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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Aguarde mais peripécias de um sobrevivente das Torres Gêmeas

Fátima Oliveira*                                                                    

Publicado originalmente no site AFIRMA, em 01 de março de 2005
www.afirma.inf.br/htm/politica/marco.htm


Bernardo Joffily, editor do Portal Vermelho, em “As duas prioridades pós-Severino”, se aventura a dizer que “Depois da eleição do ‘avulso’ Severino Cavalcanti (PP-PE) para presidente da Câmara dos Deputados, duas questões ganham relevo e urgência em Brasília: reforma política e governo de coalizão. O resto é resto, com todo respeito por aqueles que passaram a priorizar miçangas como o salário dos deputados, o tamanho do recesso parlamentar ou o estilo verbal do eleito, um sem-diploma universitário (que horror)”. 

Joffily justifica ainda porque afirma que os partidos são os grandes derrotados pela eleição de Severino Cavalcanti (SC), já que “O sistema partidário brasileiro sofreu um golpe demolidor na noite de 14 para 15 de fevereiro, que alguém apelidou de Noite de São Bartolomeu (numa alusão a um célebre e sangrento episódio de traição do período das Guerras Religiosas na Europa). Seria superficial responsabilizar Severino, o  ‘baixo clero’, o  ‘troca-troca’ ou o também candidato ‘avulso’ petista, Virgílio Guimarães (MG). Foram apenas os catalizadores. Mas o fato é que, mais que o candidato oficial do PT à presidência da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), a consistência dos partidos políticos brasileiros foi a grande derrotada daquela longa madrugada. Com honrosas exceções, nenhuma bancada funcionou. Foi um cada-um-por-si-e-Deus-por-todos. O estrago foi maior por incidir sobre um sistema partidário reconhecidamente débil.”

Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de São Paulo, afirma, destacando que a eleição de SC não foi uma surpresa apenas para o governo, mas os 3 grandes jornais brasileiros (FSP, O Globo e Estadão) fracassaram, “Não porque não apontaram antecipadamente a vitória do deputado, mas porque foram incapazes de perceber a dimensão do fenômeno político que estava sufocado nas bases do legislativo (...) Os erros que os jornais cometeram não são exclusividade desta cobertura, mas vêm se repetindo e apontam para a falência de um modelo de acompanhamento da política nacional que domina hoje as grandes e médias redações do Rio, São Paulo e de Brasília. Os jornais deveriam aproveitar a oportunidade para uma reflexão séria sobre os rumos do jornalismo político”.

Há uma charge de Maurício Ricardo, “Severino Cavalcanti canta Severina Xique-xique, do Genival Lacerda”, que, priorizando as miçangas, contradiz, embora traduza de certa forma, o que falou Joffily, com uma versão não incompatível com o contexto:

“Ninguém conhece Severino Cavalcanti
Nunca foi muito importante,
mas agora vai mudar!

Aqui na Câmara virei o presidente
prometendo pros colega dobrar o salário da gente

Eles tão de olho... é na conta corrente...
Eles tão de olho... é na conta corrente...
Eles tão de olho... é na conta corrente...

Dinheiro é bom e nunca é demais, não é verdade?

No parlamento um monte de gente bajula
o governo e o Lula
Pra tentar se arrumar
Mas me elegi sem apoio do presidente
Porque fiz uma campanha muito mais inteligente

Prometi dinheiro na conta corrente,
Eles tão de olho... é na conta corrente...
Eles tão de olho... é na conta corrente...

É isso ai, 21 mil lá na carteira,
tem alguém mais competente que eu, hein? Hein?


