Visualizações de página do mês passado

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Racismo explícito: negras (in)confidências & rainha de Sabá

 01  (DUKE)
Elogio ou crítica ferina? Hoje sei que era uma crítica!
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
 
 
“Negras (in)confidências – Bullying, não. Isto é racismo”, livro organizado por Benilda Brito e Valdecir Nascimento (Mazza Edições), é uma coletânea de depoimentos de mulheres negras sobreviventes do racismo nosso de cada dia na escola. Dói. Deveria ser lido por quem dá aulas porque é uma panorâmica de como as escolas permitem e reproduzem o racismo. São memórias dolorosas da meninice de mulheres negras sob a batuta do racismo.


AngolaELA  (Benilda Brito)
  (Valdecir Nascimento)



Maria Mazzarello RodriguesÉ uma leitura imperdível e faz a gente evocar fatos que julgava perdidos ou inexistentes. Num papão animado com a Mazza e a Kia Lilly, peguei um gancho da Kia que indagou qual era a profissão da mamãe. Disse-lhe que era costureira e que fazia vestidos de fadas. E eu pude usar belos vestidos de organdi, pele de ovo, seda pura, broderie, chiffon e musseline, de algodão e de seda – tudo com muito frufru: rendas, fitas e paetês!


(Mazza, da Mazza Edições)
Dr. Kia Lilly Caldwell, Germantown Friends School class of ‘88  (Kia Lilly Caldwell, professora da Universidade da Carolina do Norte, EUA)
 

Mamãe e vovó, que dizia que na família dela mulher tinha que luxar, não mediam esforços para concretizar o lema. Quando eu voltava para a Casa do Estudante – havia a masculina e a feminina, anexos do Colégio Colinense –, levava, em média, 16 a 20 vestidos novos: um para cada domingo do semestre – jamais repetia um vestido na missa aos domingos! Sem falar que o Louro, sapateiro famoso de Graça Aranha, fazia meus sapatos pespontados à mão, de várias cores... Sempre que o encontrava (morreu há uns dois anos), dizia: “Essa doutora aqui, eu fazia os sapatos dela à mão, desde criança”.
 


 
  (Rainha de Sabá)
    
     Sempre que eu saía para a missa domingueira, dona Estela (a professora Estela Rosa e Silva), diretora da Casa do Estudante, que é negra, dizia: “Esse povo da Fátima faz dela uma rainha de Sabá”, que eu não sabia quem era, mas entendia que ela dizia que eu me vestia como uma rainha.

 
 
Crianças Negras são LindasDicas de beleza para mulheres negras com cabelo afro - crianças 
empelmoon-1   (Ruud Van Empel é um fotógrafo/artista holandês famoso por suas manipulações em fotografias e por seus retratos de crianças negras em cenários de cores vibrantes. O site oficial do fotógrafo é esse aqui.)
 

Era elogio ou crítica ferina? Mamãe achava o máximo! Era a constatação da perfeição de seu trabalho e o reconhecimento de que os vestidos que ela fazia para a filha eram de uma beleza incomum. No entanto, anos a fio ouvindo que eu era como a rainha de Sabá, incomodava. Hoje, entendo que meus belos vestidos despertavam inveja porque eu era uma menina negra vestida com esmero. Em suma, hoje sei que era uma crítica!

 
A menina das roupas
de rainha de Sabá
teve a honra de
cumprimentar Nelson
Mandela com um
aperto de mãos,
em Durban, 2001.


 
Nelson Mandela speaking at the Palacio Guanabara  [(Brizola, governador do Rio de Janeiro, Nelson Mandela e Winnie Mandela, Rio de Janeiro,1991]
  (Benedita da Silva e Nelson Mandela, 1991)
 (Benedita da Silva, vice-governadora do Rio de Janeiro)


Basta lembrar que Brizola, um dia, muito emputecido com Benedita da Silva, não se conteve: “Como pode uma pessoa simples, humilde, muito querida como a Benedita, como vice-governadora, se comportar que nem a rainha de Sabá?” (...) Fiquei sem entender se Brizola criticou ou elogiou Benedita. (“Rainha de Sabá”, O TEMPO, 7.7.2004). Belkis, a rainha de Sabá (atual Iêmen do Sul), era negra e rica. Contemporânea do rei Salomão, de quem se cogita que teve um filho (Menelik I, fundador da Monarquia etíope, 1.000 a. C.), viajou sete anos até Jerusalém com uma caravana enorme e abarrotada de especiarias, ouro e pedras preciosas para presentear Salomão.


  (Casa do Estudante, Colégio Colinense, Colinas-MA)


Repito: era elogio ou crítica ferina? Eu era a única menina negra na Casa do Estudante. Minha família, de todas que mantinham filhas ali, de certeza, era a única negra e a de menos posses – nada que se comparasse com as filhas do Nilo Pacheco da Fortuna (rico afamado, ex-prefeito); Maria Inês do Buriti Bravo; a filha dos Borges de São Domingos; a Meirinha, filha de um Pacheco do Saco (fazenda nos arredores de Colinas), por aí... Os nomes se perderam no tempo, mas a branquitude e a riqueza do sertão estavam todas ali... Sobrevivi. A menina das roupas de rainha de Sabá teve a honra de cumprimentar Nelson Mandela com um aperto de mãos, em Durban, 2001.

 PUBLICADO EM 10.12.2013
 FONTE:  OTEMPO

Nenhum comentário:

Postar um comentário