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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Paralelos entre o SUS e a tragédia de William Shakespeare

DUKE


Se a portaria for respeitada, será o começo de um acerto de contas e de condutas com instituições privadas, que prestam serviços ao SUS
Fátima Oliveira
Médica -
fatimaoliveira@ig.com.br

Um leitor irado indagou, por e-mail, por que eu tinha "tara" por coisas que não prestam, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), para ele um engodo quando depende de serviços contratados. Ele reside numa cidade mineira onde só há Santa Casa. Finaliza sua crítica citando "Hamlet" - tragédia de William Shakespeare, escrita entre 1599 e 1601: "Há algo de podre no reino da Dinamarca". Diz que tais instituições "não são mais de caridade; recebem por procedimentos feitos - aquilo que você já ficou rouca de dizer: o grande mérito do SUS foi acabar com o indigente da saúde. E é verdade: não há mais indigentes, há perambulantes".
Ficheiro:2934243350 204ba799eb.jpgEscultura de Hamlet segurando uma caveira

Há casos em que silenciar é a melhor resposta. É o que tenho feito. Só agradeço os e-mails, sem puxar conversa. Continua o meu leitor: "‘Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a nossa vã filosofia’ (Hamlet) e que ‘Nada conserva sempre o mesmo aspecto; até mesmo a bondade, em demasia, morre do próprio excesso’ (Hamlet). Recordo-lhe que foi em 1498 que foi criada em Portugal a Irmandade da Misericórdia, com fins caritativos.
Braz Cubas (Porto, Portugal, 1507 - Santos, SP, 1592), tela de Benedicto Calixto

3º. prédio da Santa Casa de Santos,  tela de Benedicto Calixto 
Prédio atual da Santa Casa de Santos

A ideia se espalhou pelo mundo e, em 1543, Braz Cubas criou, em Santos, a primeira Casa de Misericórdia do Brasil (Hospital de Santos). Ninguém nega que, por aqui, abaixo de Deus só as santas casas. Mas vivem passando o pires no governo, sob alegação de que vão fechar as portas. Isso tem nome, que nem preciso dizer, já que hoje há cerca de 2.500 santas casas, totalizando mais ou menos 50% dos leitos hospitalares do país! Em Minas, são 258 ".
Foto Charles Damasceno








Presidente da Confederação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), José Reinaldo Nogueira de Oliveira Junior
Foto: Lenir Camimura









Presidente da Frente Parlamentar de Apoio às Santas Casas, deputado Antonio Brito (PTB-BA)

A lembrança do meu leitor veio com a presença do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no "XXI Congresso Nacional das Casas e Hospitais Filantrópicos: Saúde e Meio Ambiente - um Novo Olhar sobre a Sustentabilidade" (16 a 18.8.2011), quando assinou portaria que altera critérios para a obtenção do "certificado de filantropia" por hospitais e santas casas que prestam atendimento ao SUS.
Foi mantido o percentual mínimo de 60% do atendimento no SUS. A novidade é que, agora, compõem o percentual, além de internações: atendimentos ambulatoriais de quimioterapia e pequenas cirurgias; em serviços de oftalmologia ou oncologia, 100% dos atendimentos poderão ser tratados ambulatorialmente; áreas estratégicas (leia-se: "gargalos"): urgência e emergência, dependentes químicos, saúde materna e infantil passaram a ter peso maior para obter ou renovar certificado de filantropia. Inclui, ainda, valendo percentuais: apoio ao ensino, promoção da saúde, casas de apoio à gestante, a dependentes químicos e oncológicos.
Fotos: Charles DamascenoSe a portaria for respeitada pelos secretários municipais de Saúde, extirpando o conceito de castas ou serviços intocáveis e fora da lei, será o começo de um acerto de contas e de condutas com instituições privadas, ainda que filantrópicas, que prestam serviços ao SUS. Como registrei em
"Pensando uma Agenda Estratégica para a Saúde no Brasil" (7.12.2010), não cumprem os 60% de atendimento SUS - em muitas, o atendimento SUS é temático (algumas doenças) e discriminatório. Ainda recebem benefícios fiscais e creditícios (dinheiro público na bandeja), como agora: aumento de R$ 300 milhões para 700 hospitais, que aceitaram o programa de metas do ministério: incentivo de adesão à contratualização (IAC).
Para o ministro Padilha, "a ideia é estimular os hospitais a oferecerem ao SUS mais serviços nas áreas consideradas prioritárias... Estamos saindo de uma visão de que a atenção à saúde é só leito hospitalar". Precisa acontecer.


