Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
Sempre que os serviços de saúde são atacados em nome
da restrição de aportes financeiros, esquecem que nós, as mulheres, somos pouco
mais da metade do povo brasileiro.
Governos de espectro conservador focam apenas o que
santifica a mulher nos discursos: gerar a vida. O que acontece no percurso,
abortos espontâneos ou voluntários, não conta, embora saibam que aqui as
maiores vítimas são as mais despossuídas, no caso as pobres, mas entre as
pobres, as jovens e as negras.
Há uma indústria do aborto às custas da ilegalidade.
Há um caráter de classe do aborto no Brasil. O abortamento é um procedimento
seguro em mãos habilitadas, que nos países onde é criminalizado só é acessível
a quem pode pagar por ele. Logo, uma sociedade que nega a suas cidadãs o acesso
ao aborto seguro é cruel.
Em 2005, publiquei pela Mazza Edições o romance “A
Hora do Angelus”, que aborda “amores, abortos e abandonos nos subterrâneos da
Igreja”, do qual transcreverei alguns fragmentos.
(Capela Bom Jesus dos Navegantes, onde, teria o Padre Antonio Vieira, em 1654, proferido o célebre "Sermão aos Peixes" criticando, através de metáforas, a sociedade rica de São Luís-MA)
“Ele riu e perguntou se eu abortara alguma vez.
“‘Não, nenhuma. Também nunca precisei. E, depois, uma
mulher só opta por abortar diante de necessidades especiais, como, por exemplo,
quando não tem como criar o filho; como não suportar o peso da vergonha de uma
gravidez sozinha diante de familiares e do seu meio social; ou quando uma
gravidez é indesejada por muitos outros motivos. Tem sido assim em todas as
sociedades. Hoje, há outras questões postas, como, por exemplo, inviabilidade
fetal comprovada, e o ônus de deixar vir ao mundo uma criança com doenças graves
e incapacitantes para a vida autônoma para as quais a sociedade e o Estado
lavam as mãos’.
“‘Mas como é para um homem exigir que uma mulher
aborte?’ – indaguei.
“‘O aborto para mim é um tema de autodeterminação das
mulheres. Quando tive de lidar com o aborto do ponto de vista pessoal, era numa
época em que provocar um aborto era quase sinônimo de morte, nem sequer havia
antibióticos. Foi em 1940. Não havia ainda a penicilina. As mulheres dependiam
da habilidade da parteira, muito mais do que de conhecimentos médicos (...).
Ela em minha vida e o meu amor por ela são comparáveis a um acidente, já que
meu plano era outro. Naquela época eu entendia que acidentes são acidentes,
nada mais que acidentes, portanto devem ser tratados como tal’.
(O Convento de Santo Antônio, obra dos frades franciscanos. Inaugurado em fevereiro de 1625. Em 1838 foi criado o Seminário Episcopal de Santo Antônio, que ocupou o Convento Santo Antônio.A Igreja, de Santo Antônio, ao lado do seminário, foi inaugurada em 20 de janeiro de 1867)
“(...) Não há o pecado do aborto. Aí é que está a
diferença. Nem sempre foi como hoje, na história da Igreja, a opinião sobre o
aborto. Há muita literatura sobre isso. Essa opção da Igreja de lutar contra o
aborto é inútil, na medida em que ela luta mesmo é para que as mulheres não
tenham acesso ao aborto seguro. O problema para a Igreja não são os abortos,
mas os leitos obstétricos para o aborto, pois a simples existência deles, em
qualquer lugar, desmoraliza a sua posição contrária...
“(...) Essa batalha contra o aborto ela já perdeu, mas
só se dará conta disso quando perder a dos leitos obstétricos para o aborto
também. É preciso e é tão importante quanto a luta pelas leis sobre direito ao
aborto preparar caminhos para a definição de leitos obstétricos para o aborto,
ainda que indiretamente.
“Você me entende? O aborto, nos tempos atuais, assim
como a gravidez, e especialmente uma gravidez indesejada, não pode mais ter
esse poder de antigamente de mudar projetos e cursos de vida contra a vontade
das pessoas. O poder até de destruir a vida de mulheres e de homens. Aceitar
que assim seja é se portar contra o projeto civilizatório dos tempos atuais”.
Eis por que a resistência no combate às trevas hoje no
Brasil deve ser feita nos Estados.
PUBLICADO EM 14.06.16
FONTE: OTEMPO
A hora do Angelus é uma história de vida amorosa que se desenrola em São Luís do Maranhão. Em A hora do Angelus eu coloquei todas as belezas que me encantam lá. E assim registrei o meu amor por esta bela ilha, cujo centro histórico é um conjunto arquitetônico que é uma réplica das vielas de Paris.
Fátima Oliveira, In “Se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”
(Santiago do Chile, 8 de setembro de 2006. Às 10:40)
RESENHA
A hora do ângelus
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
Mazza Edições | Rua Bragança 101, Pompeia - 30280-410, Belo Horizonte-MG/Brasil | Fone/Fax: 31 3481-0591
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