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terça-feira, 6 de maio de 2014

Os danos da subjetividade na aplicação das leis protetivas da vida

01  (DUKE)     
Os maiores entraves à execução da Lei Maria da Penha são os juízos de valor que cada operador da referida lei faz
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
Na semana passada, uma amiga, separada há quase seis meses de uma convivência eivada de violência, foi comunicada por operadores da lei de uma Delegacia da Mulher da cidade do Rio de Janeiro que ela não precisava mais de proteção porque, desde a queixa, o sujeito não atentara mais contra a vida dela! No período ela foi, pelo menos, duas vezes à delegacia para comunicar novas perseguições e na última deu seus novos telefones: ela mudou os números porque seu algoz não lhe dava sossego!

No mês de luta das mulheres, a Fisenge entrevistou Maria da Penha, uma lutadora intransigente pela não violência contra a mulher:
  (Maria da Penha Maia Fernandes)

 
Todavia, a sapiência e a subjetividade da delegada, sem ouvi-la, decidiram que ela não precisava mais de medidas protetivas, já que continuava viva! Tais medidas não custam um centavo ao erário, no entanto possuem um alcance pedagógico de vulto na contenção da agressividade. Até mesmo quando o agressor é um sociopata, diante de medidas protetivas, ele pode recuar, aceitando a lei como limite. Em que se baseia uma delegada que, sem ter finalizado o inquérito, quase seis meses depois da queixa, retira medidas protetivas apenas pelo “achômetro” de sua subjetividade?
 
 
Bernardo está morto,
e o Estado brasileiro
deve ser responsabilizado,
pois se omitiu quando instado
por ele, uma criança,
a proteger a sua vida!

 
Os maiores entraves à execução da Lei Maria da Penha são os juízos de valor que cada operador da referida lei faz, interpretando-a segundo sua visão de mundo, em geral patriarcal, machista, racista e outros conservadorismos de diferentes laias. Vide o caso Eliza Samudio, que deu queixa da violência sofrida, também numa Delegacia da Mulher da cidade do Rio de Janeiro, e não recebeu medidas protetivas de sua vida, às quais tinha direito. Foi assassinada a mando do seu algoz!
 

   (Eliza Samudio, quando prestou queixa na Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro)
  (Eliza Samudio e o filho)

 
Relembrando: “O Estado brasileiro deve ser responsabilizado, pois se omitiu quando instado por ela a proteger a sua vida... A lei, quando chamada, não compareceu para dar limites ao agressor. Ao contrário, acariciou sua onipotência. Como uma juíza crê que, para não banalizar a Lei Maria da Penha, não deve aplicá-la quando o agressor não coabita com a violentada? O argumento dá um cordel de sentença de morte...” (“A personalidades delinquentes, só a lei é que pode impor limites”, Fátima Oliveira, O TEMPO, 13.7.2010).
 
 
 

Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, assassinado pela madrasta, Gracielle Uglione, em 4 de abril passado, procurou o Fórum de Três Passos (RS), cidade onde residia, em novembro de 2013, queixando-se de insultos da madrasta e abandono afetivo por parte do pai.
A promotora Dinamárcia de Oliveira preparou a ação judicial solicitando a guarda para a avó materna; porém, o juiz Fernando Vieira dos Santos, em audiência em 11.2.2014, optou por mantê-lo junto ao pai, o médico Leandro Boldrini, sob o argumento legalista de reconstituir laços familiares esgarçados. A Justiça tangenciou diante do fato inusitado de uma criança, sozinha, procurá-la e pedir para trocar de família, tendo uma avó materna que, desde o suposto suicídio da mãe (2010), sofria de alienação parental, pois o ex-genro não permitia que visse seu único neto, filho de sua única filha.
 
 
  (Bernardo Uglione Boldrini e sua mãe Odilaine Uglione Boldrini)
Abalada, avó de Bernardo Boldrini é hospitalizada em Santa Maria Jean Pimentel/Agencia RBS  (Jussara Uglione, 73 anos avó de Bernardo Uglione Boldrini e mãe Odilaine Uglione Boldrini)


Tais laços esgarçados foram olvidados! A Justiça foi insensível a um ponto que descartou o alto potencial ofensivo de uma madrasta implicante e do desamor do pai, estando em jogo uma herança não desprezível. Tal subjetividade custou a vida de Bernardo! Não há outra conclusão ética possível: Bernardo está morto, e o Estado brasileiro deve ser responsabilizado, pois se omitiu quando instado por ele, uma criança, a proteger a sua vida!
Tenho a opinião de que, quando a vítima denuncia e, assim mesmo, perde a vida, o Estado deve ser acionado por omissão na proteção da vida.

 
Ouvidor da Assembleia quer que TJ e CNJ apurem conduta de juiz no processo de guarda de Bernardo Carlos Macedo/Agencia RBS  (Bernardo Uglione Boldrini)
PUBLICADO EM 06.05.14 
FONTE: OTEMPO  

4 comentários:

  1. A autora foi muito bem nos dois aspectos abordados

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  2. Reitero suas posições nos dois casos citados. Parabéns pelos argumentos

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  3. No caso da criança ainda estou impactado. O Estado brasileiro abriu mão dela. Eis a verdade

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  4. É a mais pura verdade! O erro começou no caso da mãe do menino, supostamente um suicídio?!

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