...”Maio, mês de Maria: durante o mês de maio inteiro, as carpideiras reverenciam Nossa Senhora, a mãe de Jesus. Mas no 13 de maio, elas se juntam aos moradores que fazem o que se chama de “Festa de Pretos”; é explicável até porque quase todas são negras, desde as chamadas de morenas até pretas retintas. As “festas de pretos”, no 13 de maio, celebram o Dia da Abolição da Escravatura, que aqui dizem “o fim do cativeiro”, que em nossa cidade não é muito animada, não.
Fico a pensar que, hoje em dia, os intelectuais negros não gostam muito do 13 de maio, não! Dizem que quem o festeja celebra a Princesa Isabel. Agora dizem que o 13 de maio é Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo. Não penso que as “festas de pretos” são para a Princesa Isabel, mas de comemoração pelo fim oficial do cativeiro em si. E não adianta os setores letrados do Movimento Negro destratarem a comemoração, para firmar o 20 de novembro, Dia da Nacional da Consciência Negra, pois trata-se de uma festividade popular negra existente, em todo canto do País, desde a Abolição (13 de maio de 1888). Além do que o 20 de novembro data da morte de Zumbi dos Palmares (1655-1695), foi oficializado pelo Estado brasileiro como Dia Nacional da Consciência Negra, pela Lei 10.639, de janeiro de 2003, que inclui o ensino sobre a “História e Cultura Afro-Brasileira” nas escolas e dá outras providências.
Em municípios vizinhos há muita coisa no 13 de maio, além das conhecidas também como “festas de pretos”: a de São Benedito (5 de outubro) e a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (25 de outubro), cada uma em sua época.
Certa vez, perguntei à tia Lali porque não havia tais festas aqui. A resposta dela é que Grotões foi durante muitos anos uma fazenda dos Bezerras, município de Cachoeira Prateada, e então, como era terra de dono, e o primeiro dono era muito mau para os escravos, quando se deu a Abolição, os negros foram embora daqui para sempre. Consideravam-na uma terra amaldiçoada.
Então, essas tradições festivas dos negros, mais conhecidas em outras regiões como as congadas, aqui não vingaram. Há apenas a tradição do reisado, restrita ao Ciclo Natalino até o Dia de Reis, e a das carpideiras, que certa vez tia Lali falou que, assim para o povo saber mais, é coisa de pouco tempo, de uns cinqüenta anos para cá, porque antes era tudo feito no escondido. As carpideiras, publicamente só louvavam os mortos e mais nada. Outras obrigações religiosas que cumprem as carpideiras eram sigilosas”. (...)
[Extraído das páginas 223 e 224, do capítulo "Grotões dos Bezerras um canteiro de obras de arte", do livro "Reencontros na travessia: a tradição das carpideiras"]
ISBN: 9788571604476
Autora: Fátima Oliveira
Dimensões: 14 x 21 cm – 256 pág.
Preço: R$ 30.00
Resenha: “O olhar da autora sobre as carpideiras resgata um tipo de sabedoria brasileira: vindo do sertão e renovado por gerações de mulheres. Vale à pena destacar que esse olhar é de uma médica, feminista e cronista atenta aos movimentos sociais. Antes de mais nada, porém, deve-se ressaltar que trata-se de um olhar generoso que abre espaço para o dizer sábio de pessoas humildes. Através desta porta aberta, pode-se perceber que as personagens só podem ser íntimas do momento da morte porque mantêm um pacto firme com a vida que elas defendem amando e lutando de modo aguerrido. As carpideiras, que choram e cantam para encomendar almas ao outro mundo, possuem filosofia própria e certeira contra a dureza do dia-a-dia e a favor da alegria”.
