
Conta García Márquez, em "O Amos nos Tempos do Cólera"
Fátima Oliveira
Médica - fatimaoliveira@ig.com @oliveirafatima_



O cenário é Cartagena das Índias. Florentino, reles
funcionário dos Correios. Ela, estudante do Colégio da Apresentação da
Santíssima Virgem, “onde, há quase dois séculos, as meninas da sociedade
aprendiam a arte e o ofício de esposas atentas e submissas”. Trocaram cartas
apaixonadas por três anos. Noivaram por carta: “Está bem, caso-me consigo se me
prometer que não me obrigará a comer berinjelas”, até que foi expulsa do
colégio por ser vista escrevendo cartas de amor.

Na casa da mãe do dr. Urbino, um prato habitual era
berinjela e ele adorava! Ela sentia náuseas. Um dia gostou de purê de
berinjela! Um dia decretou: “O problema da vida pública é aprender a dominar o
terror; o da vida conjugal é aprender a dominar o tédio”. Florentino virou dono
da Companhia Fluvial das Caraíbas. Ficou rico para a amada. No dia do enterro
do marido confessou: “Fermina, esperei esta ocasião durante mais de meio
século, para repetir-lhe uma vez mais o juramento da minha fidelidade eterna e
do meu amor para sempre”. Ela: “Desaparece-me da frente! E que eu não te torne
a ver nos anos que te restam de vida... Que espero sejam muito poucos”.

"O amor era
amor em qualquer
tempo e em
qualquer lugar,
mas tanto mais
denso quanto mais
próximo da morte”.
amor em qualquer
tempo e em
qualquer lugar,
mas tanto mais
denso quanto mais
próximo da morte”.
Ele voltou a escrever-lhe cartas. Na primeira visita
não pôde ficar: teve reviravolta nas tripas... Viraram colegas de velhice. A
filha Ofélia sacou e bradou: “O amor é ridículo na nossa idade, mas na idade
deles é uma obscenidade”. Foi expulsa de casa pela mãe, que confidenciou à
nora: “Há cem anos, cagaram-me a vida com esse pobre homem porque éramos
demasiado jovens e agora querem-no repetir porque somos demasiado velhos”.
Acendeu um cigarro com a beata do outro e deitou para fora o resto do veneno
que lhe roía as entranhas: “Que vão todos à merda – disse. Se nós, as viúvas,
temos alguma vantagem, é a de não ter ninguém que mande em nós”.
(Foto do filme O Amor nos Tempos do Cólera)
Sem casar, viajou num navio de Florentino, que
preparou o gol durante uma semana e não finalizava, até que ela: “Se temos de fazer
disparates –disse –, façamo-los, mas como gente crescida”. Na cama, “ela
estendeu a mão na escuridão, acariciou-lhe o ventre, os flancos, o púbis quase
imberbe... Deu o passo final: procurou-o onde não estava, voltou-o a procurar
sem ilusões e encontrou-o inerme. Está morto – disse ele”. Em sua primeira
noite com Fermina Daza, ele brochou! Nos dias seguintes, se achou!

Na noite da véspera do desembarque, Fermina Daza
preparou um prato que Florentino Ariza batizou de “Berinjelas ao amor”. “Pois
tinham vivido juntos o suficiente para se darem conta de que o amor era amor em
qualquer tempo e em qualquer lugar, mas tanto mais denso quanto mais próximo da
morte”.
(Foto do filme O Amor nos Tempos do Cólera)
"Em teoria é difícil entender esses prazeres subjetivos. Mas aqueles que os tenham vivido compreenderão de imediato. [...] Não creio que haja método melhor que o montessoriano para sensibilizar as crianças às belezas do mundo e para lhes despertar a curiosidade para os segredos da vida" (Gabriel García Márquez, em sua autobiografia: Viver para Contá-la)

FONTE: OTEMPO