Mas, foi a política quem saiu perdendo

  O prof. Chico de Oliveira, em “O paradoxo Severino”, conclui que “Foi a política quem saiu perdendo”.  Tenho em alta conta as reflexões dele. Em meu artigo “Reinventar a democracia” (O TEMPO, 4/08/2004), transcrevi um trecho de sua lavra que em muito poderá nos ajudar a elucidar enigmas da atual conjuntura: “‘Por que motivo deveríamos considerar a democracia representativa como último estágio do desenvolvimento da política? Em nome de que esse respeito, essa reverência? Acaso não aprendemos que a democracia só sobrevive se for constantemente reinventada?’ Estou morrendo de inveja de quem ouviu o sociólogo Chico de Oliveira falar isso no Seminário Agenda pós-Neoliberal (São Paulo, junho de 2004).

Ainda de quebra, citando Jacques de la Rozière, ele acrescentou:  ‘A política é a reivindicação por parte dos que não têm parte’  e o problema central da democracia é que ‘O novo capitalismo’ globalizado e financeiro a está reduzindo a algo irrelevante para os que dominam e inacessível para os dominados (...) a anulação da democracia pelo capitalismo repercute entre os dominados. Os sindicatos, antigos espaços de socialização para trabalhadores, perdem eficácia. O individualismo predatório que marca o sistema subjetiva-se, transforma-se em nova forma de pensar e se relacionar com o outro”. 

Mas reflitamos mais sobre o que escreveu o sociólogo em “O paradoxo Severino”: “não é disparatado que tenha sido o deputado Cavalcanti, conhecido como o ‘ rei do baixo clero’, o vencedor. Isso mostra que o governo do PT está emaranhado em pequenas negociações, em arranjos paroquiais, para fazer passar sua vontade na casa principal do Legislativo. Ainda se fosse para grandes reformas, até se admite, mas não, é para o pequeno varejo (...) Pensando e fazendo política como se fosse negociação sindical, o presidente anula a política, pois, se tudo pode ser negociado, nada é prioritário. O presidente não tem posição definida sobre nada, e os políticos, escolados também no mesmo fazer, podem mudar à vontade. Basta ver que o novo presidente da Câmara já passou por nada menos que seis partidos desde que se iniciou na política partidária”.

E o prof. Chico de Oliveira vai fundo nas lições que decorrem do episódio: “O mais inquietante que essa eleição confirma é a desimportância crescente da política, a sua irrelevância, o que se avalia tanto pela biografia do novo presidente - inexpressivo deputado de um inexpressivo partido, vindo de Pernambuco, que se enfraquece a olhos vistos como força política na Federação (e olha que me custa dizer isso, pois sou pernambucano e recifense roxo) -, quanto pelo fato de que os negócios se assustaram logo que a notícia correu, com a Bolsa despencando, para voltarem à normalidade quando se decifrou o enigma (...) O Estado é o Ministério da Fazenda e o Banco Central. O resto é luxo de miçangas e paetês de escola de samba que se permite hoje aos países ‘emergentes’”.

A mídia nacional tem dedicado espaços substanciais analisando a “Onda Severino” - para uns um tisunami, para outros um vendaval e muita gente no Planalto ainda acha que foi apenas uma marola da base aliada - na caça dos culpados da vitória de SC. Sim, muita gente considerada insuspeita tem “culpa no cartório” e não pode se eximir de admitir que SC chegou “aos píncaros da glória”, como ele mesmo disse, porque desejos escusos e mesquinhos de algumas personalidades da “elite letrada”, que arrotam que estão na vida pública pelo “bem do Brasil”, estão acima dos interesses da nação.

Contribuíram, decisivamente, para elevar SC “aos píncaros da glória”, além da “cacicada” do PSDB e do PFL - conforme a mídia, incensados pelo o ex-presidente, o prof. dr.  Fernando Henrique Cardoso e o também presidenciável pelo PSDB, o governador Geraldo Alckimin (SP) - figuras como o ex-governador  do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (outro fundamentalista confesso); Delfim Neto (PP, como SC e Paulo Maluf: o “estupra, mas não mata”), que colocaram seus nefastos desejos pessoais acima dos interesses do país e carrearam as enxurradas de votos para SC, sem nenhum pudor do convívio, durante dois anos, com uma presidência da Câmara abaixo da crítica e talvez lesiva à democracia. Nenhum tinha o direito de fazer isso. Permitiremos que continuem tendo a chance de fazer isso outra vez, ou melhor, mais uma vez?


