Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_
Após uma eleição vitoriosa, João Amazonas
(1912-2002), ideólogo do PCdoB, entra em cena: “A luta revolucionária dos povos
é uma luta de mil faces: ela é luta eleitoral, ela é luta grevista, ela é luta
cultural, ela é luta social; enfim, ela tem 1.001 aspectos” (“Roda Viva”,
20.2.1989). E assim ele estará na posse de Flávio Dino, o primeiro governador
da história do PCdoB, e na de Dilma Rousseff.
(Amazonas e Lula durante o comício de 1º de Maio em 1989. / Foto: Arquivo Fundação Maurício Grabois)
Uma das últimas fotos da bancada Comunista na Constituinte de 1946. O Senador Prestes ao centro, tendo a sua direita João Amazonas e à esquerda Maurício Grabois. Todos foram cassados por suas convicções comunistas e a maioria ingressou na luta armada (FONTE: Núcleo Memória)
Minhas memórias dele são repletas de
ternuras – aquela fala mansa, porém firme, e as atitudes afetuosas comigo e com
minha filharada. Nossas conversas eram intermináveis, um assunto emendava no
outro... Assisti com ele, em BH, à abertura das Olimpíadas de Seul (XXIV
Olimpíada, 17.9 a 2.10 de 1988, Seul, Coreia do Sul). Contagiava a sua
empolgação com o espírito internacionalista das Olimpíadas: 159 países e 8.391
atletas, “a maior de todos os tempos!”, dizia ele.
A conversa fluía... Disse que não sabia
nadar nem andar de bicicleta: “Nunca aprendi! E faz muita falta não saber!” De
modo afável e emocionado, relembrou a pensãozinha em que se hospedava em
Imperatriz na época da guerrilha do Araguaia. Recordou até o nome da dona e de
seus filhos.
(Clarinha e Inacim, Natal Sertanejo 2013, na casa da da vovó Fátima em Beagá: "Um almoço sertanejo de Natal para Maria Clara e Inácio")
Incursionamos na trilha das festividades
religiosas. Disse-lhe que decidira que a gastronomia religiosa do sertão na
Semana Santa e no Natal faria parte da memória dos meus filhos, pois é
patrimônio cultural a preservar. Disse que eu agia corretamente e que “não
devemos fazer cavalo de batalha com essas coisas que o povo mantém porque
aprecia! Nossas crianças devem ser criadas respeitando a cultura popular”.
(João e Edíria logo após o casamento em 1958)
Foi então que contou o que Augusto
Buonicore relatou em “Simplesmente Edíria”, acontecido em um Natal no Rio
Grande do Sul: “João e Edíria passaram por enormes dificuldades materiais. No
Natal de 1961, não tinham nem mesmo como dar presentes para os filhos. Um casal
de intelectuais comunistas, Rio-pardense Macedo e Leda Maria, deram uma festa
na qual distribuíram brinquedos às crianças. Todos ficaram muito emocionados e
jamais esqueceram aquele ato de solidariedade” (“Vermelho”, 26.12.2011).
Quando morei em Sampa (1992-1995), em
todos os Natais recebia um recado: “Manda as crianças, quero vê-las!” Colocava
os quatro no metrô – Débora, Lívia, Gabriel e Arthur, muito felizes, pois
adoravam ver “o velhinho pai do partido”. Da primeira vez, quando voltaram,
indaguei: “E aí?” Responderam como um jogral: “Mãe, ganhamos uma caixa grandona
de chocolates!” Acrescentei: “E cadê?” Rindo, responderam em coro: “Comemos!”
Nos anos seguintes, perto do Natal, a cena da caixa de chocolates do João
Amazonas se repetia, e eu nunca vi um só chocolate, mas eles aparecem nas
conversas das coisas belas de nossas vidas!
Ao receber um exemplar do meu primeiro
livro, o “Engenharia Genética: O Sétimo Dia da Criação” (Moderna, 1995), falou
sorrindo e alisando a capa: “Não é todo dia que uma grande editora publica
comunista! O partido não cuida bem dos seus intelectuais, desde sempre. Foi
assim na União Soviética”.
Poucos meses depois, recebi um recado dele
convidando-me para uma homenagem a Álvaro Cunhal (1913-2005), presidente do
Partido Comunista Português, e pedia que eu levasse um exemplar do meu livro
para ele. “É o livro sobre ciências mais importante, escrito por comunista,
depois de ‘Dialética da Natureza’” (Frederich Engels, 1883), disse João
Amazonas a Álvaro Cunhal, deixando-me totalmente sem graça, e discorreu
brevemente sobre o conteúdo do livro! São exageros do gostar. Sem mais
palavras.
(DUKE)
João Amazonas, a última entrevista - TV Câmara - Programa Memória Política: http://youtu.be/wCBZiw1OZAg
João Amazonas, a última entrevista - TV Câmara - Programa Memória Política: http://youtu.be/wCBZiw1OZAg
PUBLICADO EM 11.11.14
FONTE: OTEMPO
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