Cláudia Collucci Quero ser mãe http://claudiacollucci.blog.uol.com.br/ |
Crítica: "Reencontros na Travessia - A Tradição das Carpideiras"
Com poesia, romance aborda histórias das mulheres que choram os mortos
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Herdeiras de uma arte milenar, as míticas carpideiras, mulheres com a missão de reverenciar os mortos, acabam de ter sua história recuperada e contada de forma singular, quase poética. Em seu segundo romance, "Reencontros na Travessia: A Tradição das Carpideiras", a médica e escritora maranhense Fátima Oliveira usa a história de amor de Cacá e Pablo como eixo para desvendar a vida dessas mulheres anônimas, que têm a fama (injusta, segundo a autora) de chorar o defunto alheio em troca de dinheiro. Desde antes de Cristo, as carpideiras (do verbo carpir, do latim carpere, arrancar cabelos e barbas em sinal de dor) tinham a missão de encomendar o corpo de quem morreu para que sua alma ascendesse aos céus. Era um rito de passagem do mundo terreno à eternidade. As carpideiras profissionais foram conhecidas em toda a Europa. Os romanos, por exemplo, consideravam esses rituais indispensáveis e dividiam as carpideiras em duas classes: a "Prefica", paga para cantar os louvores do morto, e a "Bustuária", que acompanhava o cadáver ao local da incineração, pranteando-o de forma estridente. Ambas seguiam uma tabela de preços. No Brasil, grande parte das carpideiras descende da tradição portuguesa. São espontâneas, lamentam o defunto gratuitamente ou vocacionalmente -mas também não recusam qualquer tipo de ajuda oferecida pela família do morto.
Dor amansada
Em "Reencontros", a morte ganha um outro sentido. Após o enterro da tia Lali, líder das carpideiras da localidade onde o romance é ambientado, a protagonista Cacá comenta: "Tia Lali não foi enterrada, foi plantada". Plantar os entes queridos em vez de enterrá-los -existe figura de linguagem mais apropriada para amansar a dor da despedida? À medida que o romance avança, o leitor viaja para Grotões dos Bezerras, cidade fictícia do Maranhão, com sua gente simples, sistemas de moralidades e festas memoráveis. Lá, conhecerá os pratos regionais, como a salada de flores com castanhas de caju, e também escutará a alvorada -festa com músicas no amanhecer. Além da casa de tia Lali e sua penteadeira abarrotada de frascos de perfumes importados, o leitor dará um pulo na casa da Socorrinha para admirar seu jardim com imensas folhas verdes de jibóia e um roseiral a perder de vista. Na volta, ouvirá cantos em memória à tia Lali. Autora de oito livros (a maioria na área de bioética), Fátima Oliveira vive em Belo Horizonte e fala com propriedade desse rico sertão já descrito por Guimarães Rosa, na obra "Grande Sertão: Veredas". "A minha paixão pelo sertão permite que o sertão viva em mim. E eu o carrego, sempre. Onde estou, está o sertão", diz a autora.
REENCONTROS NA TRAVESSIA: A TRADIÇÂO DAS CARPIDEIRAS
Autora: Fátima Oliveira
Editora: Mazza Edições
Quanto: R$ 30 (256 págs.)
Avaliação: bom
Fonte: Folha de São Paulo, 06/09/2008
www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0609200818.htm
Pedidos online para Mazza Edições:
www.mazzaedicoes.com.br/busca.php?criterio=LITERATURA&tipobusca=4&s=20&p=4
O enterro. Gravura de Franklin Cascaes. Na obra de Adalice Maria de Araújo: Franklin Cascaes, o mito vivo da ilha, Editora da UFSC. As Carpideiras - Senhoras da Vida e da Morte |
Espanha resgata tradição de mulheres pagas para chorar em enterros
Um ofício da Idade Média extinto há dois séculos está sendo resgatado na Espanha para salvar a economia de muitas donas-de-casa em tempos de crise. Com a condescendência de sacerdotes católicos de paróquias rurais, estão de volta as carpideiras, mulheres que recebem dinheiro para rezar e chorar por mortos desconhecidos. [Anelise Infante, de Madri para a BBC Brasil] <www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/11/091102_choradeiras_ai_ac.shtml>
Já li Reencontros na travessia - a tradição das carpideiras, é pura prosa-poesia.
ResponderExcluirFátima, sou fã desse livro teu. Achei lindo
ResponderExcluirPrezada Dra. Fátima Oliveira, fiquei muito impressionada com o seu livro. Desejo lê-lo o mais breve possível
ResponderExcluirBelezura Parabéns pelo blogue
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