil, quem banca a conta é o Tesouro nacional!
(Veículo: Correio do Povo)
A morte à míngua de
um alto funcionário do
governo demonstra que
um hospital particular
tem de aprender a
respeitar a missão
de pronto-socorro
A morte à míngua de um alto funcionário do governo federal, na capital da República, que não teve o direito de não morrer antes do tempo nem de morrer com dignidade, demonstra que um hospital particular que possui pronto-socorro tem de aprender a respeitar a missão de tal serviço. "Não pagantes" diretos, em casos de risco de morte, ou seja, os ditos "pacientes críticos", independentemente de sua condição financeira, devem ser socorridos, pois, além das razões de ordem humanitária, a empresa hospitalar não terá prejuízos porque pode pedir ressarcimento ao SUS.
Morrer é parte natural da vida, que é finita. Somos programados para morrer, mas temos o direito de não morrer antes do tempo e a morrer com dignidade, fatos que comportam questões bioéticas, a exemplo da negligência e da omissão de socorro. É consensual que todas as pessoas têm direito a socorro médico. Na real, nem sempre são atendidas e, quando o são, nem sempre recebem os cuidados de que precisam - tratamentos que a medicina já dispõe para salvar ou prolongar vidas.
O "Estudo de Canto" (EUA, 2000) é paradigmático: "Negros, independentemente de seu sexo, têm probabilidades significativamente menores que brancos de receber esse tratamento de grande eficácia no combate a ataques cardíacos" (medicamento ou cirurgia para desbloqueio de veias), constatação que referenda o ditado: "Branco com dor no peito é infarto. Negro com dor no peito é arrotar que passa".
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Por ser negro, Duvanier Paiva Ferreira era um homem marcado para morrer antes do tempo. No Brasil, negros morrem antes do tempo em todas as faixas etárias. A mortalidade precoce dos negros, que arromba fronteiras de classe e do poder, desnuda o racismo na (des)atenção à saúde. Ele deve ter sido o primeiro funcionário do alto escalão da República que morreu à míngua na capital federal, e sua morte precoce, aos 56 anos, não pode ser em vão - servirá à reflexão de por que o racismo mata, às escâncaras e impunemente, todo dia e a gente nem percebe.
Missa em homenagem a Duvanier Paiva é celebrada na Catedral de Brasília (Foto: Maiara Dornelles/G1)
FONTE: Publicado no Jornal OTEMPO em 31.01.2012
Impressiona que o governo não tenha aventado a possibilidade do racsmo no caso, fora a ministra Luiza Bairros que timidamente (aqui é por minha conta, foi o que achei da fala dela) disse:"“É válido que se levante essa possibilidade. Até porque, há muito tempo, vem se colocando e se denunciando o tipo de tratamento discriminatório que as pessoas negras recebem no Brasil. Isso é uma realidade” (...) “Em se comprovando uma dimensão racial nesse caso, haveria uma indicação muito forte de que, na verdade, o racismo não está associado à condição econômica”.
ResponderExcluirAo final, ao reler, acho que ela foi CORAJOSA porque ninguém deu nem atenção ao que ela disse.
É incrível como eu não havi pensado na possibilidade de racismo, mas ela é a mais forte. Há um emaranhado de classe e raça mesmo
ResponderExcluirNão havia compreendido assim, mas faz sentido, e como!
ResponderExcluirDra. Fátima, quando ouvi a notícia da morte de Duvanier, confesso que não levei em conta o fato dele ser negro. Ainda assim, achei estranho o fato de, por falta de uma folha de cheque para o famoso "depósito", um alto funcionário da equipe da presidenta Dilma tenha morrido sem socorro. Acredite, até pensei e questionei a mim mesma, por qual razão a esposa de Duvanier não ter se valido da famosa "carteirada" ou feito uma ligação para amigos do primeiro escalão.
ResponderExcluirPensei tudo errado, confesso. Lendo seu texto,de certa forma envergonhada, resta-me (des)pensar e desejar que tudo seja apurado para que a morte de Duvanier não tenha sido antecipada e em vão.
Com respeito.
Leila Jalul
Sem palavras. Sinto-me ridículo de não ter pensado no racismo nas instituições de saúde que sabemos, é fato
ResponderExcluirPois é!!! o recorte racial, social e de gênero se potencializam ao nascer e morrer.É bom colocar fazer a ferida sangrar.
ResponderExcluirValeu!!! Fátima
Soooooooooooooooooocorro e eu que só preta e nem ando com talãod e cheque há mais de seis anos, embora tenha direito. Já vi que tem de ter a folhinha de cheque do hospital
ResponderExcluirSão fatos. Que nosso governo saiba refletir. Quer o ministro Padilha saiba dizer assim também e que não deixe, como fez agora só para a ministra Luiza Bairros levantar o assunto. E ele sequer deu a atenção devida. Por pura ignorância no assunto
ResponderExcluirCaro Wilson, fiz um comentário sobr eo que diss eo ministro padilha. Ele não se omitiu. A mídia é que talvez não quis repercurtir
ExcluirConcordo com Fátima Oliveira
ResponderExcluirFátima, indignação e tristeza. Basta Brasil!
ResponderExcluirCheiros.
Dra. Fátima, parabéns pela sua coragem
ResponderExcluirWilson Cardoso, por uma questão de justiça socializo um comentário do Alberto no Vi o Mundo, contém uma declaração muito boa do ministro Padilha sobre o assunto.
ResponderExcluirEnfim, Padilha não fugiu da raia e disse ao blogueiro Jorge Moreno que foi racismo mesmo
Está na Coluna Coluna Nhenhenhém de 21.01.201
ASSASSINOS!
Indignado, o ministro Padilha me contou que, além da omissão de socorro, houve crime de "racismo institucional", no caso da morte do secretário Duvanier Paiva Ferreira, do Ministério do Planejamento.
— Duvanier e sua mulher foram barrados no hospital porque eram negros! — disse-me o ministro.
Investigações, processos e a urgente regulação dos hospitais privados — são as primeiras das providências tomadas pelo governo, sob a orientação direta da presidente Dilma.
Particularmente, nunca pensei que um dia experimentaria este sentimento: o de ter vergonha de, como negro, viver num país em que se deixa morrer gente por discriminação racial.
Aconteceu com um negro que exercia cargo de autoridade.
Fechamento do hospital é pouco!
Cadeia, já!
É o mínimo!
http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2012/01/21/coluna-nhenhenhem-427592.asp
Fátima cadê Dona Lô? Acho que ela está muito calada. Está em Londres, Paris ou Nova Iorque?
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