Visualizações de página do mês passado

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Um “nabuh” para os ianomâmi e um ianomâmi para os “nabuh”

1 (DUKE)
David Good diz que tentou esconder ascendência ianomâmi
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_

Há anos sabia do casamento entre antropólogo norte-americano Kenneth Good e a índia ianomâmi Yarima, da Amazônia venezuelana. Casados na aldeia natal dela, Hasupuweteri, desde 1982, ela com 15 e ele com 39 anos, em 1986 foram residir nos EUA, onde se casaram de “papel passado” e, nove dias depois, David Good nasceu! Tiveram dois filhos (David e Daniel) e uma filha (Vanessa).
 
[IMG]  (David foi o primeiro filho, nascido em Nova York, quando Yarima deixou a aldeia. Os irmãos Vanessa e Daniel vieram um e quatros anos mais tarde)
Foto: BBCBrasil.com

David-Good  (David Good e sua mãe Yarima)



Kenneth Good chegou à Amazônia em 1975 como aluno do antropólogo norte-americano Napoleon Chagnon, autor de “O Povo Feroz” (1968) – registro de suas pesquisas com ianomâmis da Venezuela na década de 60, obra de referência sobre etnia durante décadas –, embora o ex-aluno Kenneth Good, que morou com os ianomâmis até 1986, alegasse que Chagnon manipulara dados em suas pesquisas.
Foi rebatido pelo mestre com sua vida pessoal: o casamento com Yarima, até hoje polêmico. Dizem, não consegui confirmar, que não há um código de ética que proíba antropólogos de relações de ordem afetiva e/ou sexual com sujeitos de suas pesquisas. Porém, Kenneth Good até hoje é acusado de pedofilia: ficou noivo de Yarima quando ela tinha 12/13 anos, mas diz que só se relacionaram sexualmente quando ela completou 15 anos.

-- Click to Read next Review
 
Livro Dentro Do Coração Kenneth Good Com David Chanoff    A oferta de uma esposa a Kenneth Good foi feita, em 1978, pelo irmão dela, o cacique da tribo, onde Good era chamado de “shori” (cunhado), numa cultura que, após a menarca, a mulher já pode ter marido, conforme Kenneth Good em seu livro “Into the Heart: An Amazonian Love Story” (“Coração Adentro: Uma História de Amor Amazônica” (1991). Disse o cacique: “Shori, você vem sempre aqui nos visitar e viver conosco... estive pensando que deveria ter uma esposa. Não é bom para você viver sozinho”. A oferta não foi aceita de imediato, mas acabou sendo concretizada.

Não há um código de
ética que proíba
antropólogos de
relações de ordem
afetiva e/ou sexual
com sujeitos
de suas pesquisas

 (Changon com ianomâmi)
 (Changon com ianomâmis)
  (Michigan James Neel)

cover image

Os estudos de Chagnon foram questionados com mais vigor desde o documentado pelo jornalista Patrick Tierney, autor de “Darkness in El Dorado” (“Trevas no Eldorado – como cientistas e jornalistas devastaram a Amazônia”). Na referida obra há acusações de que Changon tenha forjado, por encenações, mas com mortes reais, conflitos entre aldeias ianomâmis para provar que o povo ianomâmi é bélico, de natureza. Aventam que Changon deu aval aos experimentos do geneticista da Universidade de Michigan James Neel: uma vacina antissarampo, que desencadeou uma epidemia que matou centenas de ianomâmis.
 Em 1993, Yarima, que parecia adaptada à vida fora da tribo, decidiu ficar com seu povo, quando lá esteve participando de um filme sobre a sua vida. A prole ficou sob os cuidados do pai, embora ela tenha insistido em ficar com a menina.
 Em “Americano vai à Amazônia em busca de mãe ianomâmi”, David Good diz o quanto tentou esconder sua ascendência ianomâmi: pedia ao pai que dissesse que ele era hispânico. Adulto, cheio de perguntas, partiu em busca de suas origens. Em 2011, teve um reencontro emocionante com a sua mãe, quando firmou o propósito de “criar vínculos de amizade entre a cultura ianomâmi e o mundo lá fora – mas do ponto de vista de alguém que pertence a essa cultura”.
  
News Photo: Anthropologist Ken Good w Yanomamo Indian wife Yarima…  “Quem sou eu? Sou ianomâmi ou sou ‘nabuh’ (branco)? Os ianomâmi me veem como um ‘nabuh’, e os ‘nabuh’ me veem como ianomâmi? Hoje me orgulho de ser um americano-ianomâmi, tenho orgulho da minha herança cultural. Eu amo minha mãe e anseio estar com ela novamente, aprendendo os costumes ianomâmi. Não sou antropólogo, não sou político, não sou missionário. Sou um irmão e sou um filho” (BBC 7.9.2013).
Frases de alguém em paz com a sua verdadeira identidade.
 

mama 3mama 2
 [IMG] (Yarima, hoje com cerca de 40 anos, não se adaptou à vida individualista do homem branco e deixou os filhos com pai, retornando à Amazônia) Foto: BBCBrasil.com
PUBLICADO EM 10/09/13
FONTE: OTEMPO

7 comentários:

  1. Comovente. A busca da identidade é um caminho nem sempre fácil. Parabéns David

    ResponderExcluir
  2. Os antigos já diziam: "Sangue cheira". E David Good sentiu o cheiro do seu sangue. Parece que ele é biólogo

    ResponderExcluir
  3. Fátima, fiquei muito emocionada

    ResponderExcluir
  4. Nunca é fácil a vida de crianças criadas sem mãe. Entendo a busca de David Good. Eu também fiquei quase sem ar quando li a matéria da BBC. Um jovem corajoso até demais.

    ResponderExcluir
  5. SEGREDOS DA TRIBO
    De: JOSÉ PADILHA
    22.02.2013 Por Carlos Alberto Mattos
    Divergências de interpretação, disputas de primazia e ataques pessoais se misturam numa guerra que, em vez de bordunas, é feita com textos e falas de antropólogos
    Os filmes de José Padilha são corajosos. Isso implica estarem sempre no lusco-fusco entre a complexidade e o sensacionalismo. Em Garapa, prevaleceu o sensacionalismo. Em Tropa de Elite, as duas coisas se equilibraram e geraram polêmica. Seu novo documentário, Segredos da Tribo, junta-se a Ônibus 174 como vitória da complexidade sobre o efeito.Secrets of the Tribe é uma coprodução da brasileira Zazen (de Padilha e Marcos Prado) com a BBC. Foi adquirida pela HBO depois de estrear no Festival de Sundance com resenhas quase perplexas diante dessa visão demolidora do universo da Antropologia. Para quem vê de fora, os antropólogos formam uma comunidade razoavelmente coesa, sóbria e colaborativa. Motivados pelas melhores intenções, os antropólogos modernos também se autoexaminam, procurando assumir e refletir sobre as interferências de seu trabalho sobre os grupos humanos que estudam. Em contraponto à ideia do “bom selvagem”, eles seriam os “bons cultos”, devotados ao conhecimento e à defesa dos povos primitivos.
    Mas o que Padilha vai revelar é bem diverso desse quadro, digamos, onírico. São histórias de pedofilia, indução ao homossexualismo, exploração de prostituição, experiências danosas à saúde dos índios. Não se poupa nem mesmo a palavra genocídio. A tribo do título, claro, é a comunidade dos etnógrafos.O filme começa com cenas fortes de índios rejeitando a presença de antropólogos em suas tribos. Volta e meia, índios da região do Orinoco (sul da Venezuela e norte do Brasil) aparecem citando exemplos que confirmam a veracidade das denúncias apresentadas. Mas quem faz as denúncias são primordialmente outros antropólogos. ...
    Na verdade, estamos no meio do fogo cruzado de uma guerra que usualmente só explode nos limites das páginas das revistas científicas ou num livro como Darkness in Eldorado, do jornalista investigativo Patrick Tierney (2000), publicado no Brasil pela Ediouro como Trevas no Eldorado – como cientistas e jornalistas devastaram a Amazônia e violentaram a cultura ianomâmi. O doc de Padilha rastreia as fagulhas desse livro.
    No centro das denúncias estão diversos antropólogos de renome internacional. Napoleon Chagnon, um pioneiro no estudo dos ianomâmi e personagem central do filme, defende-se das acusações de ter construído uma teoria manipulatória sobre o pendor daqueles índios para a violência. Kenneth Good justifica seu casamento com uma adolescente ianomâmi, que ele levou para uma experiência de vida americana padrão...
    Divergências de interpretação, disputas de primazia e ataques pessoais se misturam numa guerra que, em vez de bordunas, é feita com textos e falas. “Os antropólogos são etnocêntricos e racistas”, atira o antropólogo Good.O s ianomâmi, por sua vez, fazem declarações desconcertantes sobre a normalidade do uso do sexo como moeda de troca nas relações com os cientistas. ... Esses casos extremos, se não abalam o prestígio da disciplina, pelo menos apontam fissuras éticas que se multiplicam em graus diferenciados. Mesmo sendo a discussão levantada por Patrick Tierney já conhecida há pelo menos 10 anos, a força dos depoimentos diretos dos protagonistas é digna de consideração.O dossiê de Padilha termina com uma espécie de tributo/desagravo a Chagnon na American Anthropological Association e imagens de uma alegre feira de livros de Antropologia. O sentido do filme fica, então, mais claro. Não se trata de encampar esta ou aquela acusação, mas de mostrar que a Antropologia, tomada muitas vezes como algo próximo de uma religião, é na verdade uma ciência suscetível à política, às vaidades e às paixões.

    http://criticos.com.br/?p=3434

    ResponderExcluir
  6. David Good não esqueceu a sua mãe e a entende, assim como entende que nasceu como fruto de uma amor, digam o que disserem

    ResponderExcluir