(DUKE)
Fátima
Oliveira
Médica
- fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Em 1º de setembro, o
papa Francisco deu permissão, durante o Ano Santo da Igreja Católica (dezembro
de 2015 a novembro de 2016), para qualquer padre perdoar católicas que um dia
abortaram.
Recordo que a Igreja
Católica Apostólica Romana tipifica o aborto como um pecado passível de
excomunhão automática, e, para obter o perdão, a mulher precisa ser ouvida pelo
confessor-chefe de uma diocese – em italiano “penitenziere” – ou por um
missionário cristão autorizado pelo papa, que avaliará se a perdoará ou não!
A decisão papal
vigorará durante o Ano Santo da Igreja Católica e confere a qualquer padre o
poder de perdão! Ainda que seja fundamentalista, o padre, após uma confissão de
aborto, terá de perdoar, e não chamar a polícia! Eis a ordem papal. Não sabemos
é se dá pra confiar.
Muita gente viu muitas
vantagens. Eu só vi uma: é a primeira vez na história do catolicismo oficial
que um papa “desexcomunga” em massa e admite que as católicas também abortam
entre o pecado e o crime – realidade para a qual a Santa Sé faz ouvidos de
mercador em sua batalha titânica, não contra o aborto, contra a existência de
leitos hospitalares para o aborto!
A decisão do papa
Francisco é um lance da disputa política dele com o catolicismo popular, que em
todo o mundo tem uma atitude de acolhimento fraterno e de ajuda às mulheres que
precisam abortar, com suas rezas, seus patuás de santas e suas “meizinhas”...
abortivas, é óbvio! Desde tempos imemoriais.
Se o papa fosse
misericordioso e entendesse de psicologia feminina, teria comunicado às
católicas que conscientemente precisaram praticar desobediência religiosa e
civil e abortaram, e dito: “Concedo o perdão a toda católica que fez aborto”.
Sem necessidade de confissão. E ponto final! Teria feito bonito, apesar da
inutilidade do gesto!
E por que ouso afirmar
tal coisa? Tudo indica que não há católica que aborte sem a proteção de uma
santa! Elas se valem das santas, com fé, quando vão abortar. As mexicanas têm
um impresso bem popular: “Nossa Senhora de Guadalupe, obrigada pela proteção em
meu aborto!”.
Quando eu era
adolescente e estudante do Colégio Colinense, morava na Casa do Estudante (um
internato da escola), em Colinas (MA). Aos sábados à tardinha, as internas eram
liberadas para ajudar a ornamentar a igreja para as missas dos domingos. Era
uma oportunidade de sair e ver o mundo. Fui muitas vezes e aproveitava para
namorar um pouco.
(Igreja de Nossa Senhora da Consolação, Colinas-MA)
Um dia, arrumando o
altar, não resisti e li os “bilhetinhos” aos pés da santa. Um deles dizia
“Agradeço a minha vida quando tive a ‘pérca’”. Era década de 60! Levei um
tempão para descobrir que “pérca” é o nome do aborto no sertão do Maranhão,
como relata a minha personagem Dona Lô em “Chegaram pra catar caju, mas Dilmajá assava as castanhas...” (13.12.2010):
“– Me diga o que a
senhora fez pra essas mulheres daí acharem que o aborto é uma coisa que não é
pecado nem crime?
“– Mas quem disse que
elas não acham? É que aqui, na Chapada do Arapari, as mulheres não abortam, só
têm ‘pérca’ (perda natural). E ‘pérca’ não é aborto, é coisa que acontece. É
natural na vida das mulheres, desde sempre... As mulheres daqui não entendem
como aborto, por exemplo: tomar garrafada pras ‘regras’ descerem, logo tomar
remédio pra que as ‘regras’ desçam não é pecado... Vão morrer dizendo que são
contra e que nunca abortaram. Mas externam o sentimento, muito fortemente, de
que uma mulher em dificuldade porque as regras estão atrasadas merece ser
ajudada”.
Quem crê que deve a
vida à proteção de uma santa, precisa de perdão de papa para o que mesmo?
PUBLICADO EM 08.09.15
FONTE: OTEMPO
E então, D. Fátima, quem é que precisa? rsrs Como sempre um texto inspirado, gostoso de ler e ao mesmo tempo contundente e engajado.
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