O novo presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, comemora junto a outros deputados a sua vitória  Foto: Agência Brasil Qual o peso do ideário fundamentalista na eleição de SC?

Há um fator que os analistas da política, o governo Lula, o PT e os partidos de esquerda mais alinhados ao governo (PCdoB e PSB) olvidaram, por não considerarem importante, a força das idéias fundamentalistas - capitaneada pelo oficialato da Igreja Católica, em uma conjuntura de avanço declarado do governo no campo dos direitos reprodutivos - espraiadas em quase todos os partidos, inclusive no PT, cujas expressões mais conhecidas, mas há outras, são a médica e deputada federal Ângela Guadagnin/PT-SP e o jurista e ex-prefeito de SP, duas vezes pelo PT, o prof. dr. Hélio Bicudo.

Cometeram um erro crasso. E há motivos para tanto, pois consideram os direitos sexuais e os direitos reprodutivos como “questões culturais” menores, sem peso político, embora o atual presidente da República tenha sido nocauteado em sua primeira campanha à presidência pela temática do aborto (“Caso Miriam”) e se comente, à boca miúda,  que a primeira delação oficial da Guerrilha do Araguaia foi feita por um casal, que foi preso pela Ditadura, quando fugia da guerrilha, por ter recusado a interromper uma gravidez. Pode  até ser mais uma “lenda da guerrilha”, mas ela é tida como verdadeira por muita gente (SOS! Quem souber detalhes da história, por favor, torne-a mais pública).

Alguém tem dúvida que o Vaticano e fundamentalistas de todas as tintas ficaram apenas expectando, ou melhor, como dizemos nós da roça: matutando sobre o assunto? Tendo em conta que SC já foi recebido pelo Papa João Paulo II, às custas de sua declarada  e “meritória” ação parlamentar misógina e homofóbica, e abençoado pelos serviços prestados ao Vaticano, analistas da política se descuidaram, mas é bom correr atrás de buscar analisar o peso do fundamentalismo (leia-se: Vaticano, mas também seitas e igrejas evangélicas, criacionistas em geral) na eleição de SC à presidência da Câmara, justo quando está pautada a revisão da legislação restritiva e punitiva sobre o aborto - momento importante de reafirmação da separação do Estado brasileiro das religiões (laicidade do Estado).

Alguém sabe dizer o que o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), nos estertores de sua saída da presidência da Câmara, foi fazer em Roma  e por que se exibiu e se esmerou em posar recebendo as bênçãos do Papa? Será que foi prestar contas de seu mandato? Apenas mais uma curiosidade...

Não podemos fechar os olhos ao peso que o recrudescimento do fundamentalismo religioso vem tendo na definição dos rumos políticos em todo o mundo, inclusive no chamado mundo ocidental. E SC é um parlamentar da confiança dos “Setores Pró-vida”, em todo o mundo, e recebe loas em muitas páginas da Internet contrárias ao direito ao aborto. Além do contexto da recente enfermidade do papa João Paulo II e a insistência dos rumores de que o cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, é papável... há setores da hierarquia da Igreja que avaliam que sendo ele de um “país latino” que ruma para a descriminalização e/ou legalização do aborto, suas chances diminuem, consideravelmente...

Logo, vale tudo para não correr riscos rumo à Capela Sistina. Vide o que a dra. “Dona” Zilda Arns, que ocupa há muitos e muitos anos, indevidamente, porém legalmente, em nome da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil),  uma vaga que deveria ser das religiões no CNS (Conselho Nacional de Saúde) - arquitetou na última reunião do CNS (15 e 16/02/2005) apenas porque estava pautado o debate sobre uma moção de   apoio à ADPF/Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental sobre interrupção de gestação de feto com anencefalia. Ela solicitou adiamento da discussão e um “debate técnico qualificado”, com duas opiniões a favor e duas contra, como se a essa altura de intenso debate na sociedade brasileira sobre o assunto, o pleno do CNS (a nata dos conselheiros de saúde do país) ainda necessitasse de maiores esclarecimentos.

