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terça-feira, 25 de outubro de 2011

O belo da riqueza dos dialetos do português brasileiro

  [DUKE]
O modo de falar é diverso e deve ser respeitado!
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br  @oliveirafatima_

Não faz muito tempo, em São Luís, capital do Maranhão, telefonei para uma amiga. O filho dela atendeu. "Diga à sua mãe que foi Fátima Oliveira, colega dela, quem telefonou. Desejo falar com ela antes de voltar para Belo Horizonte". Conforme o prometido, telefonei no mesmo dia e ela atendeu. Repetiu as palavras do filho: "Mãe, ligou uma amiga sua. Esqueci o nome, mas ela não é daqui, pois, tem uma fala estranha".

Belo Horizonte-MG


[Rua Conde de Linhares (A minha rua em Beagá!) Maria Teresa]

Aquilo martela, até hoje, em meu juízo. Após um quarto de século em Beagá, com uma passagem de quatro anos por Sampa, acostumei-me à pergunta "Você é de onde?", mal abro a boca; logo, fiquei assustada de ser ouvida como uma "fala estranha" no meu Estado, o Maranhão! O ocorrido levou-me a estudar os dialetos do português falado no Brasil - variantes da língua, o tal sotaque, e não um modo de falar errado e execrável, pois se a grafia culta da língua é una, o modo de falar é diverso e deve ser respeitado!
O "pt-BR" - código de língua para o português brasileiro -, embora de grafia culta una, é um conjunto de variantes de modos de falar no Brasil desde 17 de agosto de 1758, quando o marquês de Pombal decretou o português como a língua oficial do Brasil e proibiu a utilização da língua geral, grosso modo, a "língua de contato" entre diferentes tribos indígenas e delas com os portugueses. Isto é, "uma língua franca entre contatos indígenas" que exerceu influências marcantes sobre a língua portuguesa europeia.
"A língua geral possuía duas variantes: a língua geral paulista: originária da língua dos ameríndios Tupi de São Vicente e do alto rio Tietê, que passou a ser falada pelos bandeirantes no século XVII. Dessa forma, ouve-se tal idioma em locais em que esses ameríndios jamais estiveram, influenciando o modo de falar dos brasileiros. O Nheengatu (ie’engatú = língua boa): uma língua tupi-guarani falada no Brasil e em países limítrofes - é uma língua de comércio, desenvolvida ou compilada pelos jesuítas portugueses nos séculos XVII e XVIII, fundamentada no vocabulário e na pronúncia tupinambá e que tem como referência a gramática da língua portuguesa, com vocabulário enriquecido com palavras do português e do castelhano".

O português brasileiro,
embora de grafia culta e una,
é um conjunto de modos de falar
desde quando Pombal decretou o português
como língua oficial


 (Igreja Católica, povoado Serra do Arapari-Senador La Rocque-MA)

Imperatriz-MA
Imperatriz (Igreja Santa Tereza D'Ávila - Imperatriz-MA)
(Imperatriz-MA, anos 1960)
 Imperatriz

A minha "fala estranha" faz com que eu seja estrangeira em todos os lugares, pois falo alguma coisa em que ninguém se reconhece - um problema de identidade linguística monumental do ponto de vista pessoal! Na Serra do Arapari, lá pras bandas do Barro Azul, atual Fazenda Santa Rita de Cássia - que já foi Imperatriz, depois João Lisboa e agora é Senador La Rocque -, que o povo chama de a Fazenda do Padre, sempre que chego lá o problema se avoluma de tal modo que nos primeiros dias preciso andar com o Tio Luís, o vaqueiro, tendo-o a tiracolo como tradutor, caso contrário, é arriscado fazer negócios errados, simplesmente por questões linguísticas!