Publicado no Jornal O TEMPO em 23.08.2011

Portaria Nº 1.970, de 16 de agosto de 2011, que "Dispõe sobre o processo de Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social na área da Saúde (CEBAS-SAÚDE)".
Lei da filantropia de 2009 - LEI Nº 12.101, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2009.

LEIA + COMENTÁRIOS EM:
Blog Saúde com Dilma, O TEMPO, SITE LIMA COELHOVERMELHO
Zé Trindade (1915-1990)
Doente da Santa Casa (De um disco de humor do saudoso humorista baiano Zé Trindade)

Doente da Santa Casa.
Sabe lá o que isso?


Doente da Santa Casa!
Que sina, que desgraceira.
De segunda a sexta-feira
É sacudido, revirado,
Quase liquidificado,
Por estudante tarado,
Que junta na cabeceira.


Tiram sangue, botam sangue,
Exames de raios X,
Agulha grossa na veia,
Tacam sonda no nariz,
Dão com o martelo na perna
Peteleco na barriga,
Cada exame desgraçado,
Só pra descobrir uma lombriga.


- Diz trinta e três!
- Mais uma vez trinta e três.
E diz quatro cinco, seis,
Setenta, noventa e três.
E a todos que vão pedindo,
Vai o infeliz repetindo.
Trinta e três.


Doente da Santa Casa,
Que resistência brutal.
Seu fígado é mais apalpado
Que broto no carnaval.
Seu coração é mais ouvido,
Que o Hino Nacional!


E todo remédio novo,
Antes de ser dado ao povo,
O laboratório não esquece.
Manda amostras pros doentes,
Pra ver o que é que acontece.


Doente da Santa Casa...
Se o caso é de abrir barriga,
Às vezes sai até briga,
Pois tudo o que é doutor,
Que acaba de ser formado
Quer estrear o bisturi,
No abdomem do coitado!
Mas... no fim, tudo se ajeita,
Pois é achada a receita,
Um que abre, outro que fecha
E um terceiro enfia a mecha!


Doente da Santa Casa...
Se o infeliz cai na besteira,
De ter uma doença rara,
Destas que nem catedrático
Diagnostica de cara,
Aí é que o infeliz sofre pra burro, não pára.


Pois vem estudante, professor,
Catedrático, doutor,
Até cientista e reitor.
Levam o homem pro Congresso...
Doença pouco comum na Santa Casa,
É um sucesso!


Doente da Santa Casa,
Que alegria que ele tem.
Quando a enfermeira anuncia:
- O doutor hoje não vem!!!

10 comentários:

  1. Fátima, achei o artigo ótimo, sobretudo porque reafirma que as Santas Casas não fazem caridade: recebem do SUS por tudo o que fazem, além de chamar a aatençãoq ue elas vivem de chantagear o governo dizendo que vão quebrar o tempo todo para que o governo dê sempre mais e mais dinheiro. É assim no Brasil todo.

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  2. AS SANTAS CASAS NASCERAM JUNTO COM O BRASIL

    MEMÓRIA: Uma história que merece ser contada
    O tema dos 500 anos do Descobrimento irá concentrar as atenções de todos os segmentos da sociedade até o final do ano 2000. Neste processo de (re)descobrir e (re)pensar a história de nosso país, assume relevância indiscutível o papel desempenhado pelas instituições denominadas "santas casas de misericórdia", uma das primeiras heranças da colonização portuguesa, quase tão antigas quanto a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manual. A primeira santa casa do mundo foi criada em 15 de agosto de 1498, em Lisboa, tendo patronesse a rainha Leonor de Lencastre, originando a "Confraria de Nossa Senhora de Misericórdia". Neste mesmo ano, foram fundadas dez filiais, sendo oito em Portugal e duas na Ilha da Madeira. No Brasil, em 1539, surgia a Santa Casa de Misericórdia de Olinda (não há documentos oficiais que comprovem a data).


