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terça-feira, 20 de agosto de 2013

Uma delícia do sertão maranhense: coalhada com mel de tiúba

 (Foto do Caldeirão da Rose)
Uma doce memória de uma menina sertaneja
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

 
Em “Deixa chover canivete que o resto o mel de tiúba resolve”, disse: “Amo coalhada adoçada com mel de tiúba!” (O TEMPO, 15.12.2009). Em geral, tenho mel em casa (nem sempre de tiúba) e a coalhadinha dificilmente falta, caseira ou de supermercado. É um luxo, ao qual não me furto, de vez em quando comer coalhada com mel de tiúba como sobremesa. É uma comida que conforta, massageia a alma e é uma doce memória de uma menina sertaneja.

Em geral, após saborear a minha tigelinha de coalhada com mel, bate um relax e eu corro ligeirinho pra deitar na rede, pode ser a qualquer hora. Nunca entendi a equação comer coalhada e a urgência de deitar na rede... A mistura de dois hábitos tão sertanejos deve ter uma razão de ser. Aprendi a comer coalhada salgada em Sampa, quando conheci a coalhada síria ou coalhada seca (sem o soro), muito usada como aperitivo, tanto com acompanhamentos doces quanto salgados. Quando quero coalhada seca, embora fácil de fazer em casa, vou a um empório árabe. Dizem que, para os povos árabes, coalhada doce é uma heresia. Enfim, “Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”... Aproveito as delícias de ambas.




Contam que um
médico judeu curou
com leite fermentado
a dor de barriga
que durante anos
afligiu o rei da
França François I.
 

Todavia declaro que coalhada do sertão tem sabor especial em meu paladar, em minha memória afetiva. Há uma razão científica, a mesma que diz por que a coalhada búlgara é a melhor do mundo: “Alguns micro-organismos só conseguem se desenvolver em condições existentes nos Bálcãs”. Vale para o sertão também, pois não? Sei que sim. Parafraseando o maranhense Catulo da Paixão Cearense, “Não há, oh gente, oh não,/ coalhada como a nossa do sertão!”.A coalhada é o produto do leite fermentado naturalmente. Existe desde tempos imemoriais. Segundo alguns registros: “surgiu, acidentalmente, na Ásia Central, entre as tribos nômades que tinham o costume de carregar leite em suas viagens”; integra o grupo dos produtos do leite fermentado, segundo o micro-organismo que o fermenta. Assim temos: o iogurte, o leite fermentado ou cultivado, o leite acidófilo, o kefir, o kumys e a coalhada – rica em cálcio e proteínas, é também um remédio popular para diarreia, pois repõe a flora intestinal. Além do alto valor nutritivo, há os efeitos anticolesterolênico e anticarcinogênico.
Contam que um médico judeu curou com leite fermentado a dor de barriga que durante anos afligiu o rei da França François I. O cientista russo Ilya Metchinikoff concluiu em suas pesquisas que “as bactérias fermentativas exercem ação inibitória sobre outras bactérias do intestino, contribuindo para a sua desintoxicação” e afirmou que a longevidade dos povos dos Bálcãs é devida a uma dieta rica em leites fermentados.


 
Livro - Nao E Sopa


Coalhada é comida de alma, pois é um alimento que conforta (comfort food), como disse Nina Horta: "Comida de alma é aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora da dor, de depressão, de tristeza pequena... Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a infância e o costume". (In HORTA, Nina – “Não é Sopa – Crônicas e Receitas de Comida”, São Paulo: Companhia das Letras, 1995).


 



Vovó também fazia, para consumo familiar, manteiga de garrafa com a nata da coalhada e o queijo coalho, um maná dos céus. Era cheia de manias. Quando queria fazer queijo, escolhia de quais vacas queria o leite. E, pasmem, meu avô obedecia! Trazia o leite do queijo separadinho: “Tá aqui teu leite! C’os diacho de mulher abusada”... Dá pra acreditar? Pois ela era assim, cheia dos leros... Ai que saudades!



PUBLICADO EM 20.08.13
  FONTE: OTEMPO

4 comentários:

  1. Dra. Fátima Oliveira, ler a sua crônica é um conforto. Muito doce e bonita

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  2. Senti o gostinho de doce...

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  3. Linda. Fiquei até com um desejão de comer coalhada

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  4. Não sou fã de coalhada. Experimentei uma vez e não gostei. No entanto, o texto me remete às férias na Serra Negra, em Colinas, Maranhão, fazenda de meu avô e minha avó, onde nunca faltava tal alimento. O queijo manteiga, feito com a manteiga de garrafa era delicioso. Aqueles sacos brancos dependurados, escorrendo a coalhada para a feitura dos queijos até hoje estão guardados na minha memória afetiva. E o cheiro de mijo do gado, vindo do curral, era como o tal Coco Chanel 5 pra mim. Memórias de tudo feito artesanalmente e gostoso... Valeu, comadre Fátima, pelo texto magnífico.

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