João Lisboa-MA
ENTRADA DA CIDADE DE JOÃO LISBÔA-MA (Entrada de João Lisboa-MA, vindo de Imperatriz-MA, Foto de Nando Cunha)
  (Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, João Lisboa, MA)
IGREJA NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO  -  JOÃO LISBÔA-MA (Interior da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Foto de Nando Cunha)
Igreja Assembleia de Deus em João Lisboa Maranhão. Abril/2011. (Igreja Assembleia de Deus, João Lisboa-MA. Foto de Nando Cunha)

Senador La Rocque-MA



Após uma semana, nada mais soa estranho e passamos a entender, e até a incorporar, os "hem-hem", "pucardiquê", "prumodiquê" etc. e tal, que compõem o linguajar sertanejo maranhense... Não é raro ter vontade de cavar um buraco no chão e nele entrar quando alguém indaga: "Ô Luís, o que mesmo a doutora quis dizer?".
O Biel tão logo se mudou pra lá, certo dia, irritadíssimo por não entender o que falara o frentista de onde paramos para abastecer o carro, disse-me: "Eu não entendo o que esse povo fala, mãe! Como morar aqui?". Usei toda a minha autoridade de mãe sertaneja: "‘Prestenção’, porque esse povo é o seu! E também não terá outro povo para trabalhar pra você, não!".
 [Graça Aranha-MA (ver: A dona Lô que aparece em meus escritos da Chapada do Arapari)]

Publicado no Jornal OTEMPO em 25.10.2011

LEIA + Comentários também em:
GELEDÉS LIMA COELHO
VIOMUNDO: Fátima Oliveira: A riqueza do “pt-BR” deve ser respeitada

14 comentários:

  1. Texto arretado! Nota mil

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  2. Sempre fico emocionado quando leio sobre e de pessoas que não esquecem suas origens modestas, simples e populares.

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  3. Maria do Socorro Feitosa Lima25 de outubro de 2011 às 13:23

    Mulher tu és uma sertaneja arretada, desavergonhada, aliás cultua as origens

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  4. Fátima, que adorável a tua crônica!

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  5. Putz, matou a pau!!!

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  6. Mito 5 : O lugar onde melhor se fala português é o Maranhão

    Com o aumento da demanda internacional por algodão para atender a indústria têxtil inglesa e à redução da produção norte americana por causa da Guerra de Independência nos Estados Unidos, formou-se um cenário ideal para a produção algodoeira no Maranhão no século XVIII. Nesse período considerado a fase de ouro da economia maranhense, São Luís passou a viver uma efervescência cultural. A cidade, que se relacionava mais com as cidades européias do que com outras cidades brasileiras, foi a primeira a receber uma companhia italiana de ópera. Possuía calçamento e iluminação como poucas do país. As últimas novidades da literatura francesa eram recebidas semanalmente. É nessa fase que São Luís passa a ser conhecida por "Atenas Brasileira". A denominação decorre do número de escritores locais que exerceram papel importante nos movimentos literários brasileiros a partir do romantismo. Surgiu, assim, a imagem do Maranhão como o estado que fala o melhor português do país. A primeira gramática do Brasil foi escrita e editada na cidade por Sotero dos Reis . Mesmo nos dias atuais a cidade ainda tem uma grande vocação natural para a literatura e poesia. O que acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é o mesmo que acontece com o português do Brasil e o de Portugal: não existe variedade mais pura, correta, mais bonita. Toda variedade lingüística é resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares. Se o português de São Luis no Maranhão conservou o pronome "tu" é porque nessa região aconteceu forte imigração de açorianos, cujo dialeto específico influenciou na variedade dessa região.

    http://preconceitolinguisticobrasil.blogspot.com/

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  7. O veio que Fátima Oliveira pegou para falar sobre o preconceito linguístico foi muito bom. Parabéns

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  8. Fátima esses preconceitos contra o modo de falar de algumas regiões são terríveis. odeio quando alguém, crente que está abafando, repete o que falo com imitação.

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  9. Maria das Graças Ferreira27 de outubro de 2011 às 20:49

    Nota dez! Temos de ser incansáveis na denúncia do preconceito linguistico

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  10. Fátima, acabei de ver no Vermelho um comentário deplorável de uma conterrânea sua chamada Lígia, de Barra do Corda, dizendo que seu texto é esnobe. Nunca vi tanta quebração de porcelana, coitada!

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  11. Pra quem quiser ler o comentário da Ligia e sabe ro que é analfabetismo funcional, ela mostrou o diploma:
    http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=4333&id_coluna=20

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  12. Vixe que texto gostoso de ler...grata pela oportunidade Fátima!
    Um cheiro carinhoso.

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  13. Fátima, parabéns. Como disse a Sanbahia, é gostoso de ler

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