Nada disso, a eterna conselheira titular da CNBB no CNS é useira e vezeira na arte de postergar quando o assunto no CNS é o aborto, aliás direitos reprodutivos de uma maneira geral. E o pleno do CNS aprovou a petição: “Ontem, quando o assunto seria discutido no CNS, houve a apresentação de três conselheiros defendendo o direito de a mulher poder optar pela interrupção da gravidez nesses casos. Um deles representa a CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde), que protocolou a ação no Supremo. Zilda Arns quis que o debate fosse adiado para que o conselho pudesse ouvir a opinião de técnicos contrários ao aborto. ‘É injusto. Não pode acontecer de trazer só pessoas a favor e não trazer ninguém em defesa da vida [do feto]’, afirmou (...) A maioria do plenário do CNS votou, então, pelo adiamento. Decidiu-se que, em dez dias, serão apresentados os nomes de quatro pessoas que farão exposição aos conselheiros sobre a interrupção da gravidez em casos de anencéfalos. Serão dois da área técnica -um a favor e outro contra a interrupção- e dois que tratem da questão ético-jurídica”.


  Católico roxo, misógino e homofóbico, jamais um doido!

Agora estão chamando o recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados de SS (Super Severino). Relembrando que o nobre deputado estava em Nova Iorque em 11 de setembro de 2001 (ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center), hospedado com a esposa, Amélia Cavalcanti, nas proximidades da catástrofe, eles possuem o status de sobreviventes do 11 de setembro, o que em si não deixa de ser uma glória pessoal suficiente para ele receba o codinome de Sortudo Severino, mas daí a Super Severino há um longo caminho que a sua biografia demonstra que ele não deu conta de percorrer, ou pelo menos jamais se interessou.


Papel de Parede - World Trade Center - Nova Iorque  (Torres Gêmeas do World Trade Center)


Recordo que SS é também a sigla das Tropas ou Esquadras de Proteção (SS - Schutzstaffel), criada pelo Partido Nacional-Socialista (Nazista) para a segurança pessoal de Hitler, na década de 20 e 30. Parece que foi a partir de 1936 que a SS incorporou toda a polícia alemã, o que genericamente se conhece por gestapo, a polícia nazista. 

Embora Severino Cavalcanti seja um velho e conhecido inimigo do feminismo, assim como o Vaticano, e se vanglorie de dizer que é um “católico roxo” e que talvez seja mais conservador do que o Vaticano (Vôte!), o codinome SS parece-me inadequado, mesmo em contexto de democracia e partidos políticos débeis, para dizer da supervalorização do poder de um presidente da Câmara dos Deputados, embora saibamos  que ele pode muito, sempre.

Por outro lado, a cobertura da mídia é de certa maneira irresponsável ao tentar evidenciar que foi uma fatalidade Severino Cavalcanti receber 300 votos num campo de 498 votantes, de um universo de 513 parlamentares, e que ele é um “doido”, ou como ele disse: “um tresloucado [eu não sou...]”.

Há equívocos nas duas análises. Em primeiro lugar, a Câmara dos Deputados é uma amostra representativa da pluralidade da sociedade brasileira e uma “média” dela. SC recebeu voto de seus iguais de sempre (os fundamentalistas, os do sindicato dos deputados, os defensores do latifúndio e dos grileiros) e dos seus iguais circunstanciais - parlamentar que votou, secretamente e nem aos deuses confessa,  em SC, de “cálculo pensado”,  por ser a oportunidade de ser contra o governo, por diferentes motivos, não apenas por um.