    http://www.cmb.org.br


    AS DEZ PRIMEIRAS SANTAS CASAS
    - Santa Casa de Misericórdia de Olinda (PE)
    1543 - Santa Casa de Misericórdia de Santos (SP)
    1549 - Santa Casa de Misericórdia de Salvador (BA)
    1582 - Santa Casa do Rio de Janeiro (RJ)
    1551 - Santa Casa de Vitória (ES)
    1599 - Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP)
    1602 - Santa Casa de Misericórdia de João Pessoa(PB)
    1619 - Santa Casa de Misericórdia de Belém (PA)
    1657 - Santa Casa de Misericórdia de São Luís (MA)
    1792 - Santa Casa de Misericórdia de Campos (RJ)
    (*) Em que pese aparecer a Santa Casa de Misericórdia de Olinda como a mais antiga do Brasil, não existe documentação que comprove ter sido esta a data da sua fundação. Oficialmente a de Santos é considerada a primeira do Brasil.

    http://www.cmb.org.br/

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  3. Um artigo sério e que diz tudo sobre a PILANTROPIA na saúde brasileira. As Santas Casas já foram de caridade. Depois do SUS não saão mais. São um comércio de saúde como outro qualquer, mas com o privilégio d enão pagar impostos e ainda, quando podem extorquem os governos. Tem sido assim. Em geral são administradas anos e anos, e bote anos nisso, por uma mesma família de médicos. E ainda tem o descaramento de dizerem que nunca têm lucro, mas os provedores sempre enriquecem. Tem alguma coisa errada aí.

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  4. É preciso dizer mesmo que o SUS acabou com essa historia de que algum hospital trata qualquer pessoa de graça

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  5. QUEM AINDA NÃO LEU, SE DELICIE:
    Dr. Osano, cloranfenicol, oito reses e cá estou viva
    Fatima Oliveira

    Sou fascinada por remédios caseiros. Chás, nem se fala! Sou avessa a remédios, embora não sei se de difícil adesão porque depois de adulta jamais precisei de medicamentos de modo contínuo. Enfim, coisas de quem tem saúde de ferro e jamais faltou ao serviço, desde 1979, quando comecei a trabalhar. Sou de esperar a dor passar sem tomar nada.


    Menos! Tomo chá de hortelã, usado no sertão como analgésico - saber popular validado por pesquisa recente da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, conduzida pela brasileira Graciela Rocha, que concluiu que o chá de hortelã é "tão efetivo em aliviar a dor como a indometacina, droga sintética".

    Aos 12 anos, adoeci e fiquei acamada mais de um mês. Vovó até "encomendou a mortalha". Estava na segunda série ginasial (sexta série do ensino fundamental). Mamãe diz que tive "febre tifo". Hoje sei que foi febre tifoide - doença infecciosa potencialmente grave, causada pela bactéria Salmonella typhi, cujos sintomas são febre prolongada, alterações do trânsito gastrointestinal, aumento do fígado e do baço e confusão mental - em 10% a 25% dos casos: desorientação, delírio, rigidez de nuca, convulsões e até coma. Tive todos! Leva ao óbito em até 15% dos casos sem uso de antibiótico e hidratação adequados. De distribuição mundial, a doença grassa onde o saneamento básico é inexistente ou insuficiente. A transmissão é via ingestão de água e alimentos contaminados. Há febre tifoide no Brasil, mas nunca atendi nenhum caso!

    Fui tratada com cloranfenicol - na faculdade de medicina, adorava estudá-lo -, que é um antibiótico bacteriostático, isolado por David Gottlieb, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, da bactéria Streptomyces venezuelae; em 1947, Burkholder obteve o cloranfenicol de culturas do Streptomyces venezuelae, e dois anos mais tarde, em 1949, foi introduzido na prática clínica.

