(DUKE)
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
“Na última semana, dois
casos de estupro recolocaram esse tipo de violência na pauta. O assunto voltou
com força – nas redes sociais e fora delas.
“Os crimes que ganharam
as telas dos computadores e das TVs: uma adolescente de 16 anos foi violentada
por um grupo (talvez mais de um grupo) de homens no Rio de Janeiro, e teve
vídeos da agressão disponibilizados na internet. No Piauí, outra adolescente, de
17 anos, foi violentada por quatro menores e um homem de 18 anos.
“O que espanta, nos
dois casos, é uma reação de ‘normalidade’, de ‘naturalidade’ com que os
agressores trataram seus crimes. No caso da adolescente fluminense, o vídeo
começou a circular nas redes sociais como se fosse um troféu – com a circulação
do vídeo, centenas de denúncias começaram a chegar ao Ministério Público antes
mesmo de a menina ir à polícia. O delegado responsável pelo caso do Piauí conta
que os menores disseram julgar ‘normal’ o sexo do colega com a menina
desacordada (...).
“O crime de estupro
está previsto no artigo 213 do Código Penal Brasileiro. A lei brasileira de
2009 considera estupro qualquer ato libidinoso contra a vontade da vítima ou
contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência. Não
importam as circunstâncias, se foi contra a vontade própria da pessoa ou ela
está desacordada, é crime. Antes, o ato só era caracterizado quando havia
conjunção carnal com violência ou grave ameaça” (Novelo Comunicação, 6.6.2016).
O estupro coletivo é a
violência sexual perpetrada por mais de um agressor – crime usual em períodos
de guerra, desde tempos imemoriais, e frequente em sociedades contemporâneas de
alicerces patriarcais.
O estupro colonial,
base da mestiçagem brasileira, foi praticado, como um direito divino, por
portugueses contra índias e pelos senhores de escravos contra negras e índias
durante o período colonial até a abolição da escravatura (Lei Áurea, 1888).
(Nhá Chica - de aparência negra como ela era e de aparência branca, como a Igreja Católica Apostólica Romana mandou fazer para a sua beatificação)
Então, a “cultura do
estupro” descende da visão naturalizada dele até 1888 como um direito, como
registrei em “A santa Nhá Chica é uma mestiça descendente do estupro colonial”
do seguinte modo: “Trazidas para o Brasil na condição de trabalhadoras
escravas, vítimas do estupro colonial, as africanas e suas descendentes não
eram donas de seus corpos. A possibilidade de decidir sobre o próprio corpo e o
exercício livre da sexualidade é uma experiência muito nova para nós, negras” –
da Lei Áurea para cá (O TEMPO, 30.7.2013).
O que une o estupro
colonial ao estupro coletivo é a ideologia patriarcal: o sentimento de
propriedade privada, que naturaliza e banaliza o ato sexual não consentido.
Índias e negras estavam
alocadas na condição de “objeto privado”, cujo “uso” era “legal”, tanto que o
sexo forçado com elas nem é mencionado nas Ordenações Filipinas – ordenamento
jurídico português do rei Felipe I, que data de 1603, em vigor no Brasil até
1830. O linguajar para a violência sexual da época era “estupro, rapto,
aleivosia e defloramento”, quando praticados contra a mulher branca, porque
“honra” era um atributo exclusivo delas!
(Fátima Oliveira e Sueli Carneiro)
De acordo com a
filósofa Sueli Carneiro, o estupro colonial “está na base da cultura nacional,de uma forma em que a violência sexual é romantizada e a desigualdade éerotizada”, tornando “a relação subordinada das mulheres com seus senhores opilar da decantada democracia racial no Brasil”.
Estupro é crime
hediondo no Brasil – Lei 8.072, de 25 de julho de 1990. E ponto final.
PUBLICADO EM 21.06.16
Do blog Memorabilia
FONTE: OTEMPO
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