Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
O festejo de são Raimundo Nonato dos Mulundus, o santo
vaqueiro, protetor e padroeiro dos vaqueiros, é um novenário – de 22 a 31 de
agosto, dia em que ele faleceu (ou foi encontrado morto?), na antiga fazenda,
hoje povoado, Mulundus, a 30 km de Vargem Grande (MA).
Conheço o santo vaqueiro há mais de meio século. Um
dos vaqueiros de meu avô Braulino (Graça Aranha, MA), o Ervalo, sumiu campeando
gado com outro vaqueiro nosso, o Dé. Apareceu após dois dias com o cavalo
chamuscado de fogo e ele “doido de pedra”, dizendo coisas desconexas. Ficou
vários dias entre a vida e a morte.
A família fez a novena de são Raimundo Nonato dos
Mulundus. Ervalo ficou como bom, mas o juízo avariado para sempre. Vovó
decretou que eu acompanhasse a novena: o vaqueiro adoecera campeando a minha
vaca. Fui!
O Ervalo bradava que não era vaqueiro de não encontrar
gado sumido, nem que tivesse de se apegar com o diabo; e que fora ao inferno e
um vaqueiro preto, de gibão de couro, o tirou de lá com cavalo, vaca e bezerro!
Dava gargalhadas estranhas dizendo que cumpriu as ordens do patrão: “Ervalo,
não apareça sem a vaca da ‘Fátia’ com o bezerro! Dei a vaca Margarida a minha
neta quando nasceu: é a sementinha para ela ser alguém na vida!”.
Em meu romance “Então, Deixa Chover” (Mazza Edições,
2013), resgatei são Raimundo Nonato dos Mulundus. Nunca fui a Mulundus.
Pesquisei muito e escrevi um capítulo (“Onze horas de todas as cores”), no qual
falo sobre o santo vaqueiro e sua festa, que remonta ao século XIX, antes da
Abolição da Escravatura, em 1888 (não descobri o ano da morte do santo
vaqueiro).
Mulundu é uma dança africana. Em “A história de sãoRaimundo Nonato dos Mulundus”, a professora Dolores Mesquita diz que Mulundus
era uma fazenda de “umas brancas da família Faca Curta”, ricas e donas de
muitos escravos.
O fato: Raimundo Nonato, com outros vaqueiros, caçava
uma rês desgarrada e sumiu. Dois dias depois foi encontrado morto: o corpo
conservado e exalando um perfume! O povo entendeu que virara um santo. Não
houve enterro. O corpo sumiu! É um mistério! Segundo os escravos Raimundo,
Secundio, Quirino, Martiniano, Macário, Zé Firino, Militão e José Cabral, os
padres levaram o corpo para Roma.
No local do acidente foi feita uma capela de palha
(depois o santuário de são Raimundo dos Mulundus, hoje em ruínas), e, chefiados
por Macário Ferreira da Silva, criaram um novenário, que se encerrava no dia de
sua morte, 31 de agosto. “Isso pelos anos de 1858, mais ou menos” (Dolores
Mesquita).
Após a Proclamação da República (1889), Mulundus foi
comprada pelo coronel Solano Rodrigues, cuja mulher, dona Luíza, em pagamento a
uma promessa ao santo vaqueiro, mandou fazer em Portugal uma imagem dele que
custou 1 conto e 700 réis, pela cura da pneumonia de seu filho Saul Nina
Rodrigues, advogado, irmão do médico Nina Rodrigues.
(A oração é de São Raimundo Nonato dos Mulundus, mas a imagem é do santo espanhol: São Raimundo Nonato)
Até 1908, os padres celebravam missa no santuário de
Mulundus. Em 1930, o arcebispo de São Luís proibiu o festejo, alegando ser
profano! O povo manteve a devoção, sem padre e sem missa. Em 1954, o arcebispo
dom José Delgado mudou o santuário de Mulundus para Vargem Grande e deu o nome
de santuário de são Raimundo Nonato, que não era o vaqueiro, mas o santo
espanhol (1204-1240), bispo da ordem dos mercedários! Apesar das artimanhas, o
Dia do Vaqueiro é 29 de agosto (Lei Federal 11.797/2008).
(Igreja de São Sebastião no Santuário São Raimundo, Vargem Grande-MA)
Igreja de São Raimundo em Paulica, propriedade da Igreja Católica, a 7 Km de Vargem Grande-MA. Há uma romaria da Igreja Oficial a Paulica durante os "festejos" - uma tentativa de competir com a romaria organizada pelos devotos ao povoado Mulundus, onde nasceu, viveu e morreu o santo vaqueiro: São Raimundo Nonato dos Mulundus, a 30 Km de Vargem Grande-MA (Imagens do Blog do Bóis)
(Romaria de Vargem Grande à Paulica)
Em Vargem Grande, ocorrem duas festas católicas no
mesmo dia! Uma delas é uma farsa por ser o roubo de uma tradição: a história e
a devoção a um vaqueiro escravo santificado pelo povo!
(DUKE) [As três imagens são do santo espanhol e não do santo vaqueiro!)
PUBLICADO EM 12.07.16
FONTE: O TEMPO
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