(DUKE)
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Para a bioética, a ética da vida, nenhum governo “gasta” com a saúde, seja em prevenção ou na assistência a doenças. Em ambas, realiza investimento – parâmetro ético na atenção à saúde.
Hoje, até em países onde a atenção não tem a universalidade como eixo, como no Brasil pós-SUS, está no imaginário coletivo que “saúde não tem preço”! Está correta a percepção, embora os recursos da saúde pública sejam finitos.
Mesmo assim, um gestor do SUS alegar altos custos públicos do tratamento de alguém é o caminho mais curto para cair em desgraça; e não é real, como demonstra o que chamo de “lei da compensação”, do bioeticista Daniel Callahan: “Se para algumas pessoas uma aspirina resolve suas doenças, outras necessitam de transplantes de órgãos”.
Quem personifica o SUS é o governo local (municipal e estadual). Exceto nas capitais, quando há um doente grave e naquele lugar não há recursos, a família bate, literalmente, na porta do prefeito. E prefeito não nega transportar doente para a capital. E lava as mãos! Na hora de “nossa morte, amém”, comparece com arremedos de ambulâncias. E posa de bom: ali ninguém morre à míngua, só na estrada! A “ambulancioterapia” dificilmente acabará, porque ela é o salvo-conduto do prefeito nas eleições.
Para quem considera dinheiro aplicado na saúde um “gasto”, é infinitamente mais barato desovar ambulâncias, vans e micro-ônibus nas capitais do que manter uma rede básica de qualidade e fazer a coisa certa, que é emitir uma guia de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) – um direito do doente se onde ele mora não há recursos: tratamento de média e/ou alta complexidade eletiva.
O TFD assegura, além do transporte, marcação de consulta e/ou vaga hospitalar e acompanhante, se necessário, com diárias – normatizado desde 1999 e pago integralmente pelo SUS. A guia de TFD é emitida para outra cidade, seja no Estado-domicílio ou em outros que ofereçam o tratamento. Desde o momento em que o médico solicita o TFD, o responsável pela vida do doente é o governo, seja municipal ou estadual.
TFD é uma “ordem médica sobre uma vida em risco”. E tal qual uma ordem judicial, não é para ser discutida, mas cumprida! Muitas prefeituras proíbem a sua emissão – o que obriga muitos médicos à apelação covarde de mandar o doente perambular: “Procure outra cidade, aqui não há mais recursos”. Sem lenço e sem documento!
O outro lado de fazer valer o “saúde é direito de todos e dever do Estado” vem sendo utilizado pela classe média e até por ricos, que se internam por conta própria em hospitais privados e mandam a conta para o governo do seu Estado pagar – atitude que encontra guarida na judicialização da saúde, às vezes necessária, mas pode abrigar injustiças e abusos, configurando-se como dupla porta de acesso a TFD!
Aceito e defendo que o juiz deve julgar segundo a sua consciência, mas ela deve estar informada de como a “roda gira”, isto é, à luz das leis e outras normatizações existentes. Se o Tratamento Fora de Domicílio é acessado via emissão de guia específica, deve ser assim igualmente para todo mundo.
Se não há guia de TFD, é justo responsabilizar o governo por algo que nem sequer sabia? É um bom debate. Diante do que tenho, a opinião é que as secretarias de Saúde deveriam manter uma consultoria permanente em bioética para auxiliar na mediação dos conflitos e das “espertezas” de má-fé, porque, para a imensa maioria do nosso povo, “abaixo de Deus, o SUS”!
PUBLICADO EM 26.05.15
FONTE: OTEMPO
Para saber + sobre TFD:
Tratamento fora do domicílio do doente é direito de cidadania, por Fátima Oliveira (OTEMPO, 16.03.2010)
TFD (Tratamento Fora de Domicílio) - Portaria SAS N.º 55, de 24/02/1999
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