O espectro do eleitorado de  SC é amplo e não homogêneo, desde a Tropa de Choque de FHC à do PFL de ACM e seus similares, passando pelos fundamentalistas de diferentes matizes religiosos e latifundiários. Todos se esforçaram até às raias da insensatez no que estão chamando, tão desavergonhadamente, de “dar uma lição no PT”, alegando que foi “por isto, aquilo e aquilo outro”, nada suficiente para justificar que, deliberadamente, há uma maioria de parlamentares que coloca seus interesses pessoais acima das necessidades do povo brasileiro, sempre, pois o resultado do processo eleitoral da presidência da Câmara e de sua mesa diretora revela, de maneira cristalina, o pensamento majoritário da Câmara dos Deputados.

Em segundo, é preciso pontuar que chega até ser desrespeitoso com as pessoas em sofrimento mental ficar de galhofa dizendo que SC é doido. De uma coisa podemos ter certeza: SC não é um doido, pois, como dizem no sertão do Maranhão, “Se não rasga dinheiro não é doido”. Ao contrário, é tão apegado a dinheiro que o guarda em casa e sequer confia em bancos e recebeu a alcunha de “presidente do Sindicato dos Deputados” pelo seu afã histórico de buscar alguma maneira de os parlamentares terem sempre “algum a mais” - base que  catapultou a sua candidatura, que parecia tão risível, e permitiu que ele corresse em raia livre e chegasse ao comando de um poder quase imperial, a condição de presidente da Câmara que, para quem não sabe, é quem define a pauta da Câmara, pois o seu presidente é detentor do poder de dar a “última palavra” sobre os projetos que entrarão em votação.

Logo, SC, sozinho, pode impedir que seja pautado qualquer projeto contrário aos seus interesses pessoais e/ou convicções morais. Sabemos que SC tem as dele. São públicas e renitentes: aborto e homossexualidade, em nome da defesa da família. Sim, família no singular, pois SC, em nome do seu deus, é um convicto e confesso desrespeitador da Constituição Federal, que reconhece a diversidade de famílias em nosso país.

A presidência da Câmara é uma das cabeças definidoras dos rumos do país, pois detém o poder de aprovar relatores/as de projetos e até de só indicar seus iguais em opinião para o cargo de relator(a)! Portanto, está na ordem do dia para as pessoas de bem do nosso país e para todos os movimentos sociais, lutar pela recomposição do “Colégio de Líderes”, espaço de todas as lideranças das bancadas, que possui, quando quer, poder de negociação e barganha junto à presidência da Câmara, e que poderá ser rearticulado (já que foi para as calendas gregas no atual governo), pois uma de suas prerrogativas é a definição negociada de uma agenda mensal de votações com a presidência da Câmara, o que poderá minimizar possíveis desastres, tal qual a imposição de uma pauta fundamentalista.

O que é uma pauta fundamentalista? Por exemplo, a criminalização total do aborto e da homossexualidade, ou o engavetamento de projetos de lei sobre descriminalização do aborto e sobre os direitos de gays, lésbicas, travestis e transgêneros. Mas há no horizonte a saída: a reestruturação do “Colégio de Líderes”. Portanto, enquanto movimentos sociais precisamos nos conscientizar que devemos lutar para sensibilizar os partidos políticos e o governo que se trata de uma necessidade emergencial. Como sensibilizar gente que deu conta de eleger SC, eu não sei, mas que precisamos, não há dúvida.

As possibilidades de sensibilização da maioria dos partidos é grande, pois há um misto de medo e vergonha velado no ar, por parte até dos comandantes da eleição de SC, sobretudo do PSDB, tão cioso da excelência da maioria de seus quadros como uma elite da intelectualidade do país, pois agora se deu conta que há possibilidades concretas de a “liturgia do cargo de presidente da Câmara” e a imagem do Parlamento saírem definitivamente arranhadas diante das declarações estapafúrdias, aos borbotões, saídas da boca do próprio SC - que tem se revelado um boquirroto e sem poder de auto-censura (“Você duvida que o Virgílio votou em mim no segundo turno? provoca”), por pura ignorância do papel e da liturgia do cargo que ocupa, mas que não chega nem perto do que afirmou Dora Kramer: “Um presidente da Câmara desprovido - pelo menos naquele momento - de organização mental e articulação oral para estabelecer um diálogo razoavelmente sensato”.


  O comportamento de escorpião X Ignorância do ideário fundamentalista

Usando uma outra vertente complementar de análise, e voltando a um intertítulo do início do artigo (“Mas, foi a política quem saiu perdendo”), considero que em uma democracia, é acintoso nos referirmos a uma autoridade eleita (e SC é uma autoridade legitimamente eleita), ainda que por meios escusos e uma plataforma eleitoral corporativa e imoral, como se fosse um SS, mesmo quando a referida autoridade é, inegavelmente, um exemplar do conservadorismo e da moral fundamentalista, como é o caso de SC. Ainda que o presidente Lula, a título de minimizar o comportamento de escorpião do seu governo e também do seu partido, pose de braços dados com ele para demonstrar a “força de Pernambuco”.

 É de domínio público que a “força de Pernambuco” da qual SC é representante é a força do atraso, da misoginia e da homofobia, a tal ponto que não é arriscado dizer, embora ainda seja cedo, que amanhecemos em 15 de fevereiro em outro país, tendo como 3o. nome da hierarquia da República um homem de aparência simplória e inofensiva, quase um bocó, como dizemos no Nordeste, mas que, sem meias palavras, reafirma aos quatro ventos que nutre ódio visceral à luta contra o latifúndio e pela reforma agrária; que é contra o divórcio, a união entre pessoas do mesmo sexo e o aborto. Tudo, na mesma semana em que o governo começava a discutir nomes para a Comissão Tripartite sobre o Aborto, com previsão de funcionar  durante dois meses, e elaborar uma proposta de lei que será apreciada pelo governo brasileiro, cujo compromisso é encaminhar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei capaz  de enterrar o entulho autoritário e patriarcal que impede o direito de decidir das mulheres.




  Se as artimanhas da drª. Zilda Arns de tão conhecidas já não nos causam  comichão, e nem espanto, é preocupante (e o que significa mesmo?) a repentina insistência do governo em privilegiar em uma das vagas destinadas à sociedade civil o CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs), alegando que visa ampliar a participação da sociedade civil para além do CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher), quando sabemos que dar lugar a um dos setores da religião cristã (e é isso que o CONIC é), no máximo, significará desdém pelas demais religiões.

Vejamos uma análise sobre o assunto: “O tema entrou na última reunião do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), ligado à secretaria da ministra Nilcéa Freire, mas com a participação de 18 representantes dos movimentos de mulheres. O CNDM escolheu quatro organizações feministas, de um total de seis representações da sociedade civil. A quinta indicada foi uma entidade médica, a Febrasgo (Federação Brasileira Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Mas o sexto participante ficou em aberto, depois da reação negativa a uma proposta do governo, que propunha para a vaga o Conic (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs). Após sete horas de reunião do CNDM, não foi possível chegar a um acordo (...)

O Conic reúne sete igrejas cristãs, com destaque para a Igreja Católica Apostólica Romana -  que, a partir do Vaticano, tem se destacado na oposição a qualquer medida descriminalizadora. Circula entre as feministas a versão de que a representante da Conic seria designada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e que esta escolheria dona Zilda Arns, num indicativo de  alta prioridade para o tema aborto.”

Parece sem sentido que as ditas “questões morais”, dos conservadores, não possuem força no Brasil? Basta não nos escusarmos de ver e de entender como uma “questão menor”, para analistas da política no Brasil, foi, por unanimidade, rotulada por analistas de todo o mundo, como a pedra de toque da eleição de George W. Bush em 2004, e foram “as questões morais” que permitiram a Bush dizer, com propriedade, que “os Estados Unidos profundo falou”.  Refiro-me em especial às duas temáticas das quais SC é adversário roxo: aborto e homossexualidade, que o próprio deputado SC faz questão de dar visibilidade para suas convicções a respeito delas em todas as suas entrevistas, posto que ambas estão enraizadas no cotidiano de sua história política.

Indagado pela revista ISTOÉ (“O sr. tem posições conservadoras em vários temas: aborto, células-tronco, divórcio...”), foi taxativo: “Eu tive na primeira eleição 32 mil votos, na segunda fui para 52 mil e na terceira fui para 83 mil. Nunca mudei”.

A revista insistiu: “Mas o mundo mudou. O sr. não teme ficar obsoleto?” Ao que ele respondeu: “Não porque a minha idéia é a mais pura: defender a família. Todo país que não defende a família naufraga. Esses países do Primeiro Mundo, como o próprio Estados Unidos, estão fazendo uma mudança. Você vê o que aconteceu nessa eleição agora do Bush (George W. Bush). Ele ficou contra o homossexual e contra o aborto e foi consagrado”.

Perguntado se admirava Bush, disse: “Eu discordo de certas posições dele, mas não deixo de elogiar o eleitorado que votou nele, porque ele defendeu aquilo que devia defender, que é a consagração da família”. E foi mais longe para enfatizar que talvez seja mais conservador do que o Vaticano, quando indagado: “O Vaticano, na sua opinião, está muito liberal?”,  não se fez de rogado: “Às vezes eu discordo do que o Vaticano aprova. Tem algumas coisas que eu não aceito muito. Eu talvez seja mais conservador que o Vaticano. Esse negócio de padre casar, que já estão aceitando lá, eu acho um absurdo. Padre não é para casar. Padre é para fazer com que se respeite a vida dele e não dê esses exemplos de padre estar se amigando, se juntando”.

Diante de um retrato sem retoques de SC, não esquecendo que estamos falando do 3o. homem da hierarquia da República, penso que se é um dever político do poder executivo, na figura do presidente da República, manter relações civilizadas com o poder legislativo e o judiciário, assim como respeitar e assegurar a independência entre eles, em nome do interesse público o presidente Lula deveria ser mais acolhedor, e buscar formas inequívocas de demonstrar solidariedade, para com a dor de quem amanheceu em 15 de fevereiro em outro país, a exemplo das feministas e dos movimentos de lésbicas, gays, travestis e transgêneros - que há mais de uma década sofrem uma perseguição sem tréguas, por parte do deputado SC, com vistas a impedir o exercício de direitos elementares e mínimos de cidadania, como o direito de decidir sobre o próprio corpo.




Enfim, vivenciaremos uma conjuntura na qual a ampliação da democracia e a reafirmação da laicidade do Estado no Brasil e da justiça social, com certeza, parecerão mais distantes e há partidos políticos, pessoas, personalidades e autoridades públicas responsáveis por termos chegado onde estamos: assuntando a encruzilhada. Espera-se dessa gente, no mínimo, que se envergonhe e que o demonstre não atrapalhando mais a luta pela cidadania em nosso país. Sim, Chico de Oliveira tem razão quando nos alerta que precisamos reinventar a democracia no Brasil. E estamos nisso por nossa própria conta.


*  Fátima Oliveira médica, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, autora de Engenharia genética: o sétimo dia da criação (Moderna, 1995; 14a. impressão, atualizada em 2004); Bioética: uma face da cidadania (Moderna, 1997; 8a. impressão atualizada, 2004); Oficinas Mulher Negra e Saúde (Mazza, 1998); Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher (Mazza, 2000); Ensaio O estado da arte da Reprodução Humana Assistida em 2002 e Clonagem e manipulação genética humana: mitos, realidade, perspectivas e delírios (CNDM/MJ, 2002); e Saúde da população Negra, Brasil 2001 (OMS-OPS, 2002).



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