São Raimundo Nonato dos Mulundus (DUKE)*
Fátima
Oliveira
Médica
- fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Estou virando
santeira, restrita a santas e santos negros, que o povo canonizou, a quem o
Vaticano não reconhece a santidade; todavia, não se recusa a ganhar rios de
dinheiros em nome deles.
A supremacia
numérica dos santos brancos é asfixiante num mundo que tem o branco como
padrão, até para a santidade! Há pessoas negras que, embora as declarações de
“milagres” sejam exuberantes e confirmadas pela fé e pela devoção popular, não
são reconhecidas pela Santa Sé como santas! O catolicismo popular é uma coisa,
e o oficial, outra, não apenas no Brasil, onde as nuances de racismo são
explícitas sobre a santidade negra, o que despertou minha atenção.
Caso da beata
Nhá Chica (1810-1895), mineira de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, que
foi para Baependi (MG) ainda criança. Era negra, e a imagem dela para a
beatificação foi embranquecida. Fui averiguar se ela era negra. Era! (“NháChica é uma santa negra que nasceu escrava?”, O TEMPO, 14.5.2013; e “A santa Nhá Chica é uma mestiça descendente do estupro colonial”, O TEMPO, 30.7.2013).
Em Baependi,
há uma fábrica de dinheiro, o Santuário da Imaculada Conceição, que engloba a
igrejinha de Nhá Chica (onde ela está sepultada), a casa e o Memorial de Nhá
Chica – feitos com o dinheiro dela, que não era pobre, apenas praticava a
simplicidade voluntária!
Há a Irmã
Benigna Victima de Jesus (1907-1981), mineira de Diamantina, negra que comeu o
“pão que o diabo amassou” nas mãos das freirinhas brancas da congregação Irmãs
Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade. Hoje é considerada santa – o processo
de beatificação está no Vaticano desde 26.1.2013.
Na senda da
santidade negra, relembrei são Raimundo Nonato dos Mulundus, vaqueiro preto
escravo, sobre o qual há um capítulo em meu romance “Então, Deixa Chover”
(Mazza Edições, 2013); e escrevi “Mistérios e farsas sobre são Raimundo Nonatodos Mulundus” (O TEMPO, 12.7.2016). Não há processo de beatificação do santo
vaqueiro, pois não é do interesse da arquidiocese encaminhar!
Não descobri o
ano de sua morte. Em 1858, já era rezada a novena, e havia uma capela de palha
para o santo vaqueiro, a partir da qual foi erguido o Santuário de são Raimundo
Nonato dos Mulundus, de rara beleza; e entre 1901 e 1908, o padre Custódio José
da Silva Santos, de Vargem Grande, celebrava a festa em Mulundus.
Escreveu a
professora Dolores Mesquita: “Apesar do abandono em que vive, o altar onde
celebram as solenidades religiosas permanece firme, sendo resistente ao sol e à
chuva; diz o povo que não cai porque são Raimundo protege aquele santo lugar”.
As perseguições
do oficialato católico ao santo vaqueiro beiram a insanidade e a ganância. A
arquidiocese de São Luís, em 1930, declarou o festejo profano! Em 1954, o
arcebispo dom José Delgado, acoitado pela polícia, “mudou”, como se fosse dono
de uma obra popular, o Santuário de Mulundus para Vargem Grande, dando-lhe novo
nome: Santuário de São Raimundo Nonato, bispo espanhol da ordem dos mercedários
(1204-1240), santificado! Os romeiros não arredaram de Mulundus!
(Igreja de são Raimundo em Paulica, Vargem Grande-MA)
Estátua de são Raimundo Nonato, o santo espanhol, por Diane Motta em Paulica (Vargem Grande-MA)
A arquidiocese
decidiu disputar com Mulundus e dividir a fé do povo: “Comprou 180 hectares da
fazenda Paulica, a 7 km de Vargem Grande, e fez uma capela para onde os
romeiros em procissão conduzem a imagem de são Raimundo Nonato (o bispo
espanhol) no dia 22 e a trazem de volta para a igreja no final do dia”
(professora Dolores Mesquita).
(Mulundus, barracas durante os festejos, Vargem Grande-MA)
Apelo ao
governador do Maranhão, Flávio Dino, que restaure as ruínas do Santuário de São
Raimundo Nonato de Mulundus, que é um patrimônio do povo negro do Maranhão, e o
devolva ao povo!
PUBLICADO EM
19.07.16
FONTE: OTEMPO
* São Raimundo Nonato dos Mulundus, ilustração feita por DUKE, oficialmente, é a 1ª.
ilustração do Santo vaqueiro)
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