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terça-feira, 30 de julho de 2013

A santa Nhá Chica é uma mestiça descendente do estupro colonial

 (ADRIANA ZIM/DIVULGAÇÃO
)
O exercício livre da sexualidade é uma experiência nova
Fátima Oliveira
Médica – fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
 
Como prometi em “NháChica é uma santa negra que nasceu escrava?” (O TEMPO, 14.5.2013), fui a Baependi (MG) para ver a santa de perto. Desde maio, mergulhei no mundo da santinha de Baependi. Li dois livros sobre ela: “Nhá Chica, Mãe dos Pobres”, de Rita Elisa Seda (Editora ComDeus), e “Nhá Chica Perfume de Rosa”, de Gaetano Passarelli (Paulinas).
 
 
 
 Entrevistei Osni Paiva, o escultor-santeiro de São João del Rei que esculpiu a imagem oficial de Nhá Chica, com policromia do artista Carlos Magno de Araújo, encomendada por dom Diamantino, bispo de Campanha (MG), com base na única foto dela existente, publicada no livro “Caxambu” (1894), do médico Henrique Monat, no capítulo “Entrevista com Nhá Chica”.

Fotos: José Antônio de Ávila
nhá chica 1 (Osni Paiva e o padre Guilherme Gouvêia com a imagem da beata Nhá Chica)


Negra, analfabeta e filha de escravizados, Nhá Chica é beatificada em Minas Gerais  Osni Paiva afirmou: “Nhá Chica não era preta, era parda; logo, da raça negra”. Indagado se não se sentia constrangido de a Nhá dele ser diferente das imagens populares, que a apresentam como negra, disse que não, pois foi fiel aos traços da foto e à declaração do dr. Monat de que ela era “morena”, então “não fiz uma Nhá Chica branca!”.
 
 
 
 
Osni Paiva pode estar certo. Nhá Chica é a segunda geração de Nhá Roza de Benguela, escrava de Custodeo Ferreira Braga, provável pai de sua mãe, Izabel Maria, mestiça de preto com branco, que foi vendida para um membro da família Pereira do Amaral, com quem teve Maria Joaquina e Theotônio Pereira do Amaral, ambos registrados e criados pelo pai; após ter os filhos, foi alforriada pelo seu dono. Quando Nhá Chica nasceu (1808), sua mãe era uma mulher livre, que trabalhava para a família Alves, em Porteira dos Vilelas (Passarelli, 2013).
 
 
 
Trazidas para o
Brasil na condição
de trabalhadoras
escravas, as africanas
e suas descendentes
não eram donas de
seus corpos
 
 
  (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
 
Intrigava-me como uma ex-escrava sai de São João del Rei chega a Baependi e compra uma chácara. Compartilhei com Osni Paiva a indagação. Para ele, a resposta desvendaria a alforria de Izabel. Encontrei a história em “Nhá Chica Perfume de Rosa”. Theotônio e Maria Joaquina foram mandados, pelo pai, para Baependi, lugar próspero à época. A mãe acompanhou o filho. Enquanto o palacete dos filhos Pereira do Amaral era na principal rua da cidade, ela e Nhá Chica se acomodaram numa chácara, hoje rua da Conceição, 165, que dizem ter sido comprada com o auxílio do Amaral pai e do padrinho de Nhá Chica, Ângelo Alves, seu possível pai.
 
 
  (Santuário da Imaculada Conceição) 
 
File:Sempre-Viva Serra-da-Canastra.jpg 

Em Baependi, Nhá Chica é uma sempre-viva, a flor imortal, no coração do povo. Falam dela como se estivesse viva! No santuário da Imaculada Conceição, erguido englobando a antiga igrejinha de Nhá Chica, onde ela está sepultada, ao lado ficam a casa de Nhá Chica e o Memorial Nhá Chica. A nova imagem de Nhá Chica, entronizada no santuário da Imaculada Conceição, é uma obra de arte de rara beleza; de fato, Osni Paiva não a fez branca. É parda. Logo, negra, embora não seja preta. População negra é o conjunto de pretos e pardos. Em conversas com romeiros e pessoas do lugar, quase 100% dizem preferir a Nhá Chica preta da imagem tradicional!
Elementar que Nhá Chica não seja preta. Sua avó e a mãe foram submetidas, pelos seus donos brancos, ao estupro colonial. Trazidas para o Brasil na condição de trabalhadoras escravas, vítimas do estupro colonial, as africanas e suas descendentes não eram donas de seus corpos. A possibilidade de decidir sobre o próprio corpo e o exercício livre da sexualidade é uma experiência muito nova para nós, negras; data de apenas 125 anos (1888, Lei Áurea).
Sair da condição de “objeto privado” não tem sido fácil, posto que os estereótipos sobre as mulheres negras são inúmeros, embora sejamos, biológica e culturalmente, um país mestiço. 
 
Baependi se prepara para beatificação de Nhá Chica PUBLICADO EM 30/07/13
Nhá Chica (DUKE) FONTE: OTEMPO 

7 comentários:

  1. Olá Fátima Oliveira, uma crônica que mostra o seu empenho em desvendar mais a vida de Nhá Chica. Sim, ela é negra!O estupro colonial fez do Brasil um país mestiço! É fato.

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  2. Sueli Carneiro, do Instituto da Mulher Negra - Geledes, apontou que o estupro colonial de negras e indígenas pelos brancos portugueses está na base da cultura nacional, de uma forma em que a violencia sexual é romantizada e a desigualdade é erotizada. E a relação subordinada das mulheres com seus senhores tornou-se pilar da decantada democracia racial no Brasil.

    http://www.ciranda.net/article354.html

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  3. Forte. Sincero. Parabéns

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  4. Perfeito Fátima Oliveira. É por aí mesmo

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  5. Poderosa Fátima Oliveira! O link com o estupro colonial foi dez!
    As mulheres no Brasil Colonial
    http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0812079_10_cap_03.pdf

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  6. Fiquei impressionada. E feliz. O catolicismo popular é cheio de belezas e surpresas

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  7. Boa tarde estou querendo adquirir esta i,agem da Nhá Chica vc pode me informar onde posso encontrar?

    Meu e-mail é lena10floripa@gmail.com

    Obrigada

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