    Foi o primeiro antibiótico manufaturado sinteticamente em escala industrial. Era tido como uma panaceia e ministrado contra "zilhões" de micro-organismos, além de ser barato. Hoje sabemos que o uso abusivo, além de estragar os dentes, tem um efeito colateral grave, de baixa ocorrência, a anemia aplástica.

    Em 1965, quando adoeci, eu residia em Colinas, no Maranhão, onde estudava. Lá, assim como em Graça Aranha, onde morava minha família, não havia médico. Em Graça Aranha, o povo se valia do "Seu Diassis", farmacêutico prático que costurava facadas, encanava pernas e braços quebrados, retirava balas e até "extraía meninos", quando as parteiras não davam conta. Em Colinas, abaixo de Deus pontificava o dr. Osano Brandão, aclamado pelo povo como o grande médico do sertão, mas era "farmacêutico formado", em 1927, pela "Escola de Pharmacia e Odontologia do Maranhão". Foi prefeito de Colinas três vezes.

    Para meu avô Braulino, o dr. Osano Brandão era "doutor indo e voltando". "Fazia" os remédios de sua botica, "conhecia" doenças e as tratava, até em regime de internação domiciliar. Quando estive acamada, ele ia à Casa do Estudante, onde eu vivia, duas vezes ao dia, e, segundo contam, passou muitas noites em minha cabeceira. Era pequeno, franzino, de voz suave e sempre de terno de linho branco. Dizem que era caridoso, mas ter cuidado de mim lhe valeu o dinheiro de seis reses famosas, fora a fatura dos remédios (mais duas vacas!), que meu avô disse que eram nada, pois se o dr. Osano cobrasse um curral cheio de gado teria recebido, porque salvar a vida da sua neta não tinha preço.

    Era assim a vida sem SUS no sertão. Nossos bichos nos salvavam.


    O TEMPO, ... 01/12/2009

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  6. Fátima, estou bestificado com o poder das santas casa. Cruz Credo!

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  7. Fátima estou impressionado com tanto poder nas mãos das santas casas. Na verdade fiquei chocado por saber que elas detém 50% dos leitos hospitalares do país

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  8. + UMA DE SANTA CASA...
    Médico que não pode levar paciente para a UTI chama Polícia Militar

    DE RIBEIRÃO PRETO - Um médico da Santa Casa de Sertãozinho (333 km de SP) chamou a Polícia Militar para registrar a dificuldade em conseguir internar na UTI um paciente infartado, no último sábado.
    A única vaga disponível era reservada para um plano de saúde privado.
    O médico afirmou à polícia que não havia obtido autorização para transferir o paciente Gesuel Lisboa, 55, mas que o encaminhou à UTI para salvar a sua vida.
    Paulo Laredo Pinto, 30, cirurgião-geral e vascular, disse à Folha que foi chamado pelas enfermeiras porque Lisboa estava com falta de ar e dores fortes no peito. "Olhei um senhor obeso, diabético, hipertenso, com aqueles sintomas e logo detectei infarte. Ele poderia morrer se ficasse mais cinco minutos na enfermaria."
    Ao pedir a transferência, o médico soube da vaga reservada ao convênio e pediu que fosse procurada a administração, que, segundo ele, respondeu para encaminhar o paciente a leito comum.
    Depois de socorrer Lisboa, o médico voltou à enfermaria e chamou a polícia.
    Em nota, o hospital diz que não cedeu o leito no momento porque foi informado que o paciente já estava sendo atendido numa das salas de urgência semi-intensivas e que seu quadro de saúde era estável.

    COTIDIANO, FSP, São Paulo, terça-feira, 23 de agosto de 2011

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  9. Uma reflexão bem elaborada. Um alerta para o ministro Padilha. Espero que ele saiba entendendê-lo. Acho que vai entender. É inteligente e esperto.

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  10. Fátima, não discuto que não há mais indigente...que não só as SCM recebam pelo que fazem, mas todos os hospitais que atendam ao SUS...mas só de curiosidade mórbida (e excetuando-se alguns procedimentos) veja quanto os médicos e o hospital recebe pelo atendimento...é de rir..ou como vc adorou colocar no seu artigo " to be or not to be, that´